Já
era tempo de se pensar num 26 de Abril não acham ?
“Atrás
de mim virá quem bom de mim fará”, desconheço o autor desta tão certeira quão
célebre frase, mas a verdade é que os quarenta e quatro anos de democracia ora
comemorados lhe fazem um justíssimo jus. Salazar não era, nunca foi flor que se
cheirasse, todavia os nossos actuais democratas têm feito dele um menino do
coro, esta democracia tem somado tantos atropelos, tanta iniquidade, tanta
pobreza, tanta desigualdade e injustiça que para ser franco nem sei em boa
verdade o que a maioria festeja.
É
hoje mais que sabido não ter sido o 25 de Abril uma revolução, foi antes um
arrastão que levou tudo e todos na frente. Em relação a essa época o que mais
se apregoa é o facto de termos ganho liberdade, sobretudo liberdade de
expressão e não estarmos sujeitos à anterior opressão, são factos objectivos na
sua totalidade os quais porém se revestem para cada um de nós de uma
subjectividade própria, pessoal, avaliada segundo o nosso prisma, a nossa experiência.
Pessoalmente acho que continuamos
vivendo numa ditadura encoberta e bem disfarçada sob a capa duma falsa sensação
de liberdade. Tão falsa é essa sensação que facilmente a podemos comparar, não
existe mais liberdade de expressão agora que havia dantes, hoje podemos gritar à
vontade, dizer tudo que nos vier à cabeça, é verdade, mas ninguém nos ouvirá,
ou calar-nos-ão não nos dando os meios p’ra nos fazermos ouvir, as leis de
imprensa e da rádio não por acaso têm trela curta.
Naturalmente
a opressão actual é diferente, mais subtil, este tipo de opressão, actuante mas
subjectiva, socorrendo-se e escondendo-se nos conhecimentos da psicologia, não
tem culpados, só sofredores. Atenção, eu não digo que dantes é que era bom, eu
sou dos que também viveu nesse antes, para além disso estudei-o e continuo a estudá-lo,
não era contudo tão mau como o pintam, o escondem e se escusam a discuti-lo. Se
Salazar é acusado de jogar com a nossa ignorância, a democracia actual continua
a alimentá-la e a cultivá-la. O que eu digo é que, quando o ensino podia e
devia ser bom, não existem razões de força maior para ser mau, é péssimo, não
produz saber, o ensino de massas resultou num fiasco onde os contribuintes
despejam demasiado dinheiro para os parcos resultados obtidos, dinheiro que
nunca terá retorno.
Questões
de desorientação ou desorganização que nunca superámos, basta passar os olhos
pelos jornais diários, o Expresso deste fim-de-semana por exemplo conclui num
artigo bem estruturado (link abaixo) que depois do ano 2000 e após recebidos
biliões estamos cada vez mais longe da Europa, divergimos em vez de
convergirmos, um paradoxo, entretanto o DN noticia que os técnicos do Infarmed
pediram transferência para Bruxelas por não quererem ir para o Porto, outra
notícia dava conta de que os jovens não ganham o suficiente para arrendarem uma
casa, agora também elas
alvo de arrendamentos precários, essa praga, e nem ganham para casar nem para
ter filhos, condenando-nos a um inverno demográfico fugindo daqui a sete pés,
atitude incompreensível para um primeiro-ministro bem-intencionado e incapaz de
compreender e aceitar quem não veja este país como um paraíso...
Verdade
que vivi os anos do PREC de armas nas mãos, e embora não as tenha usado ou
virado contra ninguém essa experiência revolucionária contou, abriu-me os
olhos, tornou-me coerente e sobretudo consequente, há que retirar ilações,
lições, e assumir consequências pelas nossas atitudes, ser íntegro, respeitar a
ética, ora os políticos desta democracia nunca passaram duns diletantes
ingénuos, quando não oportunistas e sobretudo ignorantes. Assinalar os quarenta
e quatro anos do arrastão que foi Abril será estragar a coerência que devemos a
nós próprios, a menos que queiramos participar nesse festival de lirismo autofágico.
Existe
desde 1974 uma “união sagrada” em torno da memória do golpe. A esquerda,
nostálgica mas ignorante vive esta data como um momento poético do passado, e a
direita, caceteira, seja ela astuta ou manhosa nunca percebeu que Abril poderia
ter significado mais do que um novo começo da nossa história. A nossa direita,
carregada de reumatismo, vivia acomodada e de braço dado com privilégios e
valores anquilosados que uma justa, moderna e actual hierarquia recusaria, hierarquia que ainda não tem. A essa "domesticação democrática" a Europa da EFTA, da OCDE e inclusive da CEE, os espaços
politico/económicos em que nos inseríamos nos estavam obrigando à data do
arrastão. As mudanças eram uma inevitabilidade e foi um erro não aceitar essas mudanças,
que na verdade nos convinham e poderiam ter acautelado o futuro e evitado todos
os imbróglios dos últimos 44 anos. O devir foi obrigado a seguir um caminho
que como sabemos passou pela revolta, sucede que embora não duvidemos da
generosidade dos revoltosos também não acautelámos o seu cinismo nem a sua
incompetência e irresponsabilidade para tomarem conta do país.
