Agarrara-se a
ele ainda antes de estender a mão para o interruptor do pequeno candeeiro sobre
a mesinha de cabeceira, agarrou-se a ele e apertou-o contra si e, na escuridão
em que o quarto mergulhara submergiram ela e os seus devaneios. Talvez
devêssemos dizer fantasias, pois que o abraçou com euforia e riu como uma
criança enquanto cruzava sobre ele as pernas e o abraçava como a um ursinho de
peluche gigante que tivera em menina, ou como quem vive uma paixão verdadeira. Tempo e sonhos foram-se dilatando com a escuridão e derramando na cama, agora
mais quente, memórias de sonhos passados mas também visões de ilusões futuras em que,
abraçados, trocava beijos, umas vezes roubados outras dados ou oferecidos com a
sofreguidão piedosa de uma crente ofertando coração, espirito e alma ao seu
Senhor, visões sendo por ela alimentadas com um desespero cada vez mais inquietante.
Amo-o, amo-o
muito, não quero viver sem ele, é tudo para mim, nem saberia já viver sem esse
querer, quero viver assim, como num sonho, como acredito ser possível, como desejo
e quero, muito, quero ser dele, eu serei dele e ele meu a vida inteira, o resto
das nossas vidas, enquanto Deus nosso Senhor quiser. O amor é maravilhoso e a
paixão um milagre, estou apaixonada, louca, estou louca, louca de felicidade,
louca de ansiedade, tenho que controlar-me ou ainda fico sem cabelo, já nem sei
se me cai se o arranco para me convencer que estou acordada, viva, e de que tudo
isto é verdade.
E,
desvairada, encantada e embrenhada nos seus próprios sonhos, dava asas às fantasias
criadas abraçando-o, enlaçando-o com as pernas, beijando-o, fazendo-o rodar
consigo para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo, recusando
acordar de tão vívido sonho, sonho que um dia passaria à história, deixaria de
ser fantasia e seria realidade pura, pura e crua, tão pura e tão crua quão a Santíssima
Trindade e a verdade.
Mais que uma
vez se sentira arrebatada e desfolhada pelos dedos brandos dele, macios, finos
e ágeis, atrevidos, penetrando-lhe os pensamentos, os sonhos, separando-a calma
e docemente pétala a pétala, bem-me-quer, bem-me-quer, bem-me-quer, e, por cada
pétala um estremeção, um ranger de dentes, ânsia, sofreguidão, volúpia, desejo,
ambição, urgência.
Minutos
depois do tsunami a bonança, um leito revolvido pela retoiça agora pleno de
flores, de pétalas, a respiração retornando-lhe ao normal, o sonho dissipando-se
lentamente qual nevoeiro em manhã primaveril, o lençol reclamado para cobrir o
corpo nu, suado, molhado, abandonado a si mesmo, encantado ainda, vívido ainda,
ela bocejando languida, cruzando as pernas, segurando em si a paixão, retendo o
instante, ouvindo-se, sentindo a pulsação devolver-lhe a baixa-mar, a calma
volver e, como refluxo da maré deixando na areia da praia rolos de espuma
salgada, assim ela se encolhia saboreando a espuma dos dias, fantasiando,
sonhando, não já delirando mas antes adormecendo exausta, cansada daquela fugaz
agitação ora ultrapassada, tremores e rangeres de dentes esquecidos, ele
esquecido.
Ele esquecido
para logo lembrado de novo aconchegando-lhe o dormir, ajeitando-a na conchinha
para onde a puxara, afagando-a dos cabelos às coxas, deixando que no escuro a
mão lhe percorresse as formas ao sabor do mágico encanto que a tolhia, por isso
as sentindo deslizando em si, descendo à cintura, subindo a anca como quem,
aproveitando o declive duma descida toma embalagem para subir. Talvez fosse
inverno, talvez ele sentisse frio porque a mão, agora entre as coxas,
procurando o calor como se no inverno e se chegasse ao braseiro quando toda eu,
o meu corpo inteiro em ebulição, tal qual café aquecendo na cantarinha de barro
junto às brasas com a fervura erguendo-lhe o testo, eu agitando-me alvoraçada e
aquela mão atrevida tocando-me, acariciando-me, eu conturbada, eu num completo desassossego,
em efervescência, a espuma escorrendo já p’la enfusa como algo entornando,
extravasando, espumando, eu uma pucarinha e havendo coisas que eu não quereria
era acordar agora, agora não, isto é química entre nós, química perfeita, pura,
magia, e acordar é que eu não quero, é química, é ebulição, é fervura, é
sensação, é o principio de tudo, é excitação, não pares, é bom, sim querido,
não, acordar não, agora não, acordar é que eu não queria, agora queria tudo,
todo, tu todo amor querido, tudooooooooooooooo !
Ooooooohhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
!!!!
Acordar não !
Não ! Não e não !
Oh ! É o
travesseiro ! Não ! Não ! Não !