sábado, 22 de novembro de 2014

210 - TERTÚLIA ALEXANDRINA ......................

                   Das mulheres não reza a história. Larissa aspergira-nos com água de rosas mal pusémos o pé em terra. A túnica diáfana exaltava-lhe a alma do seio. Como sempre dei por mim meditando em como eram belas as mulheres de Alexandria, fossem gregas, romanas ou egipcias, como a que agora nos incitava e instava a entrar na taberna, agitando folhas de palma para nos refrescar e agradar. A seu lado, tocando lira, trajes imitando as concubinas de Sodoma, outras beldades nos convidavam de modo sensual a degustar os pratos, especialidades e outros prazeres ofertados pelo “grego”. 

A íngreme ladeira desde o porto de Alexandria até ao casario extenuara-nos, o sol a pino nada ajudava quanto a aliviar o fardo. Uma nova rua partia agora da praça, e era dela que provinha um odor forte a “haniotikó bouréki”, as saborosas fatias de batata assada com aboborinhas, queijo “myzithra” e hortelã, manjar que eu tanto apreciava sempre que os negócios me levavam a Creta, espetada no meio do mar como que numa encruzilhada de todos os caminhos para ali.

Parecendo adivinhar-me o pensamento o nosso cicerone convidou-nos, muito oportunamente, a degustar os pratos da novel casa de pasto do grego Saulo de Tales. O chão mole exalava em virtude de chuvada recentemente caída um cheiro a terra, Theodoro não esperou mais, resoluta e firmemente segurou na mão o bordão em que se apoiava (ali designado vara) e com uma pancada seca e forte marcou o local onde deveríamos almoçar, a túnica começava a colar-se-lhe ao corpo e estava, como todos nós, extenuado, faminto, e a paciência começando a faltar-lhe, almoçaríamos portanto já ali, na taverna do “grego”.

Ao avançar Theodoro verificou que a vara não lhe obedecia, ficara espetada no piso mole, molhado da chuvada, e teimava não ceder. Olhou-a curiosamente e espantou-se por não ver dela quase nenhuma sombra, intuiu o fenómeno como a confirmação pelos deuses de que o lugar escolhido para almoçarem era o ideal e deixou a vara espetada ali mesmo, à entrada da taverna. Antes de entrar constatou casualmente que também os prédios quase não tinham sombra, e cogitou que, independentemente do seu apetite e a julgar pela altura do sol seriam horas de almoçar.

O prato não nos desiludiu, e os vinhos, trazidos em ânforas da Gália, eram dignos de recomendação. As conversas giraram à volta da nova biblioteca em construção, de cujo prestígio tiraria proveito a dinastia ptolemaica que governava Alexandria desde os macedónios e de Alexandre o Grande, explicou-nos Sauro de Tales, servindo os vinhos com ar matreiro. Dizia-se que os papiros e pergaminhos eram já largas centenas de milhares, em centenas de casas e armazéns espalhados pela urbe, exigindo condições dignas de arquivo e consulta. Por toda a cidade e por todo o mundo não se falava noutra coisa, pelo que até ali o assunto dessa conversa forçosamente vingou. 

Curiosidades avulso também preencheram conversas, tais como a afirmação de um tal louco e impertinente Arquimedes de Siracusa, afirmando ser capaz de mover o mundo se para tal lhe concedessem uma vara em jeito de alavanca, com o comprimento ideal, afirmações que foram motivo de risota geral e desculpa para dois ou três brindes bem regados com hidromel do verdadeiro, do oriundo de Roma através dos mercadores fenícios.

Ainda a propósito de gregos loucos um outro veio à baila nas conversas, um tal nascido em Samos, já há muito falecido mas não menos louco, e cujas afirmações juravam poder triangular-se quaisquer distancias e adivinhar qualquer uma mesmo que fosse impossível medi-la na prática, desde que as outras duas partes do triangulo fossem conhecidas.

