A
coisa começou porque o Quim Zé, para além de calçar 43 e estar constantemente
às caneladas a todos, lançou uma das suas provocações, curiosamente logo ele
que até costuma ficar sempre calada ou demasiado calado, mas desta e a
propósito duma foto qualquer que o jornal trazia em destaque atirou a dele:
Porque é que as pessoas em Portugal defendem as politicas anti-protecionistas,
quando ao mesmo tempo assistem à perda de competitividade das empresas
nacionais, e consequentemente ao seu fecho e ao aumento do desemprego ? Estarei eu a ver bem o problema ?
A
mesa do café é ecléctica ainda que seja de alumínio, as de dentro são de sólido
carvalho nacional mas na esplanada é material importado, barato, prático, leve,
fácil de lavar e sobretudo fáceis de prender com uma corrente o que é
suficiente para que fiquem amontoadas na rua sem ninguém as levar durante toda
a noite, o pessoal quer é anéis e relógios de marca, importados, caros. Mas
sendo o pessoal amesendado em redor da távola q.b. heterodoxo e mui ecléctico,
como vos dissera já, a questão caiu como uma bomba, até se ouviram as chávenas
tilintando nos pratos, e foi precisamente o Pires, um ortodoxo, quem ganiu
primeiro enfiando uma carapuça de ar sofredor. Está aposentado mas fora
sindicalista, portanto carregara a cruz em defesa do operariado explorado e de
imediato atirou culpas ao lóbi imperialista/capitalista, mas todos fizeram
orelhas moucas como vai sendo habitual e calmamente aguardámos que tanta verve
lhe passasse.
O
amigão Pratos, perdão Prates, do centrão, alvitrou que tal se deveria ao facto
de existir na sociedade portuguesa uma doutrina antitética, e dual, que na
generalidade a cabecinha das pessoas não está capaz de analisar ou separar. Mas
é coisa fácil continuou o Prates, não proteccionismo significa concorrência,
logo competição, logo evolução, o que implica modernismo, vanguarda,
actualidade, liberalismo, liberdade. Pelo contrário proteccionismo é sinónimo
de apadrinhamento, de protecção ao antigo, ao que está desactualizado, do
obsoleto, do que não é competitivo, do marasmo, do engonha. Ainda no sábado li
um artigo duma reitora universitária apoiando a transferência de vagas das
universidades de ponta de Lisboa e do Porto para as universidades e
politécnicos do interior, dos quais os alunos fogem por nunca terem tido mérito
algum, ao contrário do que acontece com algumas faculdades de ponta lisboetas e
portistas que se já encontram entre as melhores cem do mundo.*
Ora
quem arrisca apadrinhar o obsoleto ? Ou identificar-se com o engonhar ? Todos
queremos modernidade, e na voragem da modernidade cuja crista de onda desejamos
cavalgar como no canhão da Nazaré, soçobramos todos incapazes de pensar que a
cada estágio evolutivo corresponde um estado de proteccionismo ou de
liberalismo que lhe está associado, lhe é inerente, de que é inseparável sendo
cada um deles o conveniente para um dado momento... É o que dá não comer
espinafres nem beber óleo de fígado de bacalhau quando se é pequenino...
Pois
é meus amigos, não deixam de ter alguma razão, quer um quer outro mas isso é
pouco, é redutor, é só uma face do cubo e eu vou ser breve na minha achega
porque estou com pressa e ainda tenho que ir almoçar umas migas a Cuba com uma
amiga das Honduras, mulher dura mas tão permeável quão persuasiva enquanto
vocês são uns coirões.
Pronto
lá está ele, este Baião tem a mania que é sabichão e mais santo que toda a
gente, despacha lá isso e poe-te a milhas quanto mais depressa melhor, é
preciso ter pachorra p’ra aturar este tipo irra, nem sei como a Luisinha te
atura há tanto tempo, francamente.
Pois
é pazé, eu tenho a mania mas não aprendo nada contigo e tu devias pagar-me as
explicações diárias que levas desta mesa de qualquer modo se não estás bem
muda-te, há anos que andas aqui feito melga, bem podias meter a língua na caixa
em vez de… Bem deixa-me calar que a Laurentina não é para qui chamada e tenho-a
por boa pessoa, como ela te atura a babuje é lá com ela, e contigo claro.
O
problema é que o país é pequeno, pequeno em diversas dimensões, falta-nos
mercado interno, a baixa demografia e os baixos salários tornam-no praticamente
inexistente. Como se não bastasse ser quase inexistente e apesar dos baixos
salários estes ainda são maioritariamente canalizados para consumos supérfluos
vindos sobretudo da UE ou Américas, o que não ajuda a senão a afundar-se.
Verdade que a UE nos tem metido a mão por baixo, está a mamar e cuida da sua
teta, mas a UE falhou redondamente e mais dia menos dia dará um estoiro. Não é
e nunca foi uma união de estados como acontece com os EUA faltou-nos e
falta-nos muita coisa para uma união. Esta UE não cumpriu o seu papel de forçar
a igualdade dentro da união, bem pelo contrário sempre se portou em modo cada
um para si e, quando é assim os mais fortes phodem quem ficar por baixo,
geralmente os mais fracos, é dos livros.
