O
que é e que força tem um braço, ou um de ferro, digo um braço de ferro, ou um abraço, que tamanho, que alcance
? Fiquei matutando nisto depois da Moura, rindo, ter dito darem os meus braços
quase duas voltas em seu redor. O efeito desses abraços já o sei, ela faz-se
pequenina, encolhe-se, de modo que o meu amplexo quase a submerge. Magrinha,
pequenina, fazendo-se leve levezinha, sente-se segura na minha conchinha diz ela, e raro será não a levar nos
braços quando tal acontece, depois, na cama larga,
mete o nariz debaixo do meu sovaco ou no meu pescoço e, fechando os olhos esconde-se.
Ficara
alegre quando a deixei ao sol na varanda, com a Cuca lambendo-se junto aos vasos de Physalis, Uva
Crisp, framboesas e morangueiros, as suas últimas coqueluches. Ela ao sol e eu
fugindo dele, mudei-me para o lado direito da fila de bancos onde o sol não
castigava inda que fosse cedo. A viagem até ao sul demoraria umas três horas, ou
mais, tempo suficiente para ficar esturrado caso não me acautelasse. Ali ia eu
embalado pelo doce balanço da carruagem, o comboio já não cantava pouca-terra- pouca-terra-
pouca-terra,
nem acusava o toque-toque do passar dos carris, pois não se ouvia, mas o
balanço ficara, seria por isso que lhe chamavam pendular ? Fosse ou não por
isso eu resistia ao balançar e à sonolência, olhos fechados, pernas esticadas,
a mente agarrada à admiração da Moura pela extensão dos meus braços, pela
extensão ou pelo aconchego, curioso é também o limite onde com ela chego, quase
quase no limits.
Campos,
vacas, ovelhas, cabras, um cão e um pastor, um pastor chamado David, reza a
história ter dado uma coça num tal Golias, um grandalhão, uma coça é como quem
diz, foi mais uma chapada psicológica, com mão, chegou-lhe as mãos à cara digo eu, porque segundo parece foi o braço que
lhe valeu, o braço, um braço comprido, a funda e uma pedra com a qual segundo testemunhos lhe vazou um olho, seria no meio da testa, teria sido, seria o gigante um
ciclope ? O certo é que o grandalhão tombou, grandes braços devia ter aquele
David, e fortes.
Sim,
que isto da força com que a pedra é arremessada depende muito dela, do seu
peso, mais que da sua forma, do comprimento da funda e naturalmente do
comprimento do braço, alavanca e fulcro, lembram-se ? A força que a funda
aproveita é a mesma que afasta os planetas que o sol segura e Newton explicou,
simplesmente física aplicada, física e pontaria, treino, a funda tornada uma
simples extensão do braço, quão extenso ? Vinte, trinta metros, menos ? De
qualquer modo mais que a lança do homem pré-histórico que teria no máximo dois
metros, dois e meio, inda assim melhor que somente o braço, um metro o braço
não ?
Melhor
que a descoberta, aproveitamento ou invenção do fogo pelo homem de Neandertal
foi a invenção do arco e da flecha, que alcance tem um braço armado com um
arco, alcance útil, certeiro, que abata uma fera, um animal, uma ave, quinze
metros ? Não seria mau não, talvez as próteses para o braço tenham começado por
aí, pela lança, pela funda, pelo arco e flecha, depois a cana de pesca, a
besta, a catapulta, a espada, menor distância mas mais prática, mais eficiente
em determinados cenários, tão eficiente que os romanos a encurtaram, tornaram
bastante curto o gládio, mais manobrável, mais mortífero, mais eficiente, mais apropriado, permitindo um melhor desempenho, incutindo maior despacho à empreitada.
Abraçada
a mim como costuma abraçar-me nunca eu seria capaz de atingir a Moura com uma
lança, muito menos com uma flecha, dificilmente com uma espada, mas com um
gládio seria trigo limpo, era só puxar a culatra atrás, perdão o braço, recuar
o cotovelo e apontar-lho, o gládio, avançá-lo e senti-lo entrando-lhe pelas entranhas,
pelo ventre macio, mole, não tem barriga a Moura, Deus me perdoe, olha para o
que me deu o sono, trespassar a Moura, não que nunca a tenha trespassado, mas
noutros sonhos, noutras aventuras, adoro aquela miúda, magrinha, pequenina,
levezinha.
