Destinado a
uma apreciação pessoal, elaborei em tempos um estudo sincrónico e transversal
das canções e respectivas letras do CD Rádio Bemba, ( La Radiolina no original)
do agrupamento musical de Manu Chao, artista que até aí conduzira o grupo Manu
Negra e do qual se separa para uma aventura a solo.
O referido
CD, lançado em 2008, expressa a realidade de um concerto ao vivo a que tive a
casual oportunidade e felicidade de assistir na cidade de Paris, na já distante
noite de uma quarta-feira, 29 de Agosto de 2007, numa sala por lá chamada de “
La Boule Noire “, A Bola Negra, por ocasião da comemoração dos vinte anos da
estação de radiofónica “ OUI FM “, o grupo, claro, já devem ter reparado, é um
dos meus favoritos.
1 - É visível
em toda a extensão da obra uma defesa dos fracos e oprimidos, em especial
daqueles que, partindo de um país em que as condições de vida são
insuportáveis, buscam em outro, as possibilidades de realização que lhes são
negadas na própria pátria de origem.
2 –
Encontra-se detalhadamente identificado nestas canções o drama da emigração, em
especial a magrebina, em direcção à Europa, mormente a Espanha e à grande
capital que é Barcelona e a mexicana cujo fluxo é quase exclusivamente
direccionado para as cidades dos EUA.
3 – A
condição do migrante, o drama da migração e as condições de acolhimento que os
aguardam estão nítida e inteligentemente retratadas na maioria das canções, bem
como a violência para com eles observada.
4 – Essas
condições estão expressas em relação igualmente aos Peruanos, Bolivianos,
Nicaraguenses, Argelinos, Marroquinos, Guatmaltecos e Albanezes, não
significando que todos os outros sejam excluídos por não estarem citados.
5 – As
canções fazem da fronteira simultaneamente um lugar mítico a atingir mas também
o lugar de pavor que efectivamente são e onde muitos encontram a morte. Caso da
canção “ Clandestino “.
6 – Entre o
México e os EUA a estrada pan-americana parece ter somente um sentido, vindo os
“gringos”, todos considerados “coiotes”, mostrar em Tijuana, cidade mexicana
fronteiriça, toda a depravação da sua sociedade e a busca de excessos e de uma
liberdade que a sua sociedade de origem lhes não prodigaliza, que combatem e
contestam, proíbem mesmo.
7 – Outra
conclusão a que as canções nos levam é a de que existe um mar de diferença
entre as sociedades ocidentais desenvolvidas e as de origem dos emigrantes
quanto a níveis e qualidade de vida, sendo que nos países ricos a vida é
entendida cheia de “facilidades”
8 – A
denúncia das forças da ordem, ou de segurança, sempre do lado dos mais fortes,
é elaborada através do relato das chacinas por elas praticadas um pouco por
todo o mundo e do uso de armas, nitidamente ouvidas um pouco por todo o CD,
quer sejam usadas pela esquerda ou pela direita.
9 – É feita a
apologia do EZLN Exército Zapatista de Libertação Nacional, como exército de
libertação, contrariado pelas democracias musculadas, capitalistas e
subservientes a interesses poderosos que têm agrilhoado a América latina e o
mundo. Idem na apologia feita á “ Rádio Bemba “, não por acaso o sonoro e
inesquecível nome do álbum.
10 – Aos
povos de onde os migrantes são oriundos é deixada como única possibilidade de
sobrevivência o cultivo de plantas psico-trópicas que todavia são
posteriormente consideradas ilegais. Manu Chao não defende as drogas mas o
absurdo e contradição da situação.
11 – A
inteligência das letras, o seu entrosamento entre e dentro de cada canção,
demonstram uma forma elaborada de raciocínio e exposição, suficientes para
guindar este CD a uma obra de culto e de cultura, cujas peculiaridades deveriam
ser alvo de estudo sociológico mais aprofundado, dada a natureza da sua
riqueza, quer musical, quer instrumental e profissional.
12 –
Comparativamente a outros trabalhos anteriores deste cantor, (era a alma dos
Mano Negra), é de destacar uma grande evolução e maior riqueza instrumental,
interpretativa bem como a nova “indumentária” com que velhos temas são tratados. Este
álbum foi alvo de cuidado arranjo, quer a nível musical quer das letras das
canções, o que faz de cada canção um hino de exaltação, cativante da nossa
empatia, empatia que aliás o cantor e grupo conseguiram perfeitamente
conquistar, não somente naquela mas em todas as em actuações, e mesmo
unicamente através das audições gravadas a que vamos temos acesso.
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