Há
amizades que há anos partilho com gosto, algumas das quais com quem passo mesmo
fins-de-semana ou noitadas. Muitas delas nem darão por irem comigo para a cama,
a última foi o meu amigo Filipe Luís.
Mas
nem só com ele tenho desfrutado os meus pensamentos, Nicolau Santos, Victor
Ramalho, Fernando Madrinha, Pedro Norton, Daniel Amaral, Daniel Oliveira, J. P.
Coutinho, Jorge Fiel, António Barreto, Vasco Pulido Valente, Boaventura Sousa
Santos, José Gil, Adriano Moreira, Mário Soares, Freitas do Amaral, Helena
Roseta, Clara Pinto Correia e outras e outros tantos, (o Barroso abdicou, não o
nosso mas o cunhado do Marofas) que à vez ou ao molho fazem parte de
verdadeiras orgias mentais a que por vezes me dedico.
Claro
que nem sabem que com eles durmo, mas que se saiba ao menos que não me tiram o
sono, se não durmo é porque não quero, nunca porque me não deixem, pois é
nessas horas de sossego para o corpo que entra em ebulição a mente, resolvendo
os problemas que o simples facto de vivermos nos coloca.
Normalmente,
porque a vida já me deu o que tinha a dar, e porque o filho está criado, não
havendo ainda netos, são preocupações de índole social que me acodem não tendo
a ver unicamente com a minha costela de autarca mas com todo o esqueleto da
cidadã que sou, esqueleto ao qual, a julgar pelo caminho pisado, dentro em
breve me verei reduzida.
Pois
o meu amigo Filipe Luís teve o descaramento de afirmar, preto no branco, que o
défice não é um problema do governo mas um problema nosso. Acredito que o
défice seja de carne e osso como ele diz, mais de osso que de carne enfim, mas
de carne e osso, tá bem, agora que seja um problema nosso, aí pára o baile.
Nosso
na medida em que seremos nós a sofrê-lo, a pagá-lo, o que até nem deverá custar
muito pois, que me lembre, há pelo menos trinta anos que ouço a mesma música,
que pago défices, que pago o desgoverno dos outros.
Que ao menos fique bem
claro, o défice é um problema nosso que os nossos queridos capatazes nos têm
gentilmente vindo a atirar para o regaço ao longo de todos estes anos, que
deveriam ter sido de esperança mas que afinal têm, isso sim, sido um encargo
cada vez mais pesado. A nós não nos restará outra coisa que fazer o mesmo que
sempre fizemos, pagar.
Mas
o meu amigo Filipe Luís que me deixe chamar-lhes maus gestores, aldrabões,
incompetentes, desonestos, fingidos, oportunistas, fascistas, floristas, istas
istos e istas aquilo, pois coisa que nunca estiveram interessados em fazer,
coisa tão simples como administrar o próprio quintal, já eu sei há muito tempo,
nunca foram capazes.
Parece,
e todos os analistas são unânimes, que desta é que se fez ou fará o que havia a
fazer, porque a coisa nos vai pesar nos ombros durante muito tempo, como se tal
não tivesse pesado sempre, ou sido feito sempre.
Cinicamente
ainda há quem tema que este povo caia no desânimo ou na depressão, como se (eu
incluída) não vivêssemos num psicodrama de longa duração e numa recessão mais
velha ainda. Que o estado gasta, há muito, mais que o que devia, todas sabemos,
que sempre gastou o que era nosso e não devia, sempre o soubemos, que vai
gastar o pouco ou muito que tivermos, não o sabíamos, ficámos a sabê-lo agora.
Mas
como confio no governo e em quem nos governa, passada a tempestade virá a
bonança, pelo que ficarei à espera das medidas que finalmente permitam aos
portugueses trabalhar, fazer coisas, singrar, medrar, inovar, evoluir,
desenvolverem-se, enriquecerem, cultivarem-se, modernizarem-se, coisas que
matem esta burocracia asfixiante, esta administração pública inoperante, já que
as medidas por enquanto tomadas, atendendo ao cenário vivido, só poderão fazer
com que parem por completo, de vez.
*
publicado por Maria Luísa Figueiredo Nunes Palma Baião em 30-5-2005, In Diário do Sul, Kota De Mulher,
Évora.