Era já
crescido quando visitei a Suíça, talvez vinte, ou à volta disso. E visitei-a no
verão, pelo que me escaparam os alpes gelados, os chalés cobertos de neve, as
coníferas resplandecentes de ramos carregados de cristais de gelo e todo o
mistério do Natal que arrasto desde a infância. Valeu-me a irreverência da
Luisinha, por aquela época tão irreverente (perdão pela redundância), quanto as
cabras monteses, logo ali ao estender da mão, nos prados verdes, e a minha
proverbial bonomia de alentejano. O acolhimento da Brigite e do saudoso Quim da
Cruz (falecido há um mês) completaram o postal que naquele longínquo verão
trouxe de Emmenbruck e de Luzern.
Mas o
postal da Alda despoletou em mim recordações muito mais antigas, atrevo-me a dizer
que mais vívidas, pelo menos as poucas que de tanto natais ainda guardo, já que
somente essas
ficaram, como num Natal em que presenteei o meu filhote de 5 ou 6 anos com uma
soberba bicicleta de corrida, azul metalizada, de que eu tanto gostara. Leram bem,
eu, de que EU gostara. Claro que o miúdo sorriu, um sorriso amarelo, e meteu-a
de lado até que mais tarde a trocámos por uma outra de que ele gostou, ele.
ELE.
Não
nevava na minha infância, quando muito caíam geadas de morte que deixavam no
tanque da horta e nas poças uma fina pelicula de gelo, límpida, transparente, nas
quais por vezes pegávamos com os dedos nus e comíamos como se fora uma bolacha
americana. Não havia geada nem gelo que entrasse connosco, acho que até calções
usávamos em pleno inverno.
Não
havia neve mas havia lama, muita lama. O autocarro avançando deixava nela
sulcos que nos davam até aos joelhos, e poças fundas, largas, de uma água
barrenta e suja que contudo formava inexplicável e fina camada de gelo, fina
como o vidro, que nos entretínhamos partindo saltando-lhe em cima aos pés
juntos.
Num
qualquer Natal ficara para mim na chaminé um carro dos bombeiros. Ainda hoje o
recordo tal qual era, de um vermelho vivo em plástico, sobreposta ao comprido
dele e de um branco mais branco que a neve a enorme escada extensível, puxava-se e de
dentro dela saía outra duplicando-lhe o alcance, e que dizer das rodas meu Deus
! Uns pneus vigorosos, de rastros cruzados ! Havia lá lamaçal que prendesse o
seu caminho !
Mas que
tinha afinal o postal da Alda que tanto me impressionou e tantas memórias
avivou ?
Magia.
Somente
a magia do Natal.
De
todos os natais, da excitação da noite que o antecede, do não adormecer
cuidando de ouvir o Pai Natal descer, do acordar de manhãzinha em sobressalto e sumir-me para a chaminé, abrir todos os presentes ao mesmo tempo e encher a boca
de rebuçados e chocolates à bruta, esquecer o pequeno-almoço e correr para a
rua ignorando o frio, brincar com os demais, admirar o que ganharam, morrer com
inveja de uns e provocá-la noutros, até acalmar e regressar a casa e às caixas
em folhinha que escondiam os melhores rebuçados bombons e chocolates, as que
vinham das tias, e é aí que regressamos ao postal da Alda, gravado nas latas de
bombons e chocolates dos meus natais e que guardei durante anos só as abandonando
ao sair de casa para me casar.
Estampada
nessas caixas de lata estava toda a magia que em criança me habitara, a neve,
as montanhas, o céu azul, o amor das tias, a tia Benilde, solteira e tardia,
que talvez exorcizasse em mim a maternidade que via fugir-lhe por ter ficado sempre
solteira, a tia Tina, que por essa época estava noiva e cujos carinhos me foram
sempre caros. Era nessas estampas, nas tampas, que se podiam ver as paisagens que
eu mirava e remirava tempo sem fim, abrindo as latas com cuidado, comendo-lhes
os chocolates com parcimónia mas que racionava com acrimónia e em cujas
palhinhas fofinhas repousavam doces maravilha onde, prolongando o prazer,
enterrava os dedos numa gulodice desmedida em busca de cada bombom. Latinhas
que depois escondia como sendo o Tesouro do Barba Ruiva, como se não conhecessem
os meus pais e irmãos todos os cantos à casa.
