segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

490 - GENTE COMPLICANDO O QUE É SIMPLES...


Mau grado tanta cautela o malandro escapou-se, escapuliu-se entre os dedos, a vida tem destas coisas, umas vezes oitenta outras oito somente. O outro surgira-lhe pela frente e ele pisara repentinamente o travão enquanto em simultâneo buzinava com estridência.

Eu nem pusera o cinto de segurança, pelo que dei um salto no banco e por pouco não bati com a cabeça no tejadilho do carro, mas ouvi-lo foi a minha salvação, parei instantaneamente e a coisa foi por um triz, não tivesse eu parado e certamente lhe teria dado um valente porradão. O outro carro era bem visível, pelo menos para quem o visse, grande e branco, mas surgira no meu angulo morto e se bem que cuidadosamente em marcha atrás e olhando p’los três espelhos à minha disposição não o lobrigara, sorte eu estar recuando a dois à hora quando não …

A ruidosa buzinadela chamara a atenção de uma centena de mirones saídos do Clube de Motards frente a minha casa, os quais de copo na mão acudiram à rua p´ra gozarem o espectáculo, e o espectáculo era eu, de chinelo/sapato, pijama arlequim azul e branco, um robe por cima de tudo e fazendo de mim um cossaco pronto a uma daquelas danças nem em pé nem agachado. Naturalmente não gostei, nem dos mirones nem de toda a vizinhança assomando das janelas, é um bairro pacato e buzinar daquela maneira é o mesmo que dar um pontapé num formigueiro. A coscuvilhice é tão velha quanto a história, faz parte do género humano, e muitas vezes confundida com o Manel Germano.

Estragos na viatura do paspalho. 

Tinha o carro estacionado ao lado do passeio e metê-lo na garagem era uma questão de noventa graus, mas a fim de dar a volta mais larga e o enfiar nos portões sem neles bater, faço habitualmente uma marcha atrás de poucos metros que me permita alargar a curva e entrar de frente. Foi nesta pequena manobra de marcha atrás que a coisa se deu.

Há quem não tenha noção da relatividade das coisas, quem não distinga oito de oitenta, quem ande na rua de carabina caçando moscas ou esteja pronto p’ra ir a África caçar leões com uma fisga… Nem sei quem bateu em quem, se eu que fazia marcha atrás e parei, se ele que vinha no seu caminho e deparou comigo não tendo contudo e devido ao sobressalto parado a tempo. De qualquer modo saltava à vista ser um assunto de lana caprina, uma insignificante esfoladela no meu pára-choques, um risquinho de caca no dele, uma questão de pentelhos havia de dizer o ministro Catroga se estivesse presente.

Saído do carro e apreciando a coisa abri os braços, pedi desculpa e prontamente assumi a culpa* alegando não haver problema, tinha seguro, ele certamente também, seria só tirar o carro do meio da rua, estávamos impedindo o trânsito e sendo gáudio da turba dos mirones, ele que entrasse, na garagem trataríamos dos pormenores.

Foi quando a coisa descambou, o homem, o moço, o jovem, o parvalhão não deve saber o significado de declaração de acidente amigável, tem mesmo esse nome, consta no cimo da papelada, amigável, destina-se a evitar conflitos entre condutores. Ora se é amigável é para ser tratada entre amigos, mais a mais eu não lhe arrancara o pára-choques, nem lhe partira a viatura ao meio ou virado a dita do avesso.

Mas ele grita:

- Você daqui não sai, ó Marina chama lá a policia !

Confesso que me pareceu ele ter dito ó Varina chama lá a policia mas preocupado com a atitude brusca e indelicada dele, que largara o volante e saltara do carro para me segurar a porta não se fechasse ela e este bandido fosse fugir-lhe, mesmo em pijama e chinelo/sapato, c'o carro atravessado na rua apontado à garagem, e visto por centenas de mirones/testemunhas, dizia eu temendo ele que este bandido dado a gravidade do acidente fugisse do local do mesmo. 

