Tenho
por hábito guardar recortes de jornais. Umas vezes para ler mais tarde, outras
porque constituem um arquivo para consulta, e, ou análise posterior. Arrumando
um destes dias gavetas, dei com um desses recortes, a que já faltava a data, e
que tinha, então, tido vontade de comentar aqui convosco, o que só não fiz
porque tal recorte acabou perdido na miríade de apontamentos que sobre tudo vou
guardando.
Tinha
sido “arrancado” do Diário do Sul, publicado na primeira página, com foto em
destaque, e com grande desenvolvimento nas páginas centrais. Noticia e fotos
que por certo encheram de orgulho qualquer de nós, eborenses, e alentejanas.
Uma
fábrica de Évora, A. J. Lobo, especialista na produção de painéis solares
fotovoltaicos, fechou, nessa nem por isso remota semana, um contrato de
investimento com a SHELL, para ampliação da capacidade produtiva,
inovação de métodos e tecnologias, em que, segundo o dito diário, é única no
país e na Europa.
Senti-me
orgulhosa, investimento superior a dez milhões de euros, tecnologias de ponta