Ela chegou sorridente e gargalhando com as chalaças
das amigas, e, ou não me viu ou calculou mal a distancia e atirou-me com o
ombro acima , foi com ele que me tirou do caminho, não com a mão, de pele macia
e unhas tratadas que pousou em mim, talvez com a intenção de me desviar do seu
rumo, mas não, a pancada em seco desferida pelo ombro provocou-me tal estremeção
que por momentos me ofuscou o pensamento e as ideias se me baralharam
eu sentira o suave toque daquela mão quando ela em mim
a pousou, confesso que sentir a sua pele macia cuja presença as unhas tratadas
e de um vermelho vivo e forte mais acentuavam me impressionou, contudo o forte
estremeção de pronto me dissipou devaneios e, antes que as ideias se me
aconchegassem de novo no lugar, senti um pé intrometer-se barrando-me o
movimento, uma perna encostando a mim, uma força forte sustendo-me o ímpeto
acalmei, e, uma vez aplacada a surpresa que o embate em mim provocara, admito já que para além da pancada, a visão de um ombro desnudado
me conduziu a ideias libidinosas e cenários luxuriantes que não raro me
atormentam, mas tornei a mim
todo o ego aprecia uma massagem, o meu
não é polido convenientemente há demasiado tempo, mas não é ou não será o toque
de uma mão agora, outra depois, que... casualmente, toques casuais sim, casuais e que nem ultrapassam momentos ocasionais, nada premeditados e muito
menos gizados, quase os apelaria de fortuitos, porque breves, e na sua maioria
involuntarios e depressa olvidados
concedo que os aprecio, mas nem os confundo sequer,
um breve momento não deixa de ser um momento breve, e jamais encerrará os
desígnios e os mistérios de uma acção concertada, intencional, pensada,
desprovida do vazio do disparo de um reflexo condicionado, ou seja, prenhe de
intenções e até, porque não, de segundas intenções, mas claro, porque de boas
estará o inferno cheio, e, se pensarem bem, compreenderão que o aveludado do
toque do pousar de uma mão, não deixará de causar impressão, certamente que sim,
e maior ou menor, em mim causa, despoleta, o termo exacto talvez seja este,
despoleta,
despoleta todo um turbilhão de pensamentos, dos mais
aceitáveis aos mais pecaminosos e que vão da observação, os olhos também contam
e comem, que vão da observação de um anel de idílico noivado, ou por vezes com
pouco uso até, denunciando um casamento fresco, ou muito sofrido, como o será a vista
de uma aliança duplamente trabalhada, celebrando bodas de ouro de cinquenta
anos, ou inté de vinte e cinco que fosse, de prata, resultante da observação
dizia eu de uma mão prenhe de anéis ou deles despida, de umas unhas curtas ou
compridas, das que se cravam nas costas, das que rasgam, discretas ou acentuadamente
pintadas, ou não, e, como quando se toma a mão há logo quem agarre o braço, porque não pegar no resto...
é obvio que o toque de uma mão pode despoletar até
uma guerra, sei lá, sei é que até por menos as terá havido, quer dizer não
saberei ao certo, mas imagino, penso, lá dizia o poeta, “ o pior é pensar”, e
por pensar no poeta e no seu Poema de Domingo* é aos domingos que
costuma pousar em mim delicada mão de costureirinha
é diferente o toque dela, é diferente por a mesma mão
que agarra, pega, segura, um lencinho que a avó lhe bordou, contou-me ela
quando numas escadas se dá, aos domingos, porque é também aos domingos que experimento
as mãos e o toque maternal de quem, passeando os filhinhos, me não deixa de
agarrar, puxar, empurrar, numa necessidade urgente de não sei o quê, toques
aflitos bem o sinto
mãos em mim mas os olhos nas crianças, e se bem que
com vigor e firmeza me agarrem, segurem, nunca é um toque inteiro, completo,
porque quem me agarra não está ali, tem a mente nas crianças, no perigo, no
ambiente circundante, nos predadores, nos seus amores, nessas crianças, cujo
toque também sinto, e que de mim se suspendem, a mim exigem, impelem, elas sim,
com vida, e cada uma convida a cooperar
quer de manhã cedo quer ao fim de um longo dia,
depois, bem…
depois vem a patroa que também me insta, me seduz, me
segura com a mão num toque inconfundível que reconheço mal a sua mão em mim
pousa, que me puxa a si com cuidado, como que com extrema ternura, e me encosta
a perna primeiro e o joelho depois, me puxa sôfrega, que sabe ser eu pertença dela,
que força a penetração, que é brusca, bruta, rude, violenta mesmo, sempre foi
assim com ela, e, se à noite, esboça um sorriso de satisfação e roda a chave,
de imediato…
pendura na ventosa da porta um letreiro “fechado”,
empurra-me de novo uma vez e outra, como o Zé Henrique doentiamente costuma
fazer, e só então, depois de certa e convencida de que estou fechada e bem
fechada retira a chave e se afasta dançando e balançando sobre os seus sapatos
vermelhos de salto de vinte centímetros
descanso por agora pois que amanhã cedo estará aqui
abrindo-me de novo, será outro dia, igual, rotineiro, repetitivo, como o amor,
os amores, os humores …
não passo de um puxador e uma porta que se julgam no
direito de expressar pontos de vista não expectáveis para ti que me lês J :P …
que achaste ? …