Confesso, de há muito tempo a esta parte se há coisas que me dão vómitos uma delas é a parvoíce das pessoas, a sua cegueira, a estupidez, pelo que à primeira distracção do bicho bati com a porta, tranquei-a, meti a primeira e avancei garagem dentro. Nem sei como o parvalhão num pulo se meteu à frente do carro, mas sei que teve no mínimo muita sorte ou esperteza para com novo pulo sair da frente dele, se quereria dessa forma impedir-me de entrar ou guindar-se ao estatuto de mártir nunca saberei.

Estragos na minha viatura.

O que sei é que o parvalhão podia ter arranjado a merda dum trinta e um, ter ficado com as pernas entaladas, a bacia partida, ou a coluna, ou paraplégico, ou tetra. Eu fiquei branco, siderado, quando me apercebi da sua idiotice, o cabrão podia ter-me arranjado uma carrada de problemas, até de consciência. Há gente mais parva do que possamos imaginar, e por causa de um pentelho diga-se. Fechei o portão do quintal, avisei o patareco que não se atrevesse a transpô-lo e antes de bater o basculante da garagem disse-lhe que sim, que fazia bem, que se entendesse com a polícia e passasse bem.

Claro que daí a quinze minutos tinha a PSP a bater-me ao portão da garagem, abri-o, convidei-os a entrar pois queriam ver o veiculo e os estragos, voltei a avisar o parvalhoco para que nem pensasse em transpor o portão, cedi à PSP a carta de condução e o cartão de cidadão, únicos documentos que me solicitaram, educadamente diga-se, foram sempre impecáveis, tendo eu solicitado que me submetessem ao teste do balão a fim de ficar registado não me encontrar sob efeito de álcool ou de alcalóides, ao que me responderam ser de lei, sempre que são chamados a intervir num acidente os envolvidos serem automaticamente submetidos a esse procedimento, por isso Baião sopra e cala-te, e não, nunca fiz o teste do balão, é esta a primeira vez, respondi ao agente que me interrogava e me pediu posteriormente que preenchesse um questionário onde descrevi, a seu conselho e sumariamente a minha versão do acidente ocorrido. Quanto ao balão naturalmente marcou zero, que esperavam ?

Preenchi-o assumindo a culpa, o que não devia ter feito por duas razões, a primeira porque a culpa será avaliada pelas seguradoras e pelos seus peritos de acordo com a lei e baseadas nas nossas declarações amigáveis, a segunda por ter constatado à força de ver o parvalhão “dançando” em redor das autoridades enquanto eu era inquirido e me ter apercebido exalar ele um forte hálito a álcool a par de algum desacerto nos passos e das pernas mas, como competia à autoridade avaliar e analisar esses factos, mais a mais fazem parte do seu protocolo de actuação, assim me tinham dito elas mesmas, calei-me.

Calei-me mais por estar farto de dar espectáculo para a turba e para a vizinhança pendurada das janelas, pois se haviam juntado já umas três viaturas policiais e, que me tivesse apercebido no mínimo cinco agentes, quatro eles e uma ela, todos eles volto a frisar simpatiquíssimos e a quem decerto aquela merda de ocorrência, insignificante, estragara possivelmente a tarde desse sábado 24 de Fevereiro do ano da graça de 2018. (18:15h).

Eu acabei por me retirar para os meus aposentos pensando de mim para mim haver gente que só sabe complicar o que é simples. Eu que até estava disposto a pagar a insignificância do meu bolso só para não perder o prémio de seguro e ver a próxima cobrança aumentada. Agora vai ser um calvário até que tudo se resolva, tudo por culpa dum parvalhão incapaz de discernir o significado de amigável inscrito no cimo da participação de acidentes às seguradoras.

Provavelmente será um daqueles taradinhos que ante o frio ou a chuva não hesitarão em meter a mulher na rua e enfiar o carrinho na cama. Interrogo-me, que terá o parvalhão ganho com tanta parvoíce a que deu azo ? Rapidez ? Justiça ? Paz de alma ? Castigo aos bandidos provocadores que infestam ruas e estradas ?

Um lugar no Paraíso ?

Haja Deus …




* Apesar de as seguradoras recomendarem que nunca o façamos, a culpa será avaliada por elas e pelos seus peritos de acordo com a lei  e as declarações amigáveis que entregamos.