Sim, isso, sim, parece que um tal Pitágoras, sem as exigências de fulcros varas ou alavancas, como Arquimedes exigira, estabelecera já as distancias entre vários pontos do Peloponeso e do mar Egeu, sempre e somente baseado nesse dito seu que se espalhava pelo mundo com a rapidez que os deuses imprimem aos ventos e até, imaginem, constava-se ter servido aos arquitectos da biblioteca para estabelecerem os cálculos de frontões e cúpulas, uma fórmula genial, tão genial que toda a gente lhe canta a música ainda que muito poucos entendam a letra:

- “ O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos” brincou Saulo de Tales imitando a voz afectada de um cantor.

Olé, tal e qual ! Não há cão nem gato em todo o mediterrâneo que não cantarole essa cançoneta.

E ora reinando ora bebendo e comendo a divinal cozinha do “grego”decorreu o animado almoço, e agora que o nevoeiro abandonou por completo a baía, podiam ver-se do terraço da taverna as grandiosas obras da biblioteca no outro lado do porto. À saída, ao agarrar no bordão a que os deuses tinham roubado a sombra  Theodoro observou com apreensão que esta estendia-se agora de uns cinco palmos bem medidos, e automaticamente pensou no tempo decorrido a almoçar, impossibilitado de saber quanto, pois preocupações desse jaez não eram coisa que ocupasse taberneiro ou comensais, olhou em redor e registou projectar o casario igualmente a sua própria sombra, o que foi mais que suficiente para ter ficado meditando profundamente no movimento do astro no tempo e nas horas.

Levantou a túnica, cerrou os dedos em redor da presilha das sandálias a fim de conseguir uma passada mais larga, e logrou apanhar os companheiros, mais adiantados, precisava comprar uma clepsidra ou uma ampulheta nos bazares dos turcos, por isso instou todos a apressar as passadas.

No dia seguinte os deuses prometiam uma partida de viagem calma de Alexandria a Nova Cartago com paragens em Creta, Siracusa, Roma e Gália, teria tempo para meditar, a perspectiva de viajar com sol e mar calmo animaram-no.

O negócios não tinham corrido mal, subiu a bordo, deteve-se olhando o falado mecanismo de Antikythera que agora permitia viajar de noite com segurança de rumo, e indagou entre os restantes viajantes sobre a veracidade da sua atribuição a Arquimedes, elogiou o seu complexo mecanismo, muito superior às mais sofisticadas e precisas clepsidras que vira, e à excepção de meia dúzia de viajantes os restantes encolheram os ombros e manifestaram duvidas que um mecanismo daquele teor tivesse sido criado pelo mesmo grego que pretendeu deslocar o mundo com uma vara, ou uma alavanca, de modo algum para levar a sério, esse tal Arquimedes seria certamente louco.

Engoliu sem retrucar, olhou para a proa da trirreme onde o relógio de sol, padecendo de sombra, não parando de balançar, e pensou quão bom era que o sofisticado mecanismo de Antiquitera nos desse horas certas independentemente do sol ou da lua, das nuvens, da noite e do dia, e do balanço das sombras. Afinal de contas esse tal Arquimedes já inventara antes muitas outras coisas e parecia nem ser tão tolo como o pintavam. Pensar, pensar induzir e deduzir mudavam de um dia para o outro o nosso mundo, os distintos Pitágoras e Arquimedes não faziam mais que pensar e descobrir, estabelecer relações, experimentar o impossível sempre que possível, não fora assim que Arquimedes descobrira e provara a verdade sobre a coroa de ouro do rei Hieron ? E o teorema de Pitágoras, o cálculo das distâncias entre os vértices dum triângulo não se deviam igualmente a um profundo pensar ?

Theodoro pensava, e enquanto pensava nem se dava conta que falava em voz alta, sem que desse por isso amigos e conhecidos foram rodeando-o, imiscuindo-se e partilhando os seus pensamentos e ideias. O espaço exíguo da trirreme favoreceu a tertúlia, que durou muito mais que a viagem, no futuro encontrar-se-iam regularmente, trocariam impressões duvidas e certezas.

Os pergaminhos chegados até nós estão longe de nos dar a conhecer todos os pormenores, no entanto é justo admitir que essa tertúlia lhes permitiu desenvolver pensamentos e atitudes que nos orgulham e beneficiam, a cada um deles a nossa gratidão.