É
curioso, agora que penso nisto concluo que toda a nossa evolução mais não tem
sido que um esforço enorme em estender o braço, em chegar mais longe, chegar
onde os outros não cheguem, o longo braço da lei, o braço da morte, o braço do
terrorismo, até do terrorismo de estado, a verdade é que quanto mais longo o braço mais gente morre, mais
gente morta, mais e mais depressa, mais eficientemente, com maior rentabilidade,
rendibilidade, no fundo trata-se de ser ou não ser competitivo e de fazer
render o braço, o comprimento do braço.
Os
meus braços são mais curtos mas chegam onde chegam os teus, sussurra-me por
vezes a Moura encavalitada em mim, abraçada a mim, o peito pressionando-me as
costas, aquecendo-me, mimando-me, depois na ponta do braço a mão
percorrendo-me, agarrando-me e reinando comigo, pouca-terra- pouca-terra-
pouca-terra, como se tivesse na mão um brinquedo, um comboio a vapor, até lhe
sentir o xxxxxxsssssss, como se uma válvula libertando a pressão, expelindo vapor, soprando, apitando, ela rindo, eu doida, doidinha, sim, os braços
dela chegam onde chegam os meus, os braços e as mãos, compridas, espalmadas,
magras, de unhas cuidadas, umas vezes encarnadas outras vermelhas.
O
braço da justiça, o braço da Moura, o braço do amor, o barco do amor, bem e
depois, depois da alabarda seguiu-se a pólvora, o mosquete, o canhão, o fuzil,
o rifle, a carabina, a metralhadora, o revólver, a pistola, e a tudo isto
meteram rodas, ou asas, ou meteram tudo isto num barco, num submarino, Neil Armstrong
(Nelo Braçoscompridos) o primeiro homem na lua, o comprido braço da ciência empunhando
um V1, ou V2, e Titans, e Saturnos, o meu braço é maior que o teu, mas eu mijo
mais longe, e eu mais alto, isto enquanto outros simplesmente se mijam, ou se
fodem.
Coimbra,
este comboio descendente já deve ir a meio da jornada, jornada ou caminhada, é
relativo, tudo é relativo pois foi isso mesmo que disse Einstein, e dispensou
os Armstrongs, mas não os V1 nem os V2, nem os Titans, nem os Saturnos, nem a balística,
não lhes deu asas mas deu-lhes átomos, átomos e núcleos, neutrões, neutrinos, protões,
positrões, tudo capaz de nos apertar os colhões em segundos, e agora ? Agora ou sim ou sopas, dez marcas de tabaco em
trinta segundos, quem diz marcas de tabaco diz de automóveis, ou de cervejas, estamos agarrados pelos tomates, não abraçados nem mimados, mas fodidos percebem
?
Entroncamento,
dois terços do caminho feitos, percorridos, andados, entroncamento, cruzamento, púbis,
umbigo, adoro beijá-la no ventre, liso, a pele macia, fofinha, cheirosinha,
primavera, maçãs verdes, flores, lindos campos, sol, tulipas, lírios, tulipas
não, tulipas são as que ela gosta ter à cabeceira numa jarra, numa floreira, à
mão, para me oferecer quand je arrive, quando me abraça, e só larga ao
despir-se, despe-se sempre com pressa, a correr, como se os dias, e os braços, tivessem fim…
Aproximamo-nos
da Funcheira, o comboio soluça e pára num estertor, olho pela janela os campos
reverberando, resplandecentes, a uma sombra dois cavalos, uma charrete, alguém
segura um pano, um panejão onde se lê “Damião Cosme”, sou eu, esperam-me, óptimo,
uma rodada de abraços e pomo-nos a caminho, chegarei a tempo de jantar.