O meu filho tem dois cães muito meigos muito giros que,
volta não volta me pede para acolher, como de netos se tratasse e sempre que o
momento o impeça de os levar com ele. Como adoro os ditos cujos e a coisa vem a
desejo, nada me importo com isso, mau grado o tamanho dos mesmos, assim para
burro, mas um enlevo.
Calhou-me em sorte
guardá-los no dia em que vim de férias e pelo fresco da noite saí com o meu
marido, cada um com um p’la trela, ele c’o cão, eu c’a cadela. Como a noite
estava fresca pisámos o jardim das canas e à boleia de lérias trocadas com
alguns amigos rumámos à praça grande na mira das esplanadas. Entretida na
conversa não me apercebi a tempo que o meu marido chamava e que a cadela,
apressada, resolveu logo acudir. Dá-me tal puxão na trela, qual locomotiva em
marcha, que me estatelou no chão onde sem eu saber como acabei por me ver
estendida e, como devem calcular, c’a dignidade ofendida.
Embora tal não me alivie
não fui nesse dia a única a ver-me estendida ao comprido, assim jazia também o CIEA,
Centro de Inovação Empresarial do Alentejo. Nessa mesmíssima tarde e ao pôr
em dia a escrita quanto à leitura de jornais reparei que, sem quaisquer
propósitos, publicara o Diário do Sul a quinze do corrente, páginas centrais,
16 e 17, três notícias que o acaso alinhou e me levaram a esta singela
conclusão acerca da qual vos convido a dedicar cinco minutos de meditação sobre
o nosso fatalismo e o tempo que entenderem de requiem por todas nós,
alentejanas e eborenses.
Numa dessas notícias
afirma-se que mais de 50.000 empresas portuguesas se encontram neste momento em
risco de falência, vinte por cento do total nacional, reportando ao mais
recente inquérito promovido pela AIP. Outra, em caixa, colocava a nu o facto de
a distribuição total do rendimento em Portugal ser a que apresenta maior
disparidade entre os países membros da CEE, o que faz de nós os campeões da desigualdade,
com os portugueses mais ricos a ganhar quinze, quinze vezes mais que os
compatriotas mais pobres !
A última, bem, a última
era a que nos dizia directamente respeito pois se tratava de uma convocatória
do CIEA para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária, com um único
e curioso ponto na ordem de trabalho; “a dissolução”, pura e simples, assim sem
mais nem menos, a frio, de tal modo que apesar do calor que se tem feito
sentir, estremeci com um arrepio.
Lembro-me ainda quando o
mesmo Diário do Sul, há uns anos, publicitou a constituição desta instituição
que julguei, como os seus estatutos então divulgaram, ser a chave, o motor, a
alavanca sinergética do que nos faltava e infelizmente continua a faltar. Esperei
que dessa vez fosse de vez e que em harmonia com outras instituições de que a
cidade se orgulha, como a SODERA, o NERE, a UNESUL, a Associação Comercial do
Distrito de Évora, o ODA, Observatório do Desenvolvimento do Alentejo, (se
esqueci algumas, que me desculpem o lapso), a coisa fosse mexer, andar, que é
como quem diz, desenvolver-se, assumir, como os estudiosos gostam de afirmar;
“massa crítica” que permitisse quebrar a “inércia” detectada, a diagnosticada
aversão ao risco, a ausência de espirito empreendedor. Enfim, tive esperanças
que dessa vez estivessem completos os ingredientes necessários ao tão
prognosticado caldo de cultura empresarial de que Évora carecia, e carece.
Temi então que os meus
desejos não passassem de boas intenções, sabido como tudo se move tão lentamente
por aqui e acreditei que dessa vez seria a vez de Évora, podem pois acreditar
quanto lamento e desilusão essa
convocatória me provocou. Embora não faça parte do número de associados do
CIEA, como eborense desejo fazer saber e sentir quanto lamento o desmembramento
deste Centro de Inovação e de estudos, cujo trabalho não consegui acompanhar
mas que a exemplo das outras instituições acredito ter sido esmerado e
particularmente profícuo.
Não é justo que se
iludam os eborenses, que não lhes sejam dadas condições para o seu próprio
desenvolvimento, que se lhes tolham os meios de assumpção da sua realização.
Este não é mais que um triste exemplo de como as boas intenções não faltam, nem
chegam...
Se a minha vontade
esmorecesse a cada contrariedade, há muito não estaria viva, por um lado, ou os
projectos que abracei teriam atrofiado, por outro. È preciso teimar e querer...
para vencer.
* Escrito por Luísa Baião numa quarta-feira, 23 de Julho de 2003, pelas 13:35h e publicado por esses dias na coluna Kota de Mulher, Diário do Sul, Évora.