quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

19 - DOMINGO..............................................................


Sim, aquele dia começou radiante, como se nas margens de um rio a beleza das cores, a frescura e fragrância dos dias felizes igualasse a cadencia deste coração cansado e enorme, a memória de outras cadencias, de outros dias felizes, deste mesmo ou doutros rios, as mesmas cores, não esfumadas mas intensas, fulgurantes, quase repetição dum inexorável e incansável ritual de celebração da vida, qual hino à existência, sublimação da vida que há em mim e me redime do pior que haja no meu intimo.

Começou, como sempre começa, como um sonho, em que estou na luz, diviso vagamente um vulto fugidio a que sinto o perfume e a quem, na harmonia de um gesto delicado tento segurar a serena e pressentida presença de que, primeiro apenas o sombreado, mas depois o perfil de um desejo com forma de sonho, cores claras, o mundo repentinamente todo luz, eu, sombra saindo da escuridão, o corpo tolhido, antecipando delírios e paixões, o olhar nascendo de novo destes mesmos sentidos, os mesmos rodopios e devaneios, o mesmo degelo da alma, o corpo bamboleando-se-me, a volúpia das palavras primeiro, o aroma das flores depois e,

quando nem em mim cria, já não sonho, deliro, que repentinamente te abraço, repentinamente te beijo, saboreio nos teus lábios champanhe, agora o delírio e a volúpia sim, mas dos sentidos, lascivos, ébrios, sedentos de boémia, e é noite, mergulho na sombra do astro, e já nem sei se arlequim se querubim, e o teu corpo que parece mexer-se, e nem sei se estes cabelos são meus se teus, afago-me, afago-te a pele morena, a silhueta, depois as tuas curvas e o pecado que tramo, e este sonho em escalada contínua, estas sombras que me cobrem, promessas figuradas que tingem meus olhos, e, perante mim, qual milagre, vagamente tomando forma uma mulher que amo, que começa de imediato a tornar-se carência, imagem debruada a luz mergulhando no esplendor da minha alma.

Parece que em ti tropecei, mas não, não mais a melancolia, a solidão, agora sei não querer habituar-me à tua ausência, tudo que sou também és, tudo que és também sou, agora sei, o mundo somos tu e eu, e mais ninguém, palpitas em mim, nem consigo dormir pois este sonho me leva a perder-me de mim, me persegue como silício vivo e eu, incapaz de fugir a meu fado, de alma sobressaltada e fogo alimentando os sentidos, com este lume em meu peito, imagino-te,

imagino carícias ingénuas, o coração batendo como batia, e eu fremente de desejo, já sem destino nem rota, fugindo ao presente, ansiando o futuro, os sentidos girando, e a abóbada celeste num carrossel, girando, girando, e eu que morreria se não te contasse este anseio, corações mais não são que cinzas e paixões, e vejo claramente na penumbra dos dias com luz, flâmulas e pendões multicores, um mar de rosas, e esta alegria imensa de todo o meu bem querer-te porque por agora a ponte que nos une é esta ausência, e

invento desejos, embriago-me com bacantes, acumulando coragem para conquistar o teu corpo, cobrir-te de abraços, de beijos, saciar estes olhos, vaga-lumes tilintando numa festa, nascida deste sonho, desta inquietude dando largas à loucura que me grita ter o nada que acabar-se, e, meu sangue, latino, pulsando nas veias dizendo-me não haver regras nem limites, só a verdade de mim, homem sincero, e pergunto-me, quando posso gritar tudo isto ?

Onde posso sorrir sem parecer louco ?
Onde gritar a verdade e rir de tudo e de todos ?
Onde e quando só nós ?

Pois agora sei, o mundo somos tu e eu, e mais ninguém !