domingo, 14 de julho de 2013

151 - PURO ÓCIO ..................................



Debaixo do sol matinal de que o toldo me resguarda passam, mirando-me com cupidez, amigos, desamigos e desconhecidos conhecidos.

A cerveja, viva, liberta bolhinhas no copo, a torrada exala um odor a forno de lenha, a manteiga derretida e eu, apesar dos dedos enxutos, inconscientemente lambo-os.

Vejo, ao longe, aproximar-se a vidente do segundo em frente. Andar majestático, hierático, para a idade está boa a velha.

Todos parecem olhar com inveja os copos que bebo, ignoram os tombos que dei, dou e certamente darei. Foram eles quem aqui me trouxe. Foi com eles que cresci, foi com eles que aprendi. O ar narcísico que vêem em mim não é nada disso. Sou terrível e uma besta quando quero, mas também, e na generalidade, uma pessoa de bem, em paz comigo mesmo, tolhendo a pacatez serena deste dia solarengo de fim da primavera, uma sexta feira radiosa e de sol, de promessas, antecâmara do sempre tão desejado fim de semana.

A Esplanada enche-se, ao fundo o mar, as velas de uma fragata, pescadores, gaivotas.

Ali está o Dr. Afonso, que foi meu professor e depois meu colega, acusa falta de ar há que anos e a garrafa que traz pendurada da cintura nunca mais se esgota.

É esta inefável mas taciturna solicitude que placidamente reflectida pelo meu rosto torna apetecível o estado de alma que transmito. Custei a chegar aqui. O domínio da mente e do corpo é cousa morosa de lograr, exige batalhas, quedas e derrotas, sendo de queda em queda e de derrota em derrota que se chega à vitória final.

Vejo cada vez mais ciganos Nunca se viram tantos ciganos. Nem tantos pedintes, nem tanta miséria. É a crise. Três ciganitos ranhosos e famintos entram à pida. Pago-lhes gelados, atrapalhados não sabem como abri-los. Nunca devem ter comido nenhum.

Um ego pleno, assim me definiria. Uma auto estima burilada, torneada a golpes de cinzel neste corpo sofrido, acabada, sólida, construída passo a passo, em segurança, por mim forjada em anos e anos de aprendizagem por tentativas e erros, erros também sim !

Aquela matrona parece muto mais velha que o marido, sem meias, já nem tem pernas para tal.

Tenho para mim não passar de um ignorante sábio, ou um sábio ignorante. Conhece-te a ti mesmo manda o preceito, e conheço-me. Ninguém conhece melhor que eu as minhas qualidades e defeitos. As primeiras, que deixo fluir em mim para que vocês vejam, as segundas que escondo e combato quando calha mas escondo sempre.

O vendedor de automóveis agora vende pastilhas elásticas e repara as máquinas de meter moedinha em que sai sempre um prémio. É a crise. O calor pegou as pastilhas umas nas outras. 

Espartano, comedido, sensato e sabidinho são facetas minhas que vos mostro, ou não, conforme a musica que me dão, por vezes desatino, e desatino vulgarmente, às vezes acerto o passo.

Sou asceta sem ser estilita, não me desvio um passo do meu rumo, a voragem dos dias, o quotidiano, não me submergem, nem me aceleram o passo. Olho o mundo, sou espectador, mais que actor.

Apareceu o Carlinhos V.V. Que terá feito ao cabelo ? O vento tudo leva não é Carlos ? Abraço.

Daí advém esta pacata placidez que em mim observais.

Por isso te sentes segura de mim, em mim, e das minhas certezas, quantas vezes tiradas a pulso de um mar de dúvidas, arrancadas, resgatadas, salvadas, salvas.  (escolhe a forma mais correcta).

O Peres não me viu. Entrou com a mulher e nem me viu. Quando com ela fica “inteiriçado”, sempre que vem com ela fica como se um zombie, é feia ela, nunca foi bonita.

O sol ergue-se, daqui a pouco a prumo, como o girassol rodo na sombra do toldo, a cerveja morre no copo em minutos por isso uma atrás da outra, a sede, o calor, o fastio, bebo-a de um trago, dou um estalo com a língua no céu da boca, um dedo no ar e o rapaz sabe que deve trazer outra.

Dessedento-me sentado, espectador.

Puro ócio

Invejem-me