Conta a lenda
que Berenice, rainha do Egipto e conhecida pela sua beleza e encanto, terá
oferecido aos deuses, em troca da vitória dos seus exércitos, a formosa
cabeleira que a animava. Afrodite terá
ficado deslumbrada com a beleza desses cabelos, levando-os egoisticamente para
o céu, com os quais se deleitava.
Adoro as lendas clássicas, tanto quanto as detesto, dependendo do fruto das suas fruições ou dos pesadelos que me provocam as suas lembranças. Não é a mesma coisa vivê-las, sonhá-las, ou submeter-me ao seu tormento. Por isso hoje estou magoado, não zangado ou ressabiado com quem tantos momentos únicos me prendou. Qual Medeia, a bela, também Berenice, que me alimentou sonhos e ilusões, vi transformada em fonte de sentimentos tão belos quanto contraditórios, senão mesmo cruéis.
Adoro as lendas clássicas, tanto quanto as detesto, dependendo do fruto das suas fruições ou dos pesadelos que me provocam as suas lembranças. Não é a mesma coisa vivê-las, sonhá-las, ou submeter-me ao seu tormento. Por isso hoje estou magoado, não zangado ou ressabiado com quem tantos momentos únicos me prendou. Qual Medeia, a bela, também Berenice, que me alimentou sonhos e ilusões, vi transformada em fonte de sentimentos tão belos quanto contraditórios, senão mesmo cruéis.
Muitas vezes
sonho com estrelas, muitas vezes me vi vogando nos céus, tão feliz quão
Aldebaran, imbuído de honras e riquezas tais que nesses momentos também eu experimento
grandiosos e radiantes sentimentos e, como ela, a sensibilidade de um brilho
ofuscante, em muito superior ao de Betelgeuse, essa sim, conhecida pela sua
grandeza, brilho e eterna duração. Como poderão
ver, eu, como toda a gente, tenho momentos que, mesmo oníricos, são de uma
beleza e felicidade impares. Não serei único, como não serão exclusivos meus
adversidades, frustrações e desilusões, comigo, com a vida, com os demais.
É a vida, e
como soa ouvir-se, o que não nos mata fortalece-nos, contudo, parafraseando um
ditado da minha terra; “ elas não matam mas moem”. Mas estou a
desviar-me do meu sonho, do meu sonho e de Berenice, a tal beleza que, e só nos
sonhos tal acontece, a exemplo de Aquiles o belo, que banhado no rio Estige
quando criança, se terá tornado invulnerável á excepção do calcanhar por onde
lhe pegaram para o banhar, e por onde teria entrado a seta envenenada que anos
mais tarde o mataria...
Também eu
sonhei Berenice banhada nas águas do rio Ingá e delas saindo risonha, feliz,
um sorriso contagiante que haveria de a acompanhar a vida inteira. Sonhos são
mesmo assim, num minuto o nascimento e baptizado de Berenice nas águas desse
rio que as flores dos Ipês roxos sagravam, no minuto seguinte o seu corpo
moreno retesando-se na brancura dos lençóis, tensa, bela, esbelta, olhares e
unhas cravadas em mim, as coxas quentes rodeando-me a cintura, sôfrega, ávida,
suada devido à intensidade do calor do momento, suado eu, igualmente vogando no
Olimpo, utopias e idílios, fantasias e propósitos, ficções devaneios e
quimeras, saboreando salivas, as nossas peles húmidas, como húmido tudo o
resto, na vacuidade do momento, do instante em que suas coxas num desafio me
rodeavam, abertas, oferecidas, refúgio, abrigo, consolo e êxtase que a
circunstância num ápice transformava de princípio e meio, em fim,
e minhas mãos,
envolvendo os seus cabelos lindos, reparam sobressaltadas que não têm nelas
Berenice, nem Medeia, mas ternamente afagam a cabeça de Medusa, cujos cabelos,
volvidos serpentes, me causam repulsa e sobressaltado, me acordam desse sonho
transformado em pesadelo, do qual recuo em rejeição e recusa, revoltado,
magoado, do qual me evado antes que, petrificado, inexplicável e
surpreendentemente apresado, esqueça tantos e todos os sonhos sonhados, ainda vívidos
em mim, e se me frustre a vida, a ilusão, a esperança, eu.