sexta-feira, 4 de novembro de 2016

394 - CONFISSÕES DE TRAVESSEIRO .....................

  
Agarrara-se a ele ainda antes de estender a mão para o interruptor do pequeno candeeiro sobre a mesinha de cabeceira, agarrou-se a ele e apertou-o contra si e, na escuridão em que o quarto mergulhara submergiram ela e os seus devaneios. Talvez devêssemos dizer fantasias, pois que o abraçou com euforia e riu como uma criança enquanto cruzava sobre ele as pernas e o abraçava como a um ursinho de peluche gigante que tivera em menina, ou como quem vive uma paixão verdadeira. Tempo e sonhos foram-se dilatando com a escuridão e derramando na cama, agora mais quente, memórias de sonhos passados mas também visões de ilusões futuras em que, abraçados, trocava beijos, umas vezes roubados outras dados ou oferecidos com a sofreguidão piedosa de uma crente ofertando coração, espirito e alma ao seu Senhor, visões sendo por ela alimentadas com um desespero cada vez mais inquietante.

Amo-o, amo-o muito, não quero viver sem ele, é tudo para mim, nem saberia já viver sem esse querer, quero viver assim, como num sonho, como acredito ser possível, como desejo e quero, muito, quero ser dele, eu serei dele e ele meu a vida inteira, o resto das nossas vidas, enquanto Deus nosso Senhor quiser. O amor é maravilhoso e a paixão um milagre, estou apaixonada, louca, estou louca, louca de felicidade, louca de ansiedade, tenho que controlar-me ou ainda fico sem cabelo, já nem sei se me cai se o arranco para me convencer que estou acordada, viva, e de que tudo isto é verdade.

E, desvairada, encantada e embrenhada nos seus próprios sonhos, dava asas às fantasias criadas abraçando-o, enlaçando-o com as pernas, beijando-o, fazendo-o rodar consigo para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo, recusando acordar de tão vívido sonho, sonho que um dia passaria à história, deixaria de ser fantasia e seria realidade pura, pura e crua, tão pura e tão crua quão a Santíssima Trindade e a verdade.

Mais que uma vez se sentira arrebatada e desfolhada pelos dedos brandos dele, macios, finos e ágeis, atrevidos, penetrando-lhe os pensamentos, os sonhos, separando-a calma e docemente pétala a pétala, bem-me-quer, bem-me-quer, bem-me-quer, e, por cada pétala um estremeção, um ranger de dentes, ânsia, sofreguidão, volúpia, desejo, ambição, urgência.

Minutos depois do tsunami a bonança, um leito revolvido pela retoiça agora pleno de flores, de pétalas, a respiração retornando-lhe ao normal, o sonho dissipando-se lentamente qual nevoeiro em manhã primaveril, o lençol reclamado para cobrir o corpo nu, suado, molhado, abandonado a si mesmo, encantado ainda, vívido ainda, ela bocejando languida, cruzando as pernas, segurando em si a paixão, retendo o instante, ouvindo-se, sentindo a pulsação devolver-lhe a baixa-mar, a calma volver e, como refluxo da maré deixando na areia da praia rolos de espuma salgada, assim ela se encolhia saboreando a espuma dos dias, fantasiando, sonhando, não já delirando mas antes adormecendo exausta, cansada daquela fugaz agitação ora ultrapassada, tremores e rangeres de dentes esquecidos, ele esquecido.

Ele esquecido para logo lembrado de novo aconchegando-lhe o dormir, ajeitando-a na conchinha para onde a puxara, afagando-a dos cabelos às coxas, deixando que no escuro a mão lhe percorresse as formas ao sabor do mágico encanto que a tolhia, por isso as sentindo deslizando em si, descendo à cintura, subindo a anca como quem, aproveitando o declive duma descida toma embalagem para subir. Talvez fosse inverno, talvez ele sentisse frio porque a mão, agora entre as coxas, procurando o calor como se no inverno e se chegasse ao braseiro quando toda eu, o meu corpo inteiro em ebulição, tal qual café aquecendo na cantarinha de barro junto às brasas com a fervura erguendo-lhe o testo, eu agitando-me alvoraçada e aquela mão atrevida tocando-me, acariciando-me, eu conturbada, eu num completo desassossego, em efervescência, a espuma escorrendo já p’la enfusa como algo entornando, extravasando, espumando, eu uma pucarinha e havendo coisas que eu não quereria era acordar agora, agora não, isto é química entre nós, química perfeita, pura, magia, e acordar é que eu não quero, é química, é ebulição, é fervura, é sensação, é o principio de tudo, é excitação, não pares, é bom, sim querido, não, acordar não, agora não, acordar é que eu não queria, agora queria tudo, todo, tu todo amor querido, tudooooooooooooooo !

Ooooooohhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh !!!!

Acordar não ! Não ! Não e não !

Oh ! É o travesseiro ! Não ! Não ! Não !