Tudo tem um futuro.Desde o Big-Bang inicial que o cosmos não pára, expande-se, não indolentemente, como tantas vezes o comezinho correr das nossas vidas e dias, mas expande-se, nem casuística nem aleatoriamente, expande-se simplesmente, tem o destino traçado, diria mesmo um futuro que podemos prever.
Não são assim os nossos dias, nem sequer o nosso futuro, que por vezes imagino tão caótico quanto o teórico e incerto caos definido como origem de tudo. No início era o Verbo, no início era eu, esse eu que, com a mesma aparente passividade com que o infinito nos aparece, já que, expandindo-se, será finito a cada momento, me moldaram, moldei e moldam, esse eu a que se me transmutam os dias, o porvir, umas vezes tornando ilusão o que foi, outras inacreditável o presente e até mesmo o futuro.
É-me impossível adivinhá-lo, quando muito tenho dele uma ideia feita, preconcebida, projecção das rotinas pisadas e repisadas na constância de uma vida vivida que, como qualquer outro aceito, como qualquer outro idealizo, cumpro, e à qual procuro aditar a irrelevância da exaltação ou a alegria dos momentos nos quais me julgo feliz. Como é relativa a apreciação que cada ser faz desses momentos !
Não fora o sonho e eles seriam tão válidos como as falácias fiduciárias de que, em momentos de aperto, as sociedades tanta vez se socorreram ! Não fossem os sonhos e como suportaríamos o tédio dos dias, a ocorrência destas vidas simples, balizadas, mais dos outros que nossas ? Por isso os sonho, aos dias futuros, e me envolvo, sim, neles me envolvo, qual molusco em casca dura, e os torno fim e meta, objectivo e escape.
E é sempre na miríade de momentos felizes, que me sonho e julgo centelha fugidia da girândola absurda em que nos querem fazer acreditar vivermos, que me acontece crer-me e pensar-me vogando de mãos dadas à beira rio, olhando feliz e despretensiosamente os campanários das urbes, os bandos de aves cruzando os céus num V cujo vértice lhes aponta rumo e destino, que de forma inata conhecem, e, nesse item, me superam, nos superam, vulgares mortais a quem foi dado o livre arbítrio e jamais soubemos que fazer com ele.
Por isso, ao invés das certezas que ás aves invejamos, nos quedamos sonhando, incapazes de tomar uma decisão ou acreditar numa certeza tornada aspiração e, repetidamente, teimamos nos mesmos sonhos como se, desse modo, pudessem ser alteradas nas nossas mãos as linhas que desde crianças nos traçam o futuro.
Tornasse uma qualquer varinha mágica os sonhos em realidade e certamente me veria, de mãos dadas, de novo visitando os mesmos lugares em sonhos percorridos, ou outros para que a luxúria das miragens me conduzisse, feito príncipe encantado ou encantado com a beleza desses dias, como se num outro universo, paralelo, ou numa outra vida, de cujos céus roubaria as estrelas que poria nos ombros, como dragonas de luz, aliviando as dores, o sofrimento e o peso das responsabilidades assumidas e que nem o carácter nem a personalidade a que submissamente me sujeito me permitem alijar.
Então, então nem as estradas seriam negras, antes pautas musicais que um violão para mim conjugasse, nas quais caminharia com a destreza e velocidade dos caracóis que nos sonhos me acompanham, tal qual os dias sem fim, nuvens ou escolhos com que o sonhar me alicia. Seria decerto eu mesmo e um outro, sem passado nem peso, eternamente sonhando a realidade em que me sonho como se, numa Primavera sem princípio nem fim e os odores que me toldam a razão perpetuamente se soltassem de flores sempre viçosas, belas, coloridas e risonhas, o chão um espelho mágico como na história do feiticeiro de OZ.
Assim sim, desceria das nuvens e caminharia sem medo.
Mas por que tenho eu medo ?
De que tenho eu medo ?
Por que até já de sonhar tenho medo ?
Quem me diz ?