Curioso
que nada mais lembre do Natal que não esta magia encantada, nem almoços, nem
jantares, nem o Ano Novo ou os festejos da sua passagem recordo. Recordo sim
estas caixas, estas latas de folha, prenhes de palhinhas de papel e chocolates,
as sombrinhas coloridas que me pintavam a boca de castanho e comia à dentada,
os coelhinhos de papel de prata arrancada com pressa, os pais natais ocos
forrados de papel vermelhinho com estrelinhas, os pequenos bombons multicoloridos
do tamanho de cerejas, a geada branca, o gelo transparente, a lama da rua,
quilómetros de lama, a ribeira que corria cheia arrastando laranjas do pomar da
quinta do Menino de Oiro e cujas águas enfrentávamos de calções arregaçados,
num equilíbrio perigosíssimo para as apanharmos.
O Natal
pra mim são todas estas recordações, lembro o sempre enfurecido Rim Tim Tim e a
Violeta de pelo bronze, o canavial por trás da casa bordejando o quintal, a
extensa vereda para o tanque, o limoeiro grande a meio caminho, a vacaria, a
cancela do portão onde me balançava para cá e para lá, a vereda acompanhando a
rua e por onde caminhávamos, a fim de evitar caír na lama até à paragem do
autocarro, onde todos os dias como um relógio descia o Bolas para namoriscar a
Ricarda, os homens sentados no murete do Granja, pavões lindos na quinta do
Sacramento, o click das latinhas da campanha do gás Mobil e que andavam nas mãos
de toda a gente, a mesa cheia de postais da Luzévora que todos ajudávamos a
preencher para enviar as Boas Festas à clientela, a mãe trazendo um bolo-rei
enorme dos da Pastelaria Violeta, toda a gente de roupas novas, uma vez ganhei
umas luvas de lã, vermelhinhas como sangue e que adorei e usei até ficarem
rotas, noutro Natal um blusão de cabedal herdado do Nito e que me ficava curto
nas mangas, o professor Pulga antes de irmos de férias enfeitara a sala com a
ajuda de todos nós, o Proença levara musgo para o presépio, sim esse, reformou-se
há meses da UGT, era meu parceiro de carteira, a D. Bia montara ao lado dos Reis
Magos uma mesa e repartiu um gigantesco bolo antes de irmos de férias, e pronto
já estou emocionado sou um coração de atum.
Pelo que
o melhor é aproveitar esta comoção e desejar-vos umas sinceras Boas Festas e em
especial um Ano Novo cheio de propriedades e prosperidade, e já agora pedir ao
Senhor que proteja a minha família e a Malala, e que descarregue uma maldição e
fulmine todos os talibãs e se não for pedir muito, lembra-te Senhor que nada te
peço há mais de trinta anos, por isso era só esturricares mais uma dúzia ou
duas, nada Te custaria, com o mesmo incómodo podias arrumar o Cavaco, o Marcelo, o Berlusconi,
o Coelho, o Soares, a Maria Luís, o Costa, o Marco António, o Portas, o Menezes, o Sócrates, o
Schauble, o Barroso, o Juncker. A Merkel, e a Troika ! Não esqueças a Troika Senhor que se
esta malta que me lê não vê aqui um pedido pra linchar a Troika apesar dela
não ter culpa pela nossa estupidez mata-me, como bons cristãos que são irão crucificar-me,
portanto Senhor carrega forte e feio na Troika que Te juro fidelidade até ao
fim dos meus dias Senhor !
P.S. – Perdoai-me
Senhor a arrogância demonstrada, estava possuído de rancores Senhor, só mais
uma cunhazita Senhor, aqui na minha rua poderias abençoar as vizinhas Cândida
Cerqueira e Guiomar Batarda que estão em boa idade e é um gosto vê-las Senhor,
quanto aos outros faz como entenderes, que só me estorvam e ocupam os lugares
de estacionamento, sem nenhum respeito pelo facto de eu morar aqui e até frente
à minha porta pararem quando moram a mais de vinte metros de distancia,, e nem os
cães me desviam da porta, de tal modo que desconfio virem pô-los a cagar aqui
de propósito só para me desatinarem, pelo que fico indiferente às Tuas acções
Senhor, mas esperançado que saibas fazer cair sobre eles uma chuva de enxofre
que lhes queime as pinturas dos carros e os cegue, e já é pedir pouco porque
quando olho para o que fizeste em Sodoma e Gomorra fico meditando e hesitando quanto
seria demais pedir-Te isso ou um diluvio…