terça-feira, 17 de junho de 2014

194 - SUBMISSION OR BONDAGE ? ...




- Não vamos zangar-nos por causa disto. Não sabíamos como ia ser, foi isso. Não repetiremos pronto. Zangarmo-nos não vale a pena.

- Nem acho que a culpa tenha sido minha, ou sequer tua, a existir foi dos dois. Esta coisa de tudo querer e tudo dar não é assim tão simples.

- Hoje aprendi, aprendemos, teremos que saber impor-nos limites. Não pode valer tudo pronto. Compreendo que estejas magoada, não foi de propósito, não tive essa intenção.

E, pela primeira vez em muitos anos não estavam de acordo, pois não se podia dizer que a experiencia tivesse corrido bem.

Verdade que, tanto um como o outro a tinham desejado, e analisadas as coisas à lupa, tinham-na mesmo provocado. Jamais haviam pensado ou sequer suposto que pudesse ter acabado assim, teoricamente ambos tinham esperado o contrário, mas todos sabemos como na prática as teorias são outras.

Outra coisa, e agora urgia esquecer e seguir em frente.

Seria o melhor.

- Não se chora sobre o molhado, em frente que atrás vem gente.

- Longe vá o agoiro, safa !

- Lagarto, lagarto, lagarto !

 O episódio tivera raízes na passagem das décadas de setenta oitenta, portanto há mais de trinta anos, e, quando há uns meses se reencontraram renovando os passaportes, acabaram rindo da casualidade e da fita que os juntara da ultima vez que se tinham visto, “ O Ultimo Tango Em Paris “ , com Marlon Brando, e que correra no Cine-Paraíso.

Pouco depois dessa fita uma paixão pressentida mas nunca consumada tivera um fim abrupto. Uma disrupção como agora se diz. Ela para Bringhton-on-Sea, na Great Britain e ele para New Bedford, nos States.

Durante mais de trinta anos não se viram, sem Net nem redes sociais acomodaram-se e esqueceram-se, o casual reencontro no Governo Civil foi-lhes motivo, os passaportes móbil.

Seguiram-se os encontros para um cafezinho cada vez menos espaçados, cada vez mais demorados, cada vez mais arrojados. Até um compromisso, primeiramente comedido, de seguida revivalista, acabando por ser loucamente vivido.

Já não estavam sozinhos nem lembravam quotidianamente os respectivos divórcios, nem o resto, nem nada, nem tudo, o mesmo tudo nada que agora os opunha, há que traçar limites, não podiam zangar-se por isto.

Não sabiam como ia ser, muito menos como iria acabar, foi isso.

Não repetiriam concordaram, não se repetiria, acordaram.

- Para quê insistir nisso se há outras coisas tão boas ?

Choramingou ela.

- Tens razão, não há necessidade, não voltarei a forçar.

Caíram de novo nos braços um do outro. Não, não havia dúvidas, não tinha sido de propósito, nem tinha havido essa intenção, a experiencia, com a qual desde a primeira hora em que a tinham pensado tanto os arrebatara, não acabara bem.

- Não pode valer tudo.

Tem que haver limites, contudo, quando há um mês atrás a tinham abordado, primeiro a rir, a brincar, e depois de modo sério, jamais teriam acreditado tanta subtileza existir nesse episódio e, voltando à lupa, uma coisa era o cinema, outra a realidade.

Não tinha havido intenção de magoar, isso não, ele só vira na coisa uma oportunidade de ligar o bom ao agradável, de exercer a sua posse, de dizer :

- Agora sim és toda minha, já não poderás dizer que não meu amor, porque finalmente foste, finalmente és.

E estavam nisto, neste pé, ela contrapondo que ele se excedera. Não era uma questão de emoção mas sim de excesso, além dela não ser uma coisa, um objecto, e muito menos dele, fora isso que sentira, era isso que lhe doía mais que a dor que a magoara, a submissão sofrida, pressentida primeiro e sentida depois.

- Nem penses repetir, isto foi muito para além do tudo querer e tudo dar, e não, não  e não, não fiquei com vontade nenhuma de repetir, nem sei se, para o final, não terias mesmo ultrapassado as nossas intenções, foste bruto pronto, com intenção ou não foste bruto, sentiste estar a magoar-me e não paraste.

- És um animal, besta, és uma besta, não o esperava de ti.

Há três semanas que ela não lhe telefona, 3, nem deixa mensagem, lá para 2043, dois mil e quarenta e três, pensou ele, terá 68, sessenta e oito anos e a andropausa terá tomado conta dele.

- Talvez ela tenha razão, talvez eu tenha sucumbido à fúria do devaneio, talvez a tenha magoado, talvez só mentalmente, mas que interessa agora ?

- Não vou ficar aqui, está tudo a sair, talvez regresse a New Bedford, talvez.

- Talvez a tenha mesmo perdido.
- Perdi, aposto.

- Há três semanas que ele não me telefona, 3, nem deixa mensagem, melhor assim. Só queria que estes pesadelos me largassem. Ainda bem que ele nem dá sinal, talvez seja melhor assim, é melhor assim.

- Preciso de ar, de ar e de distrair-me, e de distanciamento, não vou ficar aqui, está tudo a ir embora, talvez regresse a Bringhton-on-Sea, talvez, talvez o tenha mesmo perdido, será melhor que sim, é talvez melhor sim.

- Talvez o tenha mesmo perdido.

- Perdi, aposto.





http://youtu.be/86ZrusgWnqk

NOTA: Os vídeos, entretanto retirados da circulação pela MGM, eram do filme "O Último Tango Em Paris" com Marlon Brando e Maria Schneider.