Até
1974 a palavra de ordem era circunscrita a Deus, pátria e família, trinómio de
má memória a que havia que colocar cobro em nome do desenvolvimento que a
finança ditava, havia que colocar no altar outros valores. Era preciso acabar
com essa doutrina
injustificável e, para a burguesia financeira o 25 de Abril, mais dissabor
menos dissabor, mais susto menos susto foi uma boa ajuda, na medida em que era
uma revolução que dava a entender que mais revoluções eram desnecessárias. Passados
todos estes anos teve tempo para reconstituir fortunas, dinamitar a coesão,
torpedear a solidariedade, coisas aliás que a esquerda sempre lhe negou e
portanto temos que considerar essa atenuante. A nossa esquerda sempre se
mostrou tão aberta e inclusiva quanto a direita, e esta por sua vez nunca
logrou libertar-se do epíteto de estupida e medrosa, sempre temendo assumir-se,
delimitar campos, debater a verdade olhos nos olhos e fruir de bom senso.
Não houve revolução, houve um arrastão, um
movimento
“sociológico” de massas, porém político, sem projecto e sem direcção. A nossa Abrilada
do dia 25 não foi mais que um movimento de contestação, inventaram-se umas
palavras de ordem, palavras enganadoras, sabemo-lo hoje, e não se pensou em
mais nada, de concreto havia que repor as regalias que a tropa ia perdendo com
o recurso aos oficiais milicianos, sabemos agora como a guerra era um negócio e
os instalados nela estavam a ficar mal... As coisas ultrapassaram o esperado, houve
barricadas, manifs, e os militares viram-se com uma revolução nas mãos que nem
tinham desejado, imaginem que até os pides tiveram que prender, quem teria
imaginado tal desiderato ?
Daí
para a frente conhecemos a história, ganharam os oportunistas, os videirinhos,
os arrivistas, ganhou a ignorância, a irresponsabilidade, a incompetência, isto
só pode acabar mal, mas como o meu temor é que fique tudo na mesma, pois que
acabe quanto mais depressa melhor. É por demais evidente nos nossos dias que
Eça tinha toda razão, a “democracia fica-nos curta nas mangas”. Por isso não me
venham com a evocação desta data mítica da nossa História. Cegos, coxos e ineptos
histriónicos, todos eles deslumbrados com o seu próprio circo mediático, com os
estudantes ajudando ao folclore e os timoratos e heróicos operários desde o
cerco à assembleia outra coisa não fizeram que ceder, aceitar o que lhe dão,
permitir o crescimento de um capitalismo que os escraviza, exclui e ignora, em
vez de tentarem reformá-lo como inteligentemente os chineses fizeram. Nunca
alcançámos sequer uma mudança de mentalidades. Mas temos o partidarismo, a corrupção,
os direitos adquiridos sem contrapartidas, faltando-nos assistir ao fim, à decadência, sem jamais assistirmos a uma mudança de sensibilidade ou a quaisquer mudanças
estruturais.
Sobra-nos
sim até demais essa nova sensibilidade, essa nova transversal e consensual tendência,
o sectarismo. Passámos do antifascismo para o bairrismo e para o partidarismo
de onde nasceu o sectarismo, numa deriva semântica e ideológica doentia de que todos
ou quase todos acabamos por sofrer, que nos fecha em nós e na nossa panelinha,
que como uma lapa agarra os instalados aos lugares, que trava o crescimento a
modernidade e o desenvolvimento. Olhai à vossa volta, que mereceu cada um dos
personagens que estais vendo para merecer o ar que respira ? Contribuiu para o
engrandecimento da nação ou para o seu ? Criou riqueza para os outros e para si
ou só se lembrou de sugar o trabalho alheio ? Bem sei que a Revolução Cultural
Chinesa foi uma montra de horrores, mas não a tivesse Mao colocado em movimento
e a vitória das forças comunistas / progressista s teria na época regredido ao
medievalismo. Os instalados se encarregariam de tudo sufocar para se manterem.
O problema é que Abril não mudou o Estado, não
mudou nada, continuamos com as mesmas estruturas herdadas do Estado Novo, agora
mais débeis, mais enfraquecidas, a ausência de reformas mata-nos. Os sindicatos
que lograram ganhar força contestatária conseguiram conquistas importantes para
os seus filiados, até quando é uma incógnita, tudo neste país está atado com
arames. Hoje os estrangeiros e as multinacionais são donas disto tudo, nada
temos de nosso além da divida e dum futuro negro, ficámos escravos na nossa
própria terra, claro que podemos sempre votar com os pés, abalar, mas terá sido
para isso que o 25 de Abril foi festejado ? Salazar teria enfiado sem
contemplações toda esta gentinha corrupta em Peniche ou no Tarrafal, e não seriam bem metidos ? Bem
engavetados ? Ele não era santo, são os de hoje quem faz dele santo ao serem
bem piores, sim os de hoje, os mesmos que nunca foram capazes de o apear, foi
uma cadeira velha quem acabou com ele, não foi a contestação burguesa ou
operária, uma vergonha que nos acompanhará história fora.
Não,
não me peçam para festejar Abril, há que ter coragem e hombridade para recusar
este Abril, convidem-me para um novo Abril, isso sim, vai ter que acontecer,
mais tarde ou mais cedo, com menor ou maior violência. Andam a gozar-nos e a cagar-nos
em cima, coisa que nem Salazar se atreveu a fazer.
NOTA: http://expresso.sapo.pt/economia/2018-04-21-Apesar-dos-44-mil-milhoes-de-fundos-europeus-Portugal-esta-cada-vez-mais-longe-da-Uniao-Europeia#gs.dI1vDKc
OUTRA NOTA VINDA A PROPÓSITO: http://portugalglorioso.blogspot.com/2014/09/classe-politica-com-privilegios-maiores.html