sexta-feira, 23 de setembro de 2016

383 - PEGA-ME AO COLO, FAZ-ME UM DESENHO


 Notava-se-lhe a aflição, a glote parecendo subir e descer no elevador da garganta, como quem fincara uma dentadinha no fruto proibido e lhe ficasse atravessada, a maçã-de-adão, vingativa, atrapalhando-lhe o respirar, o engolir da saliva que o nervosismo miudinho lhe fazia brotar na boca e sobretudo o responder ao jornalista que, inquisidor e ameaçador lhe fazia tremer o lugar no pódio sonegando-lhe o tapete debaixo dos pés. *

Cá fora gerou-se natural burburinho e, como habitualmente o campo dividiu-se em dois, no mínimo em dois pois menos nem seria possível, cada cabeça sua sentença e com o passar dos dias múltiplas e várias soluções, versões e recomendações aparecerão, teoricamente poderão chagar aos dez milhões, já devem ter notado que para o efeito não estou a considerar os emigrados. Os que se foram não aguentaram tanta democracia, tanta gente opiniosa e palavrosa, não suportaram aguardar que se cumprissem tantas potencialidades que este lindo país encerra. É gente que não está para conversas, será gente mais de fazer que de discutir, ou reflectir, ponderar, decidir, pensar, resolver, determinar, concluir, deliberar, sentenciar, dispor, optar, preferir, preterir, escolher, separar, gente muito diferente de nós que gostamos sobretudo de aprofundar, improvisar e em conformidade, concomitantemente, agir posteriormente em cima do joelho, com calma e ponderação, sem pressas, a pressa todos o sabemos, é inimiga da perfeição. Em fim, gente que estará melhor lá fora, é gente com quem não se pode manter uma conversa que não a queiram logo dar por acabada, gente sequiosa por chegar a uma solução, a uma conclusão, a um entendimento, coarctando cerce qualquer prolongamento de aprazível diálogo pela raiz. 

Efectivamente não há nada melhor que uma boa conversa, pena que muitos não a consigam ou saibam desenvolver com a devida perfeição, infelizmente há ainda pessoas, e muitas, que não sabem conversar. Não significa que não o façam, fazem-no contudo com todas as dificuldades, perdas (não percas, a perca é um peixe) e desvantagens de não se elevar a conversação ao supra sumo das suas potencialidades, fazendo-o as pessoas, fazendo a conversa, caminhar aos tombos, aos encontrões e aos trambolhões, como se tivessem chegado a um bazar após atravessado, a custo, um largo de foliões e dançarinos acotovelando-se para depois, no bazar, nos atirarem rifas, que são por natureza todas igualmente enroladinhas, fechadinhas e iguaizinhas, como as conversas que puxam, e enroladas como as frases que atiram ao ar para depois rolarem por ali aos tropeções como os carros com dificuldades no arrancar e que o fazem aos soluços.

Para além deste óbice muitas vezes também não sabem ouvir, nem escutar, comummente atalham-te ainda tu tens a pergunta a meio, tentando antecipar a resposta, falhando-a cristalinamente claro, isto quando apesar de te deixarem acabar ou formular a pergunta completa, não enveredam por absurdas derivações;

- E hoje ? que pensa o meu amigo fazer hoje em relação a isso ?

e ao responderem-te, em vez do isso ou do fazer, optam pelo hoje e pelas imensas possibilidades p’lo hoje abertas, se fará sol ou chuva, calor ou frio, se haverá nevoeiro ou nuvens, desmultiplicando-se estas últimas por mais um conjunto  de variáveis de dispersão, de escape ou de fuga oferecidas pelas alternativas de nimbos, cúmulos, cirros ou estratos.
 
Por que motivo ou razão o fazem daria azo a uma catrefa de estudos específicos ou transversais, a que não seria alheia, em caso nenhum, a superficialidade de que tudo hoje se reveste para todos, ou quase todos, ou uma grande maioria, que tudo tocam pela rama sem na realidade tocarem coisa nenhuma.

