quinta-feira, 25 de abril de 2013

141 - OKAY, TUDO BEM, NADA A DIZER... Okay Alright , the night will be aurea, nothing left to say ...


                    Varias vezes o pai ameaçara inscrevê-la na fábrica. Pediria ao sobrinho que desse um jeitinho afim da catraia entrar a trabukar caso continuasse sem rendimento em contraponto ao esforço da família para a manter a estudar.

Lola sempre fizera ouvidos de mercador e mantivera afastado o grilo falante. O part-time na associação académica dava-lhe para o tabaco e os cafés, permitia-lhe salvo-conduto a todas as festas da faculdade e, um emprego, a vida adulta, a maternidade tinham tempo de chegar. Que esperassem.

Desde que nos poucos fds em que ia a casa não chegasse a cheirar a tabaco e a bagaço tudo correria pelo melhor. Quanto à voz grossa já se havia habituado a dar a desculpa da mudança de idade. No entanto ela sabia que aquela dor na garganta cedo ou tarde exigiria um médico. Até lá, keep calm, putas e vinho tinto como diz a malta.

Do curso de artes que frequentava na vetusta universidade de Évora na carismática cidade museu, Lola teimava sobretudo na vida boémia que as biografias dos famosos em geral acusam.

O verão e as férias no Allgarve prolongavam-se na cidade quente até ao verão seguinte. As aulas não lhe davam cuidados de maior, desde que fosse arrastando o cu pelas cadeiras e aparecendo aos profs de quando em vez a coisa iria. Um piscar de olhos e uma palavrinha atirada mansamente a algum mais renitente mete-lo-ia no carreiro, e se alguma noite o encontrasse num dos muitos bares onde tinha raízes na cidade, aproveitaria para um shot e dois dedos de conversa de treta que o prantassem de joelhos ante a sua beleza nórdica e a sua nada módica irreverência.

Pielas e bagaços dissipados nas vielas do burgo em cantorias de irmandade, umas canções trauteadas nos palcos de um ou outro bar para compor a mesada foram o tirocínio que o processo de Bolonha não exige mas Lola assimilou no respaldo dos anos de faculdade, cuja exigência porém não teve artes para aguentar até ao fim. A vocação falava mais alto e desde criança as artes a desafiavam, as artes e o pai, que ainda menina a acompanhava à viola.

             Não que a faculdade se lhe impusesse, ou ao mundo, pela sapiência dos seus pares, o que maior peso lhe conferia nos concerto das faculdades do país seria a traça e antiguidade da arquitectónica dos seus seculares edifícios, numa cidade património mundial e reconhecidamente detentora de um espólio e tradição que só Coimbra superaria. 

        A desgraça toca contudo e por vezes até à porta da criatura mais afortunada, a Lola acontecera-lhe ter retirado a título de empréstimo mas sem licença um saxofone caríssimo que a faculdade nunca lhe cederia mas que ela sub-repticiamente surripiava amiúde e sempre que com os seus gandulos conseguia um contrato para cantar, e tocar, num qualquer dos muitos e manhosos bares nocturnos da cidade.

Évora terá, por alto e em época de aulas e graças esta população flutuante, essencialmente estudantes, um pouco mais que cinquenta mil habitantes. Porém, mau grado a frenética vida nocturna, que a eles é dedicada e por eles economicamente animada e suportada, é uma cidade apagada, cara, sem vida para além destes focos juvenis, uma cidade sem industrias que não pontuais, com um comércio debilitado, moribundo, e que sobrevive sobretudo dos serviços.

A faculdade é o sustentáculo maior de uma economia paralela, subterrânea ou informal bem estruturada medindo meças a qualquer outro sector ou mister na cidade. Quartos, quartinhos, corredores, vãos de escada, garagens e logradouros, tudo serve para alugar a estudantes, sem recibo claro, que o Gaspar é um sovina.

Arrendamentos clandestinos e uma rede de bares, casas de pasto, tascas e tasquinhas imbricadas, entretecidas nas vielas estreitas, medievas, e a sua exploração a qualquer preço são o único contributo visível da faculdade para o enriquecimento da urbe, tudo o mais não passará jamais de boas intenções e loas académicas.

Neste caldo de cultura onde a “carrinha do Gregório” (serviço eborense suportado pela CEE, a pedido recolhe os estudantes ébrios que leva ao hospital ou a casa evitando que conduzam alcoolizados) parece ser a única actividade que nunca tem mãos a medir, neste caldo de cultura dizia eu, se desenvolveu a arte de Lola. 

            Acossada pela necessidade de repor o saxofone extraviado, vendeu por tuta-e-meia uma cassete com gravação sua, bêbeda, num bar da cidade, e a um adepto e fã fervoroso, desconfia-se que tb apaixonado. Como que por artes mágicas a cassete percorreu caminho que nem garrafa bem rolhada largada em alto mar. Acabou numa editora, foi ouvida, mereceu prémios.

Hoje não é já a faculdade a suportar estruturalmente Lola, é esta que renome dá à primeira. Não tardará que académicos à míngua de motivos que lhes justifiquem a existência e os salários que lhes pagamos, e na falta de melhor, a apontem como exemplo vivo do que de excelente a universidade produz. Esta mania da excelência  e o nosso proverbial porreiro pá irão acabar connosco mais cedo que tarde…

Dentro de poucos dias sábios dedicar-lhe-ão uma cátedra na escola das artes, em seu nome proferirão works e workshops, palestras, congressos, laudas.


Ou não fosse Évora uma cidade de Portugal….


Sou teu fã loirinha !! Não pares !!! J
                
 
https://www.youtube.com/watch?v=vLo4tFiTHkk