No momento
crucial a Tv apagou-se e, aleatoriamente começou saltando canais, por momentos
pensei ter-me sentado em cima do comando, mas não, estava ali ao lado onde
sempre o deixo, pelo que lhe lancei a mão na esperança de repor a ordem no televisor
e não perder pitada do programa pelo qual esperava havia mais de uma semana,
uma reportagem sobre o 27 de Maio de 77 em Angola e que acabei por ver em
péssimas condições num pequeno televisor que tenho na cozinha, em cima do
frigorifico, ao qual tiro o som na hora das refeições e dos noticiários, e me ajuda
a engolir algumas noticias e uma ou outra colherada mal mastigada. Porém perdi
a melhor parte da reportagem, ainda que a tenha entendido mais ou menos, o que
nem foi difícil.
O plasma que
avariara tinha já três ou quatro anos, tinha sido uma extravagância minha, sendo
quase do tamanho de um campo de futebol, um espectáculo dispondo de quinhentos
canais. Dispunha mas já não dispõe, ao mandá-lo reparar apercebi-me que a
avaria era num deles, na placa que os controla, tendo-me o técnico dito ser coisa
fácil de reparar e barata, comum naquele modelo. Um chante ligando o canal
anterior e posterior ao avariado e a coisa estaria feita, eu que não me
apoquentasse pois ainda ficaria com quatrocentos e noventa e nove canais.
- E esse
chante não pode ser maior ?
aventei eu a hipótese, farto de
fazer zapping entre quinhentos canais dos quais alguns eram replicados mais de
dez ou vinte vezes, fiz a pergunta na esperança de resolver ali esse outro nada
pequeno problema.
- Poder ser pode, é só prolongar
mais o fiozinho de solda do chante que percorrerá o circuito integrado, mas não
ganha nada com isso, bem, olhe, mais caro também não lhe irá sair, aqui o
freguês manda e o mestre diz que se deve albardar o burro à vontade do dono,
ok, será feita a sua vontade, passe cá logo pelo fim da tarde.
Agradeci,
solicitei então que fossem retirados quatrocentos canais, os cem ou noventa e
nove que ficariam chegariam e sobrariam, seria até uma grande felicidade e maior
gozo me proporcionaria. E cá está ele o belo e o bom plasma funcionando às mil-maravilhas
e agora mais acessível e prático, tudo por uns meros quinze euritos.
Perdera mais,
ou custara-me mais ter perdido parte da reportagem embora nada do que ela focou
tivesse sido novidade para mim, ao fim e ao cabo a minha preferência e simpatia
pelo MPLA terminara em 78, muito antes de findado o período negro que acabaria
somente em 79, muito cedo me apercebera haver quem, para se manter no poder
lançasse mão de todos os instrumentos e os fins justificassem os meios, como
tal não admira que os resultados do massacre e os seus ecos cedo tivessem
chegado até mim e me tivessem atingido, pois nele vi desaparecer dois parentes,
ainda que não muito chegados. (a imprensa avocou cerca de 40.000 vítimas).
De qualquer
modo os sms que nos últimos dias me
têm feito chegar, as mensagens recebidas, as opiniões observadas, discutidas e trocadas,
levam-me premonitoriamente a pensar estarmos perante um iminente episódio
desses, uma vez mais destinado a manter no poder uma classe, uma casta, uma
etnia, um clã, no caso uma família, já assim fora quando do massacre de Outubro
de 92, em que no espaço de três dias, foram assassinados em Luanda milhares de
apoiantes da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) e da
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), pensa-se que terá havido dessa
vez umas 20.000 vítimas. Parece estar a tornar-se um hábito, sempre que o poder
tremelica o MPLA despoleta uma purga…
Bastará que o Zé Eduardinho se fine, bata as botas, a transição não foi
preparada, o regime está podre de corrupto e caindo por todos os lados, os
mecanismos democráticos não estão nem foram preparados para agir apesar dos supostos
quarenta anos de democracia, na eventualidade que se avizinha vai ser cada um
por si, todos ao molhe e fé em Deus, tal qual aprenderam connosco. O que me
falha, por há décadas não ser um operacional é uma avaliação do poder militar e
da força da UNITA e da FNLA, ou as apreensões que a Africa do Sul alimente
ainda que tenha a Namíbia como tampão de segurança, ou os temores de contágio da
Zâmbia e as ambições do Congo que têm com Angola fronteiras directas.
