Nunca fui capaz de dizer amo-os.
Nunca fui capaz de dizer amo-as.
Amo-vos.
Tão simples, aparentemente tão simples.
Nunca fui capaz de o dizer no plural.
E devia tê-lo dito, tantas e tantas vezes, e não fui capaz.
E como se diz a homens e mulheres que ainda o não são que os amamos? Como o compreenderão eles se o dissermos?
Melhor que o calemos.
Os jornais o afirmam agora, que entre os anos de dois mil e três e dois mil e quatro já exerciam a profissão em unidades de saúde portuguesas, dois mil e oitocentos médicos e mil e quinhentos enfermeiros espanhóis. Actualmente esse número estabilizou numas escassas centenas abaixo. Nada, absolutamente nada tenho ou me move contra os espanhóis. Nada. Mas notícias destas, que ninguém contesta e ninguém abordou para além do seu valor factual, ou meramente informativo, escondem milhares de dramas, milhares de aspirações desfeitas, milhares de vidas por realizar. Hoje, perante notícias destas, tal como ontem, perante uma realidade que ainda continua, os portugueses, os mesmos portugueses com responsabilidades directas no assunto, e também os pais desses homens e mulheres que ainda o não eram ou não são, os professores, todos nós, continuamos contemporizando, e é isso que me revolta!
Quantos jovens cuja média final de curso, inferior a dezoito, por vezes dezassete virgula nove, não puderam cursar medicina devido ao estreito “númerus clausus” estabelecido nessa área?
Quantos jovens portugueses se não realizaram? Quantos se desviaram, tantas vezes sem sucesso, das suas aspirações? Quantos incapazes de sublimar aquela força íntima que teria feito deles talvez outros Egas Moniz? (quem era este? Era português e Ganhou o Prémio Nobel da Medicina no ano não sei quantos).
Quantos não seguiram outros estudos, ou se seguiram, neles falharam rotundamente por falta de vocação? Quantos hoje varrem ruas? Quantos hoje são “caixas” em supermercados? Quantos fazem turnos na AutoEuropa? Quantos portageiros na Vasco da Gama ou na 25 de Abril? Quantos emigraram?
Quantos rumaram a Badajoz e Salamanca, ou outras cidades espanholas, para cursar, com médias irrisórias, médias de gente normal, e não médias que só anormais alcançavam, (mas iguais ou superiores a dez!) o curso de medicina que aqui não lhes foi permitido?
Quantos jovens deixámos foder com a nossa permissividade?
Que futuro para um país que assim fode as aspirações dos seus jovens? Olhemo-nos, a crise é nossa, está em nós, um Serviço Nacional de Saúde que a Cuba de Fidel envergonha todos os dias, listas de espera a perder de vista, a medicina como a nova galinha dos ovos de ouro num país de miséria.
A crise somos nós.
E eu que nunca fui capaz de lhes dizer quanto os amava!
Eu que nunca fui capaz de lhes dizer amo-vos! E devia ter dito! Teria sido tão simples, contudo nunca fui capaz de o dizer, de o escrever em letras garrafais num qualquer jornal, e devia tê-lo feito.
Tantas e tantas vezes penso nisso agora, não ter sido capaz. Porque agora sei como se diz a homens e mulheres que ainda o não são que os amamos, lutando por eles!
Estando com eles! Ao lado deles! Por certo o compreenderão se o fizermos! Pior se o calarmos.
Hoje sei por que abandonei a carreira docente, porque fui incapaz de pactuar, mas calei, calei.
E esse gesto pesar-me-á na consciência a vida inteira. Nada poderei fazer que emende os resultados do meu silêncio, nem este tardio arrependimento, nem esta aparentemente vossa irredutível defesa.
Peçam responsabilidades e satisfações a quem nos ministérios, nos governos, na Ordem dos Médicos, essas entidades sinistras a quem competiria velar pelos nossos interesses, pelo nosso bem-estar, pelo nosso emprego, pelo nosso futuro.
No oeste selvagem, na velha América, naqueles países onde hoje a liberdade e os direitos dos cidadãos são coisa palpável e um bem seriamente defendido, no oeste selvagem dizia eu, por menos, por muito menos, penduravam pessoas nas árvores.
Meditem nestas minhas últimas palavras, procurem conhecer-lhes o alcance, talvez então me prodigalizem alguma razão, porque os nossos jornais e telejornais, esses, continuarão apenas informando, jamais lhes competirá de vez em quando irem questionando estes factos, isso era dantes, no tempo da outra senhora, feito com risco, feito entrelinhas, mas feito com coragem, sentido do dever, da ética profissional, com humanismo.
Tudo adjectivos de que hoje temos conhecimento pelas gramáticas, pelos dicionários e enciclopédias.
É triste.