É tarde e não durmo.
Volto-me e revolto-me na cama e não durmo. Acordo de novo. Impossível. Tantas
são as preocupações que não prego olho. O dinheiro não chega
para tudo. Estica-se mas não chega. A manta é curta. Tapo os ombros destapo os
pés e vice – versa. É uma situação
horripilante. E nesta casa continua a gastar-se sem nada me perguntarem, como
se não fosse eu a ter que pagar tudo e a trazer o muito que para nada chega.
Acumulo dívidas.
O sorriso em esgar mas
acumulo dívidas atrás de dívidas sem que ninguém cuide de ver se eu um AVC, se
o coração um enfarte, sempre o mesmo esbanjar, o desbarato, o descrédito.
Nas veias o sangue ferve
(-me?)
Um último esforço.
Pedem-me um último
esforço.
Hão-de acabar comigo.
Acabaram.
Os credores em casa e os
meus sorriem como se nada fosse. Eram previsíveis mais
dia, menos dia os credores nesta casa. E sorriem todos, um
sorriso amarelo mas sorriem, fazem crer aos vizinhos que nada e continuam
sorrindo, que não. Qualquer dia falamos todos alemão aqui em casa...
Mero engano decerto. Uma
simples confusão.
Amanhã tudo nos carris.
E amanhã tudo de novo na
mesma, como a lesma.
A manta é curta.
A alemã entra por aqui e eu pago.
Gritei parem no momento
certo, e nada.
E não pararão nunca.
Como nunca pararam para pensar se lhes chegava ou como lhes chegava.
Ou quem pagaria.
A manta é curta.
E queimaram alegremente
em futilidades a minha pensão.
A de hoje e desconfio
que até as de um dia que já não…
Mas ainda estou…
E rio-me.
Só posso rir-me desta
corrida alegre para o precipício.
O meu dinheiro ! Mas por que não hei-de
ser eu a dizer como gastar ou não o meu dinheiro ?!!
E são estádios e
hospitais, e a manta curta, e os pés ou
os ombros e escolhem os estádios, e o futuro ou comboios e querem comboios, e o
amanhã ou aeroportos e votam nos aeroportos e a saúde ou hospitais e médicos e
despesa e desperdício e apostam no desperdício… Há hospitais para todos
e para tudo menos para os doentes. E a manta curta.
Ela são hospitais para a
Marinha, para o Exército, para os das avionetas, para a Cruz Vermelha, para o
Garcia da Horta, para o Champalimaud, para o SAMS, para os bancários, para os
dos seguros, os da guarda, os da policia, para os da EDP e da PT, para
todos menos para mim e para este coração que embolia... para todos os fdp
menos para nós. E o médico que não me dá
vaga na fila de espera é o mesmo que na Marinha de manhã… á tarde na
Misericórdia… a desoras no privado… á noite na urgência… e só para mim,
embolado, o dia tem vinte e quatro horas e ninguém que me acuda, e ninguém na
urgência, e nenhuma urgência em me pegar ou me pagar, em me ocupar…
A mim só me vêem para
pagar.
Só me vêem para pagar e
eu pago, eu pago, eu paguei e irei pagar a vida inteira. E eles nada, nem um
obrigado, nem um incómodo, nem uma consulta, nem uma rotunda, um pavilhão, uma
piscina. E queixo-me. E ouço que
agora é que é. E queixo-me e de novo a
cantilena de há mais de trinta anos, vá lá só mais um, vá lá um último
esforço.
E eu acabado, e eu
amargurado, e eu embolado, e eu para aqui mijado e eles sorrindo, sempre
sorrindo, e gordos, cada vez mais gordos, e saem uns para entrar outros e
sorriem. E eu caído e eles
atropelam-se e sorriem, e gordos, entrando e saindo cada vez mais gordos. Eu caído e desfalecido e
eles só mais um esforço… e desta é que é, apostámos vivamente na contracção e
no endividamento por isso desta é que é. Apostámos como nunca se
viu nos últimos cinquenta anos na austeridade e na redução, nunca cortámos
assim por isso desta é que é…
… e desta é que é, um
ultimo esforço vá lá paizinho, temos que ter a força de vontade que sempre tivemos,
a ambição que sempre tivemos, e sempre mais gordos, mais vorazes, menos
capazes, e desta é que é, e já nem os ouço, e já nem a dor, e já nem me mexo, e
nada, agora é que é e nada, nunca foi, nunca será, e só quero dizer uma coisa…
eu só queria pedir-vos que parassem para pensar um pouco antes de o gastarem e
onde, e como, e me perguntassem a mim se sim, se não, e agora já nem vale a
pena.
Agora já nem os ouço nem
os posso ver. E vejo-os sorrir,
saltar, mudar, engordar, mas a ninguém já ouço, nem aos gordos, nem sequer aos
magros… E eu nada, eu só queria
e agora já nem isso, agora já nem vale a pena. Agora já não ouço, agora
já não vejo, agora…
Ó Portugal meu Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato...
Ó Portugal meu Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato...
* http://www.poetryinternationalweb.net/pi/site/poem/item/4720/auto/0/PORTUGAL