O comodismo, mas sobretudo a ignorância ditam as leis e campeiam, e, se dantes era difícil levantá-los da cadeira pra irem junto da estante sacar de um dicionário, abri-lo, procurar até por fim encontrarem o tal vocábulo redondo que lhes estivesse atravessado na garganta, hoje, com uma miríade, resmas, paletes de dicionários online, virtuais, à distancia de um clique, nem se incomodam, é tão fácil que nem vale a pena o esforço e, se é fácil não terá valor algum pelo que nem valerá a pena o incómodo da consulta, confirmando- se assim as razões de Arturo Perez-Reverte que, numa recente entrevista desabafou:

- ... A Europa da liberdade morreu. O Ocidente vai perder a guerra com o Islão. Já não há homens brilhantes, e os escritores não têm nada para contar...

efectivamente confirma-se o percurso que o ser humano trilha desde a pré-história, de trogloditas fomos paulatinamente evoluindo para senhores e escravos, bárbaros, servos, cidadãos, estando hoje a processar-se e a confirmar-se a nossa qualidade de consumidores, materialistas, e no caso português sobretudo o de contribuintes. Para além de contribuintes e consumidores a actual geração é caracterizada em pleno por alheados ou alienados, no amplo e plural sentido a este último vocábulo atribuído.

Voltando à vaca fria, estamos perante uma população que não sabe conversar, na maioria das vezes nem conversa, antes desconversa. Não fala, não pergunta, nem sei onde aprenderá tudo, ou se nem aprende nada… Magote, mole ou turba que não sabe falar mas que também nem sabe ouvir, que não procura respostas nem ao menos saberá fazer as perguntas ou tão pouco que perguntas fazer. Já devem ter reparado que este blogue não é para toda a gente, se está entre os meus leitores, se continua meu leitor dou-lhe os parabéns, não estou aqui para facilitar a vida a ninguém, este blogue é elitista, elitista no sentido de que coloca alta a fasquia e não alinha pelo facilitismo tuga. Poderemos ser poucos mas certamente somos bonzinhos. Pelo menos tenho-me nessa conta, não sou modesto pois há muito me disseram que a modéstia e a humildade me ficavam mal e sei por experiência própria que quanto mais a gente se baixa mais o cu lhe aparece…

Devido aos factos assinalados o país está encalhado, e dificílimo será encontrar solução para tão profundos males. Há quarenta anos ainda se olhava para o país e para quaisquer problemas procurando para eles soluções totais, globais, soluções que tivessem em conta todos nós, hoje a democracia permite-nos várias visões e perspectivas, diversificados ângulos de observação, escutar diferentes sensibilidades, ouvir uma multiplicidade de soluções sendo que nenhuma responde convenientemente à questão, ou à pergunta, pois ninguém se atreve a aflorá-la sequer, nem a medo quanto mais em voz alta, do que resulta ser parida uma qualquer solução em função de interesses escamoteados, disfarçados, camuflados, que nada resolvem a não ser a ambição de uma classe, uma categoria, um grupo, uma ideologia, um partido, tornando não raras vezes o problema ainda de maior dimensão do que aquela que tinha antes de para ele ser buscada e encontrada qualquer solução.

É nisto que dão os escapes, as fugas, a dispersão e sobretudo a desatenção ao cerne das questões, o abandono da interrogação, da pergunta, da conversa. Urge que os programas escolares do básico ao secundário e sobretudo ao superior sejam repensados e neles incluída uma disciplina de conversação, uma nova propedêutica abordando a lógica, a retórica, a sofistaria, a dialéctica, a gramática, a maiêutica, revolucionando-se a didáctica e a pedagogia, contornando a demagogia e a mania deste pessoal andar sempre com os cornos no ar, desatento de tudo, incapaz de pensar, de reagir, de agir e de avançar.

O país não está somente parado no tempo, regride, regride no campo económico, social, cultural, politico e a continuarmos assim não tardará que a moca e o fogo voltem a ser para nós os principais instrumentos do dia-a-dia, a par evidentemente do urro, do grunhido, do grito, do monossílabo, do vocábulo, redondo ou não… 



* Glosando a entrevista ontem ou anteontem dada por Mariana Mortágua à TVI