Debaixo do sol matinal de que o toldo me
resguarda passam, mirando-me com cupidez, amigos, desamigos e desconhecidos
conhecidos.
A cerveja, viva, liberta bolhinhas no
copo, a torrada exala um odor a forno de lenha, a manteiga derretida e eu,
apesar dos dedos enxutos, inconscientemente lambo-os.
Vejo, ao longe, aproximar-se a vidente do
segundo em frente. Andar majestático, hierático, para a idade
está boa a velha.
Todos parecem olhar com inveja os copos
que bebo, ignoram os tombos que dei, dou e certamente darei. Foram eles quem
aqui me trouxe. Foi com eles que cresci, foi com eles que aprendi. O ar narcísico que vêem em mim
não é nada disso. Sou terrível e uma besta quando quero, mas também, e na
generalidade, uma pessoa de bem, em paz comigo mesmo, tolhendo a pacatez serena
deste dia solarengo de fim da primavera, uma sexta feira radiosa e de sol, de
promessas, antecâmara do sempre tão desejado fim de semana.
A Esplanada enche-se, ao fundo o mar, as
velas de uma fragata, pescadores, gaivotas.
Ali está o Dr. Afonso, que foi meu
professor e depois meu colega, acusa falta de ar há que anos e a garrafa que
traz pendurada da cintura nunca mais se esgota.
É esta inefável mas taciturna solicitude
que placidamente reflectida pelo meu rosto torna apetecível o estado de alma
que transmito. Custei a chegar aqui. O domínio da mente e do corpo é cousa
morosa de lograr, exige batalhas, quedas e derrotas, sendo de queda em queda e
de derrota em derrota que se chega à vitória final.
Vejo cada vez mais ciganos Nunca se viram
tantos ciganos. Nem tantos pedintes, nem tanta miséria. É a crise. Três ciganitos ranhosos e famintos entram à pida.
Pago-lhes gelados, atrapalhados não sabem como abri-los. Nunca devem ter comido
nenhum.
Um ego pleno, assim me definiria. Uma
auto estima burilada, torneada a golpes de cinzel neste corpo sofrido, acabada,
sólida, construída passo a passo, em segurança, por mim forjada em anos e anos
de aprendizagem por tentativas e erros, erros também sim !
Aquela matrona parece muto mais velha que
o marido, sem meias, já nem tem pernas para tal.
Tenho para mim não passar de um ignorante
sábio, ou um sábio ignorante. Conhece-te a ti mesmo manda o preceito, e
conheço-me. Ninguém conhece melhor que eu as minhas qualidades e defeitos. As
primeiras, que deixo fluir em mim para que vocês vejam, as segundas que escondo
e combato quando calha mas escondo sempre.
O vendedor de automóveis agora vende
pastilhas elásticas e repara as máquinas de meter moedinha em que sai sempre um
prémio. É a crise. O calor pegou as pastilhas umas nas outras.
Espartano, comedido, sensato e sabidinho
são facetas minhas que vos mostro, ou não, conforme a musica que me dão, por
vezes desatino, e desatino vulgarmente, às vezes acerto o passo.
Sou asceta sem ser estilita, não me
desvio um passo do meu rumo, a voragem dos dias, o quotidiano, não me
submergem, nem me aceleram o passo. Olho o mundo, sou espectador, mais que
actor.
Apareceu o Carlinhos V.V. Que terá feito
ao cabelo ? O vento tudo leva não é Carlos ? Abraço.
Daí advém esta pacata placidez que em mim
observais.
Por isso te sentes segura de mim, em mim,
e das minhas certezas, quantas vezes tiradas a pulso de um mar de dúvidas,
arrancadas, resgatadas, salvadas, salvas. (escolhe a forma mais correcta).
O Peres não me viu. Entrou com a mulher e
nem me viu. Quando com ela fica “inteiriçado”, sempre que vem com ela fica como
se um zombie, é feia ela, nunca foi bonita.
O sol ergue-se, daqui a pouco a prumo,
como o girassol rodo na sombra do toldo, a cerveja morre no copo em minutos por
isso uma atrás da outra, a sede, o calor, o fastio, bebo-a de um trago, dou um
estalo com a língua no céu da boca, um dedo no ar e o rapaz sabe que deve
trazer outra.
Dessedento-me sentado, espectador.
Puro ócio
Invejem-me