terça-feira, 16 de agosto de 2011

82 - " EGO ACCUSO " * ...........................



É tarde e não durmo. Volto-me e revolto-me na cama e não durmo. Acordo de novo. Impossível. Tantas são as preocupações que não prego olho. O dinheiro não chega para tudo. Estica-se mas não chega. A manta é curta. Tapo os ombros destapo os pés e vice – versa. É uma situação horripilante. E nesta casa continua a gastar-se sem nada me perguntarem, como se não fosse eu a ter que pagar tudo e a trazer o muito que para nada chega.

Acumulo dívidas.

O sorriso em esgar mas acumulo dívidas atrás de dívidas sem que ninguém cuide de ver se eu um AVC, se o coração um enfarte, sempre o mesmo esbanjar, o desbarato, o descrédito.

Nas veias o sangue ferve (-me?)
Um último esforço.
Pedem-me um último esforço.
Hão-de acabar comigo. Acabaram.

Os credores em casa e os meus sorriem como se nada fosse. Eram previsíveis mais dia, menos dia os credores nesta casa. E sorriem todos, um sorriso amarelo mas sorriem, fazem crer aos vizinhos que nada e continuam sorrindo, que não. Qualquer dia falamos todos alemão aqui em casa...

Mero engano decerto. Uma simples confusão.
Amanhã tudo nos carris.
E amanhã tudo de novo na mesma, como a lesma.
A manta é curta.

A alemã entra por aqui e eu pago.
Gritei parem no momento certo, e nada.
E não pararão nunca. Como nunca pararam para pensar se lhes chegava ou como lhes chegava.
Ou quem pagaria.
A manta é curta.

E queimaram alegremente em futilidades a minha pensão. 
A de hoje e desconfio que até as de um dia que já não…
Mas ainda estou…
 E rio-me. 

Só posso rir-me desta corrida alegre para o precipício.
O meu dinheiro ! Mas por que não hei-de ser eu a dizer como gastar ou não o meu dinheiro ?!!

E são estádios e hospitais, e a  manta curta, e os pés ou os ombros e escolhem os estádios, e o futuro ou comboios e querem comboios, e o amanhã ou aeroportos e votam nos aeroportos e a saúde ou hospitais e médicos e despesa e desperdício e apostam no desperdício… Há hospitais para todos e para tudo menos para os doentes. E a manta curta.

Ela são hospitais para a Marinha, para o Exército, para os das avionetas, para a Cruz Vermelha, para o Garcia da Horta, para o Champalimaud, para o SAMS, para os bancários, para os dos seguros, os da guarda, os da policia,  para os da EDP e da PT, para todos menos para mim e para este coração que embolia...  para todos os fdp menos para nós. E o médico que não me dá vaga na fila de espera é o mesmo que na Marinha de manhã… á tarde na Misericórdia… a desoras no privado… á noite na urgência… e só para mim, embolado, o dia tem vinte e quatro horas e ninguém que me acuda, e ninguém na urgência, e nenhuma urgência em me pegar ou me pagar, em me ocupar…

A mim só me vêem para pagar.

Só me vêem para pagar e eu pago, eu pago, eu paguei e irei pagar a vida inteira. E eles nada, nem um obrigado, nem um incómodo, nem uma consulta, nem uma rotunda, um pavilhão, uma piscina. E queixo-me. E ouço que agora é que é. E queixo-me e de novo a cantilena de há mais de trinta anos, vá lá só  mais um, vá lá um último esforço.

E eu acabado, e eu amargurado, e eu embolado, e eu para aqui mijado e eles sorrindo, sempre sorrindo, e gordos, cada vez mais gordos, e saem uns para entrar outros e sorriem. E eu caído e eles atropelam-se e sorriem, e gordos, entrando e saindo cada vez mais gordos. Eu caído e desfalecido e eles só mais um esforço… e desta é que é, apostámos vivamente na contracção e no endividamento por isso desta é que é. Apostámos como nunca se viu nos últimos cinquenta anos na austeridade e na redução, nunca cortámos assim por isso desta é que é…

… e desta é que é, um ultimo esforço vá lá paizinho, temos que ter a força de vontade que sempre tivemos, a ambição que sempre tivemos, e sempre mais gordos, mais vorazes, menos capazes, e desta é que é, e já nem os ouço, e já nem a dor, e já nem me mexo, e nada, agora é que é e nada, nunca foi, nunca será, e só quero dizer uma coisa… eu só queria pedir-vos que parassem para pensar um pouco antes de o gastarem e onde, e como, e me perguntassem a mim se sim, se não, e agora já nem vale a pena.

Agora já nem os ouço nem os posso ver. E vejo-os sorrir, saltar, mudar, engordar, mas a ninguém já ouço, nem aos gordos, nem sequer aos magros… E eu nada, eu só queria e agora já nem isso, agora já nem vale a pena. Agora já não ouço, agora já não vejo, agora… 

Ó Portugal meu Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato...


* http://www.poetryinternationalweb.net/pi/site/poem/item/4720/auto/0/PORTUGAL