Dir-lhe-ia.
Dir-lhe-ia decerto não fosse
temer o choque inesperado que provavelmente lhe provocaria.
Caos na bonança ou tábua de
salvação na tempestade ?
Dir-lhe-ia, ou ter-lhe-ia
dito… quanta perturbação em mim causam a sua presença, as suas palavras, o seu
chamamento.
Dir-lhe-ia quanto aquele
cabelo desalinhado me seduz e atropela o pensamento, confundindo-me os
sentidos, baralhando-me, tirando-me do sério, do regrado que cultivo em mim.
Evito-a.
Evito-te pelo pavor de
sucumbir à tua atracção, ao teu chamamento ?
Aos meus sonhos… confundidos
com desejos ?
Sinto-me frágil perante ti,
sempre prestes a naufragar sob as ondas intensas da sensibilidade que emanas,
sob a sensualidade que te serve de aura, como santa a quem entregasse as
vicissitudes que me ensombram e requebram.
Dir-te-ia, mas não digo,
receoso de que a contida pacatez da minha atribulada vida se enovele, enrede,
emaranhe, e me perca em ti, sonhando-te, desejando-te, pensando-te a meu lado
no caminho pedregoso que decerto seria o que pisássemos, por muito sol que o
teu sorriso traga à minha vivência incógnita, mas à qual o calor da tua
existência arrancou ao marasmo e atirou brutalmente às alterosas vagas desta
vidinha agora em turbilhão constante, acossada regularmente pelas tuas
insinuações cada vez mais desabridas, que finjo cada vez mais não entender, não
perceber, mas percebo, e alvoroças-me a alma cada vez que…
Não sei…
Só sei que me sei porto de
abrigo, ávido de acolher-te e em ti me refugiar e ganhar forças para não
soçobrar ante a tensão que em mim se acumula e cala, e cuja culpa por ti
reparto, qual desassossego que muito temo e ainda mais desejo, até ao dia em
que, finalmente, possa dizer-te vem, toma-me, somos uma sombra só, um só
caminho, acertemos o passo, descansemos deste tumulto que me consome, sossega,
sou eu, estou aqui, abraça-me, aquieta-me, és tu ?
Sou eu, já não te temo, já não te evito, já não frágil, e contigo de novo um colosso, e tu já não mero sonho, já não somente desejo, já não simples aparição, estás aí, existes, sinto-te o pulsar, o bater compassado e ritmado do coração acompanhando o meu, enquanto renasço e em mim sinto a vida surgir novamente em torrente impossível de deter, que não quero deter, e repito-me, sinto a vida aflorar em torrente, em golfadas, num êxtase e delírio incontidos, um sorriso nos lábios, um torpor no corpo macerado, renascido, Fénix, Ícaro, Apolo, Deus…
Sou eu, já não te temo, já não te evito, já não frágil, e contigo de novo um colosso, e tu já não mero sonho, já não somente desejo, já não simples aparição, estás aí, existes, sinto-te o pulsar, o bater compassado e ritmado do coração acompanhando o meu, enquanto renasço e em mim sinto a vida surgir novamente em torrente impossível de deter, que não quero deter, e repito-me, sinto a vida aflorar em torrente, em golfadas, num êxtase e delírio incontidos, um sorriso nos lábios, um torpor no corpo macerado, renascido, Fénix, Ícaro, Apolo, Deus…
Assim me sinto quando me
falas, me sorris, ter-te-ia decerto dito tudo isto se não temesse a reacção em
mim, a dor em mim, o sofrimento em mim, a frustração em mim…
Ter-te-ia dito…
Mas não disse, jamais direi,
preferi esconder o que mudaria o rumo ao mundo, lhe deslocaria o eixo.
A terra move-se, a vida flui,
os sonhos vivem-se no lugar próprio, e eu, qual formiga no carreiro, recuso-me
a dar o pontapé que enlouqueça o formigueiro…