terça-feira, 24 de setembro de 2013

164 - DE UM PONTO DE VISTA NÃO EXPECTAVEL …


Ela chegou sorridente e gargalhando com as chalaças das amigas, e, ou não me viu ou calculou mal a distancia e atirou-me com o ombro acima , foi com ele que me tirou do caminho, não com a mão, de pele macia e unhas tratadas que pousou em mim, talvez com a intenção de me desviar do seu rumo, mas não, a pancada em seco desferida pelo ombro provocou-me tal estremeção que por momentos me ofuscou o pensamento e as ideias se me baralharam
eu sentira o suave toque daquela mão quando ela em mim a pousou, confesso que sentir a sua pele macia cuja presença as unhas tratadas e de um vermelho vivo e forte mais acentuavam me impressionou, contudo o forte estremeção de pronto me dissipou devaneios e, antes que as ideias se me aconchegassem de novo no lugar, senti um pé intrometer-se barrando-me o movimento, uma perna encostando a mim, uma força forte sustendo-me o ímpeto
acalmei, e, uma vez aplacada a surpresa que o embate em mim provocara, admito já que para além da pancada, a visão de um ombro desnudado me conduziu a ideias libidinosas e cenários luxuriantes que não raro me atormentam, mas tornei a mim
todo o ego aprecia uma massagem, o meu não é polido convenientemente há demasiado tempo, mas não é ou não será o toque de uma mão agora, outra depois, que... casualmente, toques casuais sim, casuais e que nem ultrapassam momentos ocasionais, nada premeditados e muito menos gizados, quase os apelaria de fortuitos, porque breves, e na sua maioria involuntarios e depressa olvidados
concedo que os aprecio, mas nem os confundo sequer, um breve momento não deixa de ser um momento breve, e jamais encerrará os desígnios e os mistérios de uma acção concertada, intencional, pensada, desprovida do vazio do disparo de um reflexo condicionado, ou seja, prenhe de intenções e até, porque não, de segundas intenções, mas claro, porque de boas estará o inferno cheio, e, se pensarem bem, compreenderão que o aveludado do toque do pousar de uma mão, não deixará de causar impressão, certamente que sim, e maior ou menor, em mim causa, despoleta, o termo exacto talvez seja este, despoleta,
despoleta todo um turbilhão de pensamentos, dos mais aceitáveis aos mais pecaminosos e que vão da observação, os olhos também contam e comem, que vão da observação de um anel de idílico noivado, ou por vezes com pouco uso até, denunciando um casamento fresco, ou muito sofrido, como o será a vista de uma aliança duplamente trabalhada, celebrando bodas de ouro de cinquenta anos, ou inté de vinte e cinco que fosse, de prata, resultante da observação dizia eu de uma mão prenhe de anéis ou deles despida, de umas unhas curtas ou compridas, das que se cravam nas costas, das que rasgam, discretas ou acentuadamente pintadas, ou não, e, como quando se toma a mão há logo quem agarre o braço,  porque não pegar no resto...
é obvio que o toque de uma mão pode despoletar até uma guerra, sei lá, sei é que até por menos as terá havido, quer dizer não saberei ao certo, mas imagino, penso, lá dizia o poeta, “ o pior é pensar”, e por pensar no poeta e no seu Poema de Domingo* é aos domingos que costuma pousar em mim delicada mão de costureirinha
é diferente o toque dela, é diferente por a mesma mão que agarra, pega, segura, um lencinho que a avó lhe bordou, contou-me ela quando numas escadas se dá, aos domingos, porque é também aos domingos que experimento as mãos e o toque maternal de quem, passeando os filhinhos, me não deixa de agarrar, puxar, empurrar, numa necessidade urgente de não sei o quê, toques aflitos bem o sinto
mãos em mim mas os olhos nas crianças, e se bem que com vigor e firmeza me agarrem, segurem, nunca é um toque inteiro, completo, porque quem me agarra não está ali, tem a mente nas crianças, no perigo, no ambiente circundante, nos predadores, nos seus amores, nessas crianças, cujo toque também sinto, e que de mim se suspendem, a mim exigem, impelem, elas sim, com vida, e cada uma convida a cooperar
quer de manhã cedo quer ao fim de um longo dia, depois, bem…
depois vem a patroa que também me insta, me seduz, me segura com a mão num toque inconfundível que reconheço mal a sua mão em mim pousa, que me puxa a si com cuidado, como que com extrema ternura, e me encosta a perna primeiro e o joelho depois, me puxa sôfrega, que sabe ser eu pertença dela, que força a penetração, que é brusca, bruta, rude, violenta mesmo, sempre foi assim com ela, e, se à noite, esboça um sorriso de satisfação e roda a chave, de imediato…
pendura na ventosa da porta um letreiro “fechado”, empurra-me de novo uma vez e outra, como o Zé Henrique doentiamente costuma fazer, e só então, depois de certa e convencida de que estou fechada e bem fechada retira a chave e se afasta dançando e balançando sobre os seus sapatos vermelhos de salto de vinte centímetros
descanso por agora pois que amanhã cedo estará aqui abrindo-me de novo, será outro dia, igual, rotineiro, repetitivo, como o amor, os amores, os humores …
não passo de um puxador e uma porta que se julgam no direito de expressar pontos de vista não expectáveis para ti que me lês J :P  …
que achaste ? …

http://mentcapto.blogspot.pt/2013/02/137-poema-de-domingo.html