Embrulhados no
meu melhor sorriso dei-lhe uns bons dias calorosos, rematados por picardia :
- Olha o
Margarido ! Vai trabalhar malandro, passas os dias no café.
e, claro,
levei logo com uma resposta pronta que me coíbo de mencionar aqui. Todavia
tomei lugar na mesa dele, este não é como o Martinho que à mínima piadola perde
a compostura e ofende tudo e todos, a esse não lhe podem tocar no grelinho que
não se atire logo ao ar, diz a malta dele, e é verdade.
Mal me sentei
retrucou:
- Trabalhar
para quê e para quem, dizes-me ?
Conhecemo-nos
há anos, talvez desde gaiatos, na verdade nunca o vi trabalhar, ou era da
oposição ou estava contra, e assim vivia, ou mesmo assim vivia, ou sobrevivia, e nisto, enfastiado, atirou um pau a um gato.
Aos poucos a
mesa foi-se compondo e os últimos a chegar arrebanharam as cadeiras disponíveis
afim de enfeitar a roda, a assembleia como diz o Amadeu. Mas o mote das
conversas do dia estava dado, e o Margarido, que devia ter ficado remoendo na
coisa, de vez em quando trazia-a à baila, ou seja de novo à tona da agenda.
O
tema tempo foi abordado por alto dado que o sol se confirmava, o que seria bom para
o consumo e para a retoma, depois debruçámo-nos sobre a visita do PR a Borba e
Vila Viçosa e reinámos com os políticos a quem recomendou fizessem os trabalhos
de casa, coisa que ele mesmo aliás nunca estudara nem fizera, quando, exaltado, o Branco
saltou em sua defesa alegando que ao PR, quando fora PM, lhe tinham feito a vida
negra portanto teria agora direito a uma vingançazita, à boa moda portuguesa, e
azucrinando a moleirinha às “forças de bloqueio”.
O Branco
representa na roda o Portugal profundo, imbuído de uma filosofia empírica de
arrepiar os cabelos, e a conversa só tomaria outro rumo quando o Teles chegou,
coberto do pó das obras em casa e resmungando contra as mudanças nas chefias, e
que se mal estávamos pior ficámos, que os diplomas nem sempre contavam, que o
factor humano era muito importante, que nesse item, cruzes canhoto que a tipa
que lá meteram agora é trinta vezes pior que a retirada, que mais parecia um
zombie, que não via mais que um palmo à frente do nariz, mas que esta agora nem
isso.
Metade do
pessoal não descortinaria o desabafo do Teles não fora a alusão à zombie
remeter-nos para a viúva do Euletério, foi então que a mesa se animou em excesso
e as conversas se atropelaram em cambalhotas umas por sobre as outras.
Parece que o
Euletério se fora desta para melhor sem pagar as dividas que por cá deixara, e
muitas, sendo que, do apurado entre meias conversas e meias frases muita gente
ali não se importaria caso fosse a viúva a pagá-las, preferencialmente em
géneros, suposição que a maioria da roda partilhava e até aplaudia, pelo que o
tema só terminaria, e bruscamente, quando chegou, toda sorridente, a mulher do
Caetano, a quem ninguém ousava fazer frente, nem ele, tendo sido quanto bastou
para que os cães parassem antes de por completo terem esfrangalhado a coitada
da viúva.
Sim concordo,
a precisar de apoio, sim concordo, a precisar de um ombro amigo, sim concordo
era um desperdício deixada viúva tão cedo, sim concordo não mais que cinquenta
quilos, sim concordo também gosto de violões, sim concordo não mais de cinquenta anos, sim concordo os amigos são para
as ocasiões e não, não concordo ! Nem posso concordar ! Como é que
raio tu, Margarido, que nunca fizeste nada na vida tens um crédito desse
tamanho sobre o falecido Euletério ? Esperas que concorde contigo ? Acreditas
que caia nessa ?
Nisto a Tv
chamou a atenção para uma Gabriela ou Floribela ou Legionella, e todas as
cabeças se viraram deixando em paz a viúva e a digníssima do Caetano, de quem
se dizia todo aquele ar feliz não lho dever a ele, mas agora calo-me eu porque
as conversas são como as cerejas e atrás de uma vai outra e nem toda a gente
tem telhados de vidro ou esqueletos no armário.
E bem fiz eu
em calar-me, porque acabou de entrar o tenente Emanuel, bota de cano alto,
cabelo rapado à escovinha, boné da fardamenta entalado debaixo do braço o
pingalim permanentemente açoitando a barriga da perna e olhando todos de cima,
como habitualmente.
Nem um só se desviou para lhe dar lugar, nunca ninguém o fez, ninguém o topa, contudo arrastou para o círculo uma qualquer cadeira e, antes que se sentasse todos se calaram, na presença dele sempre nos calámos. As conversas mudaram de temática automaticamente e assuntos de mulheres nem pensar, tudo porque a dita cuja do Emanuel é a única pessoa que ele não olha de cima, dizem as más-línguas ser ela sim quem por cima gosta de ficar e olhar-nos nos olhos. Serão afirmações de gente sem escrúpulos, sem vergonha, gente de má-língua e capaz de tudo.
Nem um só se desviou para lhe dar lugar, nunca ninguém o fez, ninguém o topa, contudo arrastou para o círculo uma qualquer cadeira e, antes que se sentasse todos se calaram, na presença dele sempre nos calámos. As conversas mudaram de temática automaticamente e assuntos de mulheres nem pensar, tudo porque a dita cuja do Emanuel é a única pessoa que ele não olha de cima, dizem as más-línguas ser ela sim quem por cima gosta de ficar e olhar-nos nos olhos. Serão afirmações de gente sem escrúpulos, sem vergonha, gente de má-língua e capaz de tudo.
E estávamos
nisto quando todas as cabeças em redor da mesa se viraram como um cata vento
ante a aproximação da viúva, cuja presença não deixava ninguém indiferente, o
nosso tenente cofiou o bigode, alisou com a palma da mão os cabelos que não
tinha, ajeitou o nó da gravata, desfez uma ruga de enxovalho nas calças e
pressuroso ergueu-se airosamente oferecendo-lhe a cadeira e o lugar, ela
declinou, não sem dar mostras de se sentir embevecida, a sabida…
- D. Guida
queira perdoar-me a ausência no féretro mas sabe, o verão, operações stop dia
sim dia sim, foi-me completamente impossível.
- Oh ! Não tem
importância senhor tenente, de qualquer modo ele teria detestado ver qualquer
um no seu funeral.
Com um sorriso
matreiro deixou-o de monco caído, cadeira pendurada da mão, hesitante entre
colocar uma cara séria ou rir-se da espirituosa resposta dela, e quando voltou a
si toda a gente na mesa se tinha levantado debandando na mira do almoço, pelo
que o nosso engatatão, que em casa diziam as más línguas, tinha falta de apetite
ou passava fome, nem teve habilidade para responder ao Margarido que de boca
aberta:
- Mas afinal trabalhar para quê e para quem, dizem-me ? Alguém me diz ?