Foi
ansiosamente aguardada. Todo o meu mundo durante muito tempo girou em volta dessa
espera. É verdade que quem espera sempre alcança, mas o tempo, que não passava,
e a situação, que nem atava nem desatava. Nunca imaginei que a espera pudesse
ser desesperante, ou quase.
Os meus
estados de alma alternavam entre o júbilo, a alegria pelo momento aguardado e a
tristeza pelo lento evoluir do tempo, esse tempo que quanto mais desejado mais
intolerado se tornava. Eu andava já stressada, eléctrica umas vezes e cansada outras,
de tanta energia colocada nas coisas, em tudo. E o tempo, e a demora demolindo
as minhas resistências.
Sou
ágil a pensar e a agir, mas nessa situação, impossível de controlar, tornei-me
mesmo agressiva, insuportável, quando não precipitada. Nem as primeiras chuvas,
nem o cheiro grosso a terra molhada, realidades que normalmente depositam no
meu espírito, como rios extravasando os leitos, um aluvião de paz, me cercearam
a emoção vivida. Uma emoção profunda e velha de tanto usada e abusada.
Momentos
houve dando por mim intolerante para com o cheiro das flores, os ornamentos, os
livros e os discos, e então, nessas poucas e raras vezes, tombei combalida,
soturna e infeliz por não chegar esse momento tão ansiosamente aguardado. Na
sala todos os móveis me pareciam taciturnos e austeros, escuros. E eu a
distanciar-me de mim mesma, numa tentativa de me alhear de toda a situação,
absorta na espera e no desespero. E o tempo sem se apressar, parecendo desejar
irritar-me, passando em passinhos pequeninos, eu procurando não chorar, aferindo
vezes sem conta relógios e calendários, cujas horas e folhas iam caindo de
maneira compassada, regular, demasiado tarde para a minha pressa, para a minha
ânsia, para a minha circunspecção.
Eu
procurando dominar-me e às circunstâncias, eu a inflar-me de calma e cerimónia,
enchendo-me de salamaleques para com as amigas e vizinhas, numa sofreguidão de
empatar o tempo e esconder a mágoa difusa e inequívoca que não esquecia um
momento sequer. Os físicos embirrando comigo, que tudo estava bem, sob
controlo, no tempo próprio. E mostravam-me provas e exames, eu alheia a tudo
aquilo mirando constantemente o calendário do relógio e fazendo contas de
cabeça, enquanto por civismo e deferência debitava frases óbvias, fórmulas de
ocasião, odiando-os por terem razão, olhando-os de soslaio e atirando-lhes
críticas pensadas por não me enganarem, por não me iludirem, por não me
mentirem.
Era
errado pensar assim, mas animava-me, trazia-me um conforto sem alívio, e eu,
num débito de reconhecimento e consideração sorria-lhes e agradecia-lhes,
concordando.
Um dia
houve que após a chuva, manhã alta, ergueu-se uma bruma colada à terra, imersa
nessa névoa, enterrei nela a minha solidão e tristeza. Coisa pouca, o ritual de
cerimónias instalou-se de novo mal saíram os primeiros sinais de um sol quente,
afastando as nuvens. Voltei ao formalismo de um funcionário do ministério dos
estrangeiros, diplomacia a quanto obrigas, corri as cortinas mas a bruma não
voltou, a névoa não voltou, nem me cegou nem fez esquecer. O coração voltando
ao ritmo acelerado que se tornara norma, descompassadamente, indiferente à
devastação que ele e a espera talhavam em mim.
A
espera, essa terrível evidência de que nenhum recurso me podia livrar e que
tive, uma vez mais, de admitir sem contestar, sem protestar, prostrada já ante
uma natureza imutável que nunca lograria alterar. Aceitei os factos, foi como
se me deixasse conduzir por mão amiga, impregnei-me de uma solicitude afectuosa
e, de quando em quando, passava por baixo das narinas um lenço embebido em
água-de-colónia.
Lembro-me
de, por vezes sentir frio em pleno verão, um frio enorme dentro de mim como se
fora de gelo, o estômago sempre contraído, eu apertando as mãos junto ao peito.
Colocava então um casaco sobre os ombros, acendia um pauzinho de incenso e
esperava. Esperava que o tempo que não passava passasse, que fosse já amanhã, a
semana, o mês seguinte, sentava-me no sofá, a minha gatinha no colo, e
adormecia com essa esperança que nos desespera.
Finalmente
chegou o momento ! Todas e todos corremos acossados para ver o milagre !
Fizemos de magos, telefones e telemóveis tiniram e surgiu ouro, incenso, mirra.
À nossa frente o milagre, buscando a mama na avidez da vida, muito cheiinha e
muito bonitinha, cabelo escuro, comprido, como as mãos e os dedos, olhos
pequeninos perscrutando a existência, a novidade, a beleza de ser.
Os pais
chamaram-lhe Leonor, e eu tornei de novo a ser quem era.
* Escrita numa
quinta-feira, mais precisamente a 19 de Outubro de 2006, às 15:48:13 e publicada por esses dias por
Luísa Baião na coluna Kota de Mulher, Diário do Sul – Évora