WAFERS
O meu amigo Seromenho falara-me num tal Alvin Toffler,
não, não são bolachas, era qualquer coisa da sociedade
aberta,
coisa duma terceira vaga, duma vaga avassaladora,
a modos que duma sociedade mais desperta, democrática,
um choque do futuro, uma surpresa,
se não era isso era parecido, porque foi seguido,
por uns tais Peter Drucker and Ludwig Mises,
seguido ou antecedido agora não vem ao caso,
houve o H G Wells, da guerra dos mundos,
houve ainda um George Orwell que,
como em qualquer drama que se preze meteu uma dama ao
barulho,
uma tal "Nineteen Eighty-Four" a quem,
como fizeram com o Mao Tsé-Tung, mais conhecido por 971,
deram um número, acho que o 1984 porque foi com base nele
que,
um precipitado amante das artes do teatro e de duas
camélias,
nem sei se uma delas seria Ofélia quanto mais a outra,
um camelo ia eu dizendo, ou um caramelo,
um caramelo mais precipitado que desorientado confundiu as
datas e,
meteu-se a fazer história antes do tempo,
em 1974 imagina o desiderato, claro que falhou,
claro que nunca mais ninguém conciliou o que ele tanto quis
conciliar,
nem os tais nove da prova provada,
que a coisa não foi lá nem com a dinâmica de grupos,
mais um desastrado ignaro digo eu, um estratega disseram
outros,
a modos de arremedo e gozo do que eu afirmara.
Só sei que as coisas nunca mais foram o que eram,
aquilo foi democracia a mais, aquilo quero dizer isto,
overdose puxada,
ainda estamos a pagá-la e vamos pagar durante muito mais
tempo,
isso mesmo tempo, pois foi a propósito disso que meti o
bedelho,
lembro que falo do tempo, pois depois veio um Xico Esperto,
mais um,
a história abarrota deles,
este era um tal Fukuyama ou lá como é que ele se chama,
veio apregoar o fim da história, mais um precipitado,
a anunciar o fim das guerras no mundo,
bastou algures ter caído um muro para lá vir ele,
talvez por já termos tido Hiroshima, Nagasaki e Chernobyl,
ao certo sei apenas que com ele foi a vez de Fukushima,
mas já me estou a alongar e ainda nem vou no princípio,
isto é assunto a tratar com pinças à mesa do café,
é história mundial, eu posso lá perdê-la,
quero dizer perder a história natural.
Vou levar a bike, a pen e um maço de guardanapos de papel,
a coisa promete, e eu adoro escrever nos guardanapos,
e tu tem um bom dia que eu estou inspirado,
e não quero ficar aqui encalhado,
um bom dia para ti e a mim que não me falte a verve,
deixa-me ir espreitar a água que já ferve,
hoje é um Pensal bem feito, com torradas,
doce de figos, queijo do “Galhofas”
e pão de trigo do “Aqui Há Pão”
bom proveito.
Eu dissera que não tinha acabado pá !!
eu fui só tomar o pequeno almoço pá !!
Claro que entretanto aproveitei e fui ao café, almocei,
dormi a sesta,
e agora estou à pressa para ir lanchar, mas antes deixa-me
dizer-te,
que ficara de escrever sobre o Rousseau e o homem novo pá !!
Faltou ali e falta aqui o homem novo pá, ficaram só os selvagens,
ou ainda não topaste a marosca em que nos andam a marinar ??
Mas voltando à vaca fria, a coisa prometia dizia eu,
e prometeu, pois mal lancei a bisca,
digo o tema para debate na mesa,
logo dois se refugiaram atrás da bica,
outros tantos fingiram-se de mortos,
os três mais afastados de moucos,
e os mais próximos chegaram-se à távola,
que é como quem diz, à conversa,
tendo um deles,
um tal Crispim, que é como a Zéza, uma amiga de Bomfim,
uma freguesia de Setúbal pá, até tem jardim,
logo tentou virar o bico ao prego esse Crispim,
fugir ao tema, meter o pé na porta p’ra que não fechasse,
e mudar o percurso dos gases na retorta;
- Pois ! Prometeu !
disse ele imaculado, mostrando a todos o dente cariado,
Prometeu assim Prometeu assado,
e eu cheio de paciência para com ele,
lá tive que escalar o Olimpo a fim de trazê-lo à terra,
- Anda cá Crispim não fujas de mim, não é Prometeu é
prometeu,
pinga lá a tua gota no alambique e cala-te,
que o tema não é o fogo eterno e sim o fogo dos infernos,
ou invernos,
o invernoso buraco em que a seita nos meteu,
ou és ateu ?
