- Não vamos zangar-nos por causa disto. Não sabíamos
como ia ser, foi isso. Não repetiremos pronto. Zangarmo-nos não vale a pena.
- Nem acho que a culpa tenha sido minha, ou sequer tua,
a existir foi dos dois. Esta coisa de tudo querer e tudo dar não é assim tão
simples.
- Hoje aprendi, aprendemos, teremos que saber impor-nos
limites. Não pode valer tudo pronto. Compreendo que estejas magoada, não foi de
propósito, não tive essa intenção.
E, pela primeira vez em muitos anos não estavam de
acordo, pois não se podia dizer que a experiencia tivesse corrido bem.
Verdade que, tanto um como o outro a tinham desejado,
e analisadas as coisas à lupa, tinham-na mesmo provocado. Jamais haviam pensado
ou sequer suposto que pudesse ter acabado assim, teoricamente ambos tinham
esperado o contrário, mas todos sabemos como na prática as teorias são outras.
Outra coisa, e agora urgia esquecer e seguir em
frente.
Seria o melhor.
- Não se chora sobre o molhado, em frente que atrás vem
gente.
- Longe vá o agoiro, safa !
- Lagarto, lagarto, lagarto !
O episódio
tivera raízes na passagem das décadas de setenta oitenta, portanto há mais de
trinta anos, e, quando há uns meses se reencontraram renovando os passaportes,
acabaram rindo da casualidade e da fita que os juntara da ultima vez que se
tinham visto, “ O Ultimo Tango Em Paris “ , com Marlon Brando, e que correra no
Cine-Paraíso.
Pouco depois dessa fita uma paixão pressentida mas
nunca consumada tivera um fim abrupto. Uma disrupção como agora se diz. Ela
para Bringhton-on-Sea, na Great Britain e ele para New Bedford, nos States.
Durante mais de trinta anos não se viram, sem Net nem
redes sociais acomodaram-se e esqueceram-se, o casual reencontro no Governo
Civil foi-lhes motivo, os passaportes móbil.
Seguiram-se os encontros para um cafezinho cada vez
menos espaçados, cada vez mais demorados, cada vez mais arrojados. Até um
compromisso, primeiramente comedido, de seguida revivalista, acabando por ser
loucamente vivido.
Já não estavam sozinhos nem lembravam quotidianamente
os respectivos divórcios, nem o resto, nem nada, nem tudo, o mesmo tudo nada
que agora os opunha, há que traçar limites, não podiam zangar-se por isto.
Não sabiam como ia ser, muito menos como iria acabar, foi isso.
Não repetiriam concordaram, não se repetiria,
acordaram.
- Para quê insistir nisso se há outras coisas tão
boas ?
Choramingou ela.
- Tens razão, não há necessidade, não voltarei a
forçar.
Caíram de novo nos braços um do outro. Não, não havia
dúvidas, não tinha sido de propósito, nem tinha havido essa intenção, a
experiencia, com a qual desde a primeira hora em que a tinham pensado tanto os
arrebatara, não acabara bem.
- Não pode valer tudo.
Tem que haver limites, contudo, quando há um mês
atrás a tinham abordado, primeiro a rir, a brincar, e depois de modo sério,
jamais teriam acreditado tanta subtileza existir nesse episódio e, voltando à
lupa, uma coisa era o cinema, outra a realidade.
Não tinha havido intenção de magoar, isso não, ele só
vira na coisa uma oportunidade de ligar o bom ao agradável, de exercer a sua
posse, de dizer :
- Agora sim és toda minha, já não poderás dizer que
não meu amor, porque finalmente foste, finalmente és.
E estavam nisto, neste pé, ela contrapondo que ele se
excedera. Não era uma questão de emoção mas sim de excesso, além dela não ser
uma coisa, um objecto, e muito menos dele, fora isso que sentira, era isso que
lhe doía mais que a dor que a magoara, a submissão sofrida, pressentida
primeiro e sentida depois.
- Nem penses repetir, isto foi muito para além do
tudo querer e tudo dar, e não, não e não,
não fiquei com vontade nenhuma de repetir, nem sei se, para o final, não terias
mesmo ultrapassado as nossas intenções, foste bruto pronto, com intenção ou não
foste bruto, sentiste estar a magoar-me e não paraste.
- És um animal, besta, és uma besta, não o esperava de
ti.
Há três semanas que ela não lhe telefona, 3, nem
deixa mensagem, lá para 2043, dois mil e quarenta e três, pensou ele, terá 68,
sessenta e oito anos e a andropausa terá tomado conta dele.
- Talvez ela tenha razão, talvez eu tenha sucumbido à
fúria do devaneio, talvez a tenha magoado, talvez só mentalmente, mas que
interessa agora ?
- Não vou ficar aqui, está tudo a sair, talvez regresse
a New Bedford, talvez.
- Talvez a tenha mesmo perdido.
- Perdi, aposto.
- Há três semanas que ele não me telefona, 3, nem deixa
mensagem, melhor assim. Só queria que estes pesadelos me largassem. Ainda bem
que ele nem dá sinal, talvez seja melhor assim, é melhor assim.
- Preciso de ar, de ar e de distrair-me, e de distanciamento,
não vou ficar aqui, está tudo a ir embora, talvez regresse a Bringhton-on-Sea,
talvez, talvez o tenha mesmo perdido, será melhor que sim, é talvez melhor sim.
- Talvez o tenha mesmo perdido.
- Perdi, aposto.
http://youtu.be/86ZrusgWnqk
NOTA: Os vídeos, entretanto retirados da circulação pela
MGM, eram do filme "O Último Tango Em Paris" com Marlon Brando e Maria Schneider.