Quer
Portugal quer a UE nunca sofreram uma verdadeira guerra da independência, nem
de secessão como aconteceu com os States, nem tão pouco sofremos com a IIGG.
Estes sofrimentos, estas dores de parto pariram uma nação coesa, uma identidade
única e a sociedade rica que são os EUA, o país que mais e esforça por atingir
a supremacia, o país onde ter o céu como limite foi teoria feita doutrina e
práxis. Lembrai-vos de Kennedy. A nossa velha europa não, nunca teve pais
fundadores, empenhados na justiça, na igualdade, na liberdade, na democracia, a
UE teve estadistas sim, o último foi Jacques Delors, depois dele começou o
deserto, deserto de ideias.
Como se não bastasse falta-nos uma
constituição livre, liberal, no sentido de liberalismo, de liberdade, a nossa
constituição é invasiva da liberdade do cidadão, invasiva e cerceadora, é
impositiva, controladora, foi desenhada por controleiros. Está virada para o
passado e para quem colheu, colhe e goza de benefícios, está gizada para manter
o status quo, o establishment, e em tempo de crise e de vacas magras torna-se
um obstáculo e não um escape, uma oportunidade ou uma garantia. Se és jovem experimenta
avaliar as garantias que em relação ao futuro esta constituição tem para
oferecer aos jovens como saída desta crise a não ser impostos e mais impostos
que garantam os direitos adquiridos manhosamente pelas classes que deles
beneficiam ?
A verdade
é que se instituirmos o proteccionismo perderemos mercado, e não tendo Portugal
mercado interno que lhe valha ou que valha alguma coisa que possa garantir o
país em pé e o investimento acelerado temos que nos pendurar do mercado
europeu, mais de duzentos milhões de consumidores, faca de dois gumes pois
esses consumidores também produzem e também desejam exportar para aqui, e
fabricam melhor e mais barato, têm a energia e quase todos os custos de
produção mais baratos, o pessoal mais treinado, produzem mais, são mais
rentáveis por unidade de tempo apesar de ou mesmo por isso, ganharem à hora
três ou quatro vezes mais que o operário médio português. A produtividade ora
aí está, como dizia José Mário Branco já em 1979 **
Optar
pelo proteccionismo ou não, não é fácil, que vamos proteger se pouco fabricamos
em volume, em qualidade, em diversidade, em valor ? Maioritariamente importamos
tudo ou quase tudo, tomar atitudes proteccionistas depressa estas se virariam
contra nós mesmos, são um pau de dois bicos. Proteger exige estabilidade
governamental, olho para o negócio, digo para governar, é que já não temos as
colónias onde ir buscar baratas as matérias-primas, nem colónias para onde
vazar toda a merda que produzíssemos, a clientela europeia e global é mais
exigente que eram a pretalhada e os branquelas. Mas ninguém diz isso a este
povo que pensa caírem as coisas do céu. Nem essa nem tantas outras verdades. Verdade
que temos uma ZEE (Zona Económica Exclusiva, mar) enorme mas sem meios para a
explorar de nada nos vale, e ninguém explica a este povo que há 40 anos e com
menos mar a nossa frota mercante era enorme, das maiores do mundo, nem contam
como o almirante Tenreiro, esse fascista, era fascista mas era um fascista nosso, ia longe buscar os milhões de
toneladas de bacalhau que agora importamos. E se enchermos esse mar de aventoinhas já saberão quem irá ganhar com isso. Quem senão "eles os outros" terá dinheiro para lá as plantar ?
Com
tempo democracia e leis laborais seriam instauradas, a revolução foi o pior que
nos podia ter acontecido, olhai os políticos e as politicas que temos, olhai o
futuro e fazei contas… A Comunidade Europeia, a UEFA a OCDE vinham exigindo e o
país cumprindo o caminho que levaria à democracia sem revolução. Não que as
revoluções em si sejam más ou coisa má, a nossa é que foi um desastre que temos
dificuldade em admitir e negamos a pés juntos, realmente não foi um desastre,
tem-se mostrado uma verdadeira calamidade.
Propositadamente
deixei para o fim a perda dos dedos e dos anéis, das toneladas de ouro do tempo
do fascismo, para que possais olhar a situação deste país, é que agora estamos
aqui acantonados, sem seguros, sem banca, sem dinheiro, e os lucros dessas
entidades faziam um jeito de morte para o investimento de que carecemos e não
temos, dinheiro esse que, agora que nada é nosso é feito à nossa custa mas voa
para todo o mundo, aqui é que não poisa, portanto não haverá, ou haverá cada
vez menos dinheiro para escolas, hospitais, estradas, pontes, portos, estamos
de tanga, estaremos atolados num pântano por mais trezentos anos e já nem
sequer conseguiremos manter-nos orgulhosamente sós, o tal orgulhosamente sós
que passámos quarenta anos a denegrir.
Estes
democratas enterraram este país bem enterrado e nos próximos quinhentos anos,
acreditem, estamos mesmo sem nada, nem esperança de mudar de vida…