MARCHA A RÉ
Olha, voltaram para trás,
separaram-se,
talvez por se lhes ter acabado a gasolina.
Não, não terá sido disso a culpa, o motivo,
dizem que se lhes acabara a poesia,
que já não iam beber à mão um do outro.
O romance terá chegado ao fim, assim mo garantiram,
ainda assim foram mais de trezentas páginas.
Terão passado a ver o mundo de uma outra maneira,
um problema de perspectivas,
um desembestado ladeira abaixo,
outro suando as estopinhas ladeira acima.
O mundo é o mesmo, os olhos é que serão outros,
ou o mirante,
ou o explicador,
dantes,
ele por vezes pintava-lhe as paisagens para melhor lhas
explicar,
e ela bombardeava-o com perguntas para melhor o entender,
ou vice – versa.
Alguém estranhara a reviravolta nas cadeiras da varanda,
de uma passaram a duas,
e nunca mais um no colo do outro, navegando,
nunca mais as mãos engalfinhadas, as bocas coladas,
uma segredando na outra, nunca mais as línguas às cegas,
titilando.
Depois foi tudo muito rápido,
para um a Estrela Polar, para outro o Cruzeiro do Sul.
Nem jamais alguém voltou a vê-los passar,
mirando a abóboda
celestial, cantando e assobiando,
nem sequer entrando juntos na igreja para orar.
O Registo tomou nota da ocorrência e promulgou os éditos,
e de novo eles, lépidos, buscaram demonstrar a nova
liberdade,
ora envergonhados, escondendo-lhe o peso,
ora ocultando grilhetas ao facto consumado,
a esperança atrofiada por anos e anos de inutilidade,
é o que faz não dar uso
às coisas.
E a saudade, a saudade que mina um e outro,
não esqueçamos a saudade dos velhos e dos mesmos fados,
tenho-lhos ouvido de novo na grafonola…
Évora 28 de Setembro de 2016, por Humberto Baião.