segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

111 - ELE INVENTAVA O FUTURO !!! ......................


Seria uma radiosa manhã como qualquer destas com que os últimos dias nos presentearam, pois foi numa ilusão de calor e num torvelinho de luminosidade que o vi, brilhando entre as verdes ervas orvalhadas dessa véspera de Verão.

Era a última matina de aulas antes das férias e, como habitualmente, eu e o Grilo percorríamos essa hora de caminho do bairro até à escola, como Tarzan percorreria um novo troço da selva ou Emílio Salgari uma novel aventura.

Onde cresceram prédios subíamos nós gatinhando, a íngreme ribanceira para, torneando a padaria plantada no meio de nenhures, aspirarmos profundamente o cheiro a pão acabadinho de fazer nesse alvorecer e vivermos mais uma aventura do far west, esgrimindo espadas de cavalaria ou revólveres de pioneiros em defesa da ponte ferroviária, último baluarte existente na pradaria e antes de nos embrenharmos na selva de betão da gente fina da cidade.

Foi nesse derradeiro pedaço do trajecto, na vereda de atalho para quem demandasse a padaria, que o vi entre as ervas brilhando ante os raios de sol ainda frescos mas já luxuriantes, refulgindo ante os meus olhos muito mais que o teria feito o tesouro do Barba Negra, tantas vezes por nós procurado naquele Caribe que, pelas 8:30, a realidade nos sonegava.

Sem temer as chispas que o sol nele libertava logo o limpei às calças remirei e guardei numa olhadela e manobra rápidas, antes que o Grilo reclamasse metade do achado e meti-o ao bolso onde decerto o seu lindo cabo vermelho continuou cintilando.

Mantive aquele maravilhoso canivete durante anos, numa caixa de papelão por mim forrada a papel veludo e destinada aos meus tesouros, cuja maioria ainda guardo, apesar da sua manifesta inutilidade. O canivete foi mesmo dos poucos tesouros de que me desfiz, pois não resisti a oferecê-lo ao meu filho, quando fez meia dúzia de anos e o homem que eu fora despontava nele.

Mas ficou-me na consciência o peso dessa ocultação ao Grilo, pois ele nem era merecedor de tamanha desconfiança. Foi e ainda é a meus olhos, a pessoa mais séria que terei conhecido, mais sério mesmo que o Texas Kid, o Flash Gordon, o Tarzan, o Simbad, o Emílio Salgari, o Barba Negra, o Zorro ou o Tonto ou todos eles juntos vos garanto.

O Manuel Grilo era o Geppetto das estórias inventadas e das aventuras vividas. Ele inventava o futuro ! E eu boquiaberto, de orelhas assestadas, deslumbrava perante as visões que me descrevia e se propunha cumprir quando fosse crescido e de como eram viáveis e funcionariam !

Então ajudava-o a planear helicópteros de um lugar só ou gigantes dos ares, submersíveis para desbravarmos os charcos do Xarrama ou unidades maiores e bem capazes de defender a nossa costa dos mouros que, segundo o professor Pulga, sempre tinham tentado dominar-nos. E embevecido, era ouvi-lo inventando e descrevendo parafusos sem rosca e cardans funcionando com princípios que só hoje a física dos super-condutores e as baixíssimas temperaturas permitem ! Grilo era o capitão Nemo do Júlio Verne daqueles dias e bastas vezes me maravilhou com visões que somente muitos anos mais tarde, já homem feito, vim a observar noticiadas como acabadas de inventar ! 

Zingarelhos e aparelhos, invenções de cientista louco e aventuras de capa e espada eram o pão de cada dia nessas horas do percurso de e para a escola, recheado de ribanceiras, silvados, flores, valetas profundas de grosso caudal que submergiriam um qualquer ao mínimo descuido ! Nem Geppetto, nem Willy Fog e a sua volta ao mundo em oitenta dias, alguma vez superaram as aventuras vividas por mim e pelo Grilo nessas idas e vindas dos tempos em que havia Primaveras e Verões, Outonos e Invernos como deviam ser e não esta mariquice mesclada que agora nos dão, como esta politica que aceitamos pior que tomaríamos o óleo de fígado de bacalhau dado às colheradas na cantina escolar. 

A cada passo e a cada esquina reinventávamos o Flash Gordon, o Super-homem e a vida, o futuro e as soluções, a amizade, o amor e os sonhos, o mundo ! Lembro-me que tão amigos éramos que até a Lurdes dividíamos e namorávamos a meias e, para lhe chegarmos, transpúnhamos à vez o alto muro que separava os quintais onde vivíamos aventuras e aprendizagens que nem a Júlio Verne haviam lembrado ocasião alguma…

O Grilo seguiu a técnica que os seus sonhos tinham há muito delineado e é hoje um quadro altamente especializado, a vida separou-nos, mas continuamos amigos, eu entre os doutores e engenheiros deste país adiado e esperando que Platão e Sócrates (o filósofo) comecem de novo a fazer as perguntas que ficaram sem respostas e esquecidas nas gavetas dos supra-numerários…

A mim encontram-me por aqui, ao Manuel Grilo entre os meus amigos de sempre, sempre de óculos, tal qual o Geppetto de que vos falei… um bom amigo !

Abraço apertado e saudoso Manuel Grilo ! ! ! ! *