Aleatoriamente:

* Erastótenes – Bibliotecário - chefe da Biblioteca de Alexandria, foi lá que encontrou, num velho papiro, indicações de que ao meio-dia de cada 21 de Junho na cidade de Assuão (Syene, em grego antigo) 800 km ao sul de Alexandria, uma vara fincada verticalmente no solo não produzia sombra. Matemático, gramático, poeta, geógrafo, bibliotecário e astrónomo, conhecido por calcular a circunferência da Terra. Nasceu em Cirene, Grécia, e morreu em Alexandria. Estudou em Cirene, em Atenas e em Alexandria.

* Hiparco de Nicéia – Pai da trigonometria – astrónomo greco-otomano, construtor de máquinas, exímio cartógrafo e matemático da escola de Alexandria, nascido em Nicéia, na Turquia. Viveu em Alexandria, sendo um dos grandes representantes da Escola Alexandrina, do ponto de vista da contribuição para a mecânica. Trabalhou sobretudo em Rodes

* Aristarco de Samos – Astrónomo e matemático grego, sendo o primeiro cientista a propor que a Terra gira em torno do Sol e que possui movimento de rotação. Apenas uma obra sua é conhecida: Sobre os tamanhos e distâncias entre o Sol e a Lua, Aristarco realizou cálculos geométricos das dimensões e distâncias do Sol e da Lua.

* Euclides de Alexandria – Matemático platónico e escritor possivelmente grego, muitas vezes referido como o "Pai da Geometria". Além de sua principal obra, Os Elementos, Euclides também escreveu sobre perspectivas, secções cónicas, geometria esférica, teoria dos números e rigor. A geometria euclidiana é caracterizada pelo espaço imutável, simétrico e geométrico, metáfora do saber na antiguidade clássica e que se manteve incólume no pensamento matemático medieval e renascentista, somente nos tempos modernos puderam ser construídos modelos de geometrias não-euclidianas.

* Arquimedes de Siracusa – Matemático, físico, engenheiro, inventor, e astrónomo grego considerado um dos principais cientistas da Antiguidade Clássica. Entre suas contribuições à Física, estão as fundações da hidrostática e da estática, tendo descoberto a lei do empuxo e a lei da alavanca, além de muitas outras inventou ainda vários tipos de máquinas para usos militar e civil, incluindo armas de cerco, e a bomba de parafuso que leva seu nome. Arquimedes projectou máquinas capazes de levantar navios inimigos para fora da água e colocar navios em chamas usando um conjunto de espelhos. Arquimedes é frequentemente considerado o maior matemático da antiguidade, e um dos maiores de todos os tempos (ao lado de Newton, Euler e Gauss).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquimedes

* Pitágoras de Samos – ou “Pitágoras o Samiano”, foi um filósofo e matemático grego. A sua biografia está envolta em lendas. Diz-se que o nome significa altar da Pítia ou o que foi anunciado pela Pítia, pois a mãe ao consultar a pitonisa soube que a criança seria um ser excepcional. Pitágoras foi o fundador de uma escola de pensamento grega denominada em sua homenagem de pitagórica. Alguns pitagóricos chegaram até a falar da rotação da Terra sobre o eixo, mas a maior descoberta de Pitágoras deu-se no domínio da geometria e se refere às relações entre os lados do triângulo retângulo. A descoberta foi enunciada no infalivel famoso e conhecidissimo “teorema de Pitágoras”.   

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1goras

* Mecanismo de Anticitera

                   
 E agora uma curiosidade, como surgiu a ideia para este texto ?
Foi no Facebook e foi assim:

  • Rossicléa: Geeente, amanheci com uma dúvida: como foi que acertaram a hora do primeiro RELÓGIO que inventaram, hein?


  • H B : olháí ! Foi pela sombra do relógio de sol e o relógio de sol pela sombra de um pau e o pau foi espetado depois de uma chuvada que amoleceu a terra cheirando a revolvida e .... Olha vou pensar melhor no resto dessa história tá ??