Com Angola
desestabilizada por uma luta intestina pelo poder esses reflexos estender-se-ão
por toda a Africa, central e do sul, e a norte, no enclave de Cabinda (petróleo)
a sua Frente de Libertação endurecerá a luta armada de libertação contra o MPLA,
ao qual faltará uma cabeça para dirigir a luta contra os elementos ”subversivos”
de Cabinda, podendo ser esta a oportunidade para este movimento de libertação
gritar vitória. Com a desestabilização será mais que certo fazerem-se ouvir e
sentir as mais variadas repercussões e congregarem-se impensáveis relações de
forças cujos interesses, até agora camuflados, só então se farão então ouvir.
Desta vez não
tenho a menor dúvida de que cortarão a mão a Danilo dos Santos, o filho do
Presidente angolano que arrematou há dias num leilão em Cannes um relógio por
500 mil euros, isto se com a pressa não lhe cortarem logo o pescoço. Vai ser
uma chacina, ou o MPLA segura e aguenta a rebelião mal o presidente morra, ou numa manobra preventiva antecede
o mais que previsível ataque despoletando ele a
chacina, a purga, novo massacre. Desta vez não restará vivo nem um único
membro da família Santos dos três meses aos noventa e nove anos. Soubesse eu a
força militar ou militarizada das milícias do UNITA e da FNLA, sedentas de
vingança, e dir-vos-ia já a magnitude do massacre que se aproxima.
Chamem-me o
que quiserem mas preto é preto, aprenderam connosco mas são bem piores que nós,
piores no sentido instintivo, primitivo, animalesco, primário, ora se nós já
não somos flor que se cheire, imaginem o que está para vir… É que estes pretos
ainda não atingiram nem sequer o nosso estádio de desenvolvimento ou de
evolução, que nem é dos mais elevados…
Não meto um
pé em Angola há mais de trinta anos, mas tenho a minha rede informal de
informações e contactos que, embora formalmente inoperacional mal e porcamente
vai contudo funcionando. Aos tugas que estão em Angola recomendaria umas férias
na “metrópole” de três ou quatro anos e nunca menos, outra recomendação
importante é que regressem já, quanto mais depressa possível tanto melhor, porque
depois da coisa estoirar será impossível, ninguém conseguirá entrar ou sair do
país, fazer sair dinheiro então é melhor nem pensar, arriscar-se-ão a ser presos
e quem sabe se posterior e secretamente abatidos por traição se o tentarem fazer,
mais vale perder pouco que tudo, que muito, ou a vida. Vinde já porque depois haverá
controles nas estradas de quinhentos em quinhentos metros, do MPLA, da UNITA,
da FNLA, tudo controlará tudo e nada até que a situação exija a ONU. Se
passarem um controle poderão não passar quaisquer outros, ninguém perguntará
quem são os mortos nem quem os matou, nem haverá sequer quem os enterre.
Recusei há dias
a ida como observador disfarçado de turista, de caçador de caça grossa, de
jornalista ou de activista, recusei todos os convites e todas as opções, sou
macaco velho e já tenho calo no cu, se alguém quisesse uma Angola pacífica não
lhe tivessem dado a independência em 75, pelo menos nos moldes em que foi dada,
mas que força tínhamos nós para mais que fingir ter sido magnânimos ? Sim, que
poderíamos ter feito mais que fingir que nos impusemos e que contámos para alguma
coisa ? Não sei se ainda se recordam do Mapa Cor-de-Rosa
e da história de Angola à contracosta, ambição a que o ultimato inglês de 1890 pôs
cobro e episódio que também terá cota-parte no despoletar da República em 1910,
desta vez não vai ser de Angola à contracosta, desta vez vamos sair é de Angola
a contragosto…