Assim mesmo, um buraco, um abismo,
e o outro é que era um malandro,
o outro é que nos privava da cultura,
o outro é que se aproveitava da nossa ignorância,
e agora os democratas gabam-nos a inteligência, o espirito,
o intelecto, a instrução, o saber, o apuro,
e no entretanto chulam-nos sem pudor, claro,
claro ou escuro, tiram proveito da nossa estupidez,
que é como quem diz, exploram-nos sem igual na história,
c’o pessoal agora é todo QI a mais de 120,
e Galaxy’s
Big Super Plus,
o que explica muita coisa,
para não dizer que explica tudo.
A nossa pobreza, por exemplo, da do espirito à de capital,
o capital esse grande mal,
essa hidra c’Abril abatera e que tem vindo a erguer-se,
a pobreza, esse outro animal que alimenta muita gente,
disse uma vez uma voz feroz,
num auditório onde nenhum de nós usou contrariá-la,
ou admiti-la, admiti-la a ela, à pobreza. *
Foi então que o Olímpio saiu à liça,
com o direito ao trabalho e à preguiça,
os direitos adquiridos, os contratos honrados,
o direito à existência, à pobreza, à caridadezinha,
aos rendimentos mínimos e ao conforto máximo,
que lhe propicia a sociedade que ele mesmo vigia,
que estuda, e,
por telemetria, capta o que lhe parece ser do seu interesse,
desde que tal não colida com as benesses que acha que merece.
A verdade é que esta democracia está a matar-nos,
fica-nos curta nas mangas e custa os olhos da cara,
tanto sábio e tanto democrata hão-de rebentar com isto,
são centenas de cabeças, milhares de opiniões,
para de seguida nos quedarmos aos trambolhões,
e andarmos, década após década, inda jogando a feijões,
felizmente aqui há democracia e direitos adquiridos,
coisa sem igual na história deste nosso Portugal,
onde se finge que mexe para afinal ficar tudo na mesma,
como a lesma,
Portugal dos contentinhos, dos pequeninos,
dos inteligentes, dos espertinhos.
E aí temos o homem novo, o português do subsídio,
o subsídio-dependente, o emigrante, o precário,
o descontente, o recalcitrante, o protestante,
o católico acomodado, o democrata atrofiado,
o socialista oportunista, o capitalista enriquecido,
o Zé Povinho de novo esquecido,
ai Portugal que se não existisses terias que ser inventado.
E eu ? Onde ia eu ?
Ah ! no homem novo ! o português suave,
o homem novo que me fugiu, que se cagou nisto,
e não me digas nada ó Evaristo,
que há escravos na Vidigueira,
ladrões de frangos na pildra da Carregueira,
milionários com residência fixa na Reboleira,
ex. primeiro ministros c’a folha feita,
e um povo burro e tolo que não joga com o baralho todo.
E eu ?
eu quero que vão todos para o caralho,
eu quero que vão todos para o caralho,
tenho coisas p’ra fazer, coisas com que me entreter,
abrir uma garrafa de reserva por exemplo,
pôr a mesa e jantar,
lá vai a Marina dizer de novo que só penso em comer,
o que vai ser ?
o que vai ser ?
sopa de cebola e alho, que rima e é boa para a gripe **
pois nada mais há a fazer, é rezar e esperar;
“ povo corrompido e pouco nobre, agora com o juízo curioso
tanto no rico, assim como ao pobre, incrível o que pode o vil interesse e sede
imiga, do dinheiro, que a tudo e todos obriga e que, a troco do metal luzente e
louro, rende munidas fortalezas; faz trédoros e falsos os amigos; nobres faz
fazer vilezas, corrompe virginais purezas, sem temer de honra ou fama alguns
perigos; e deprava às vezes as ciências, abandonando os juízos e cegando as
consciências “ (Adaptação parcial do final do canto VIII dos Lusíadas).
Poema by Humberto Baião, Évora 18-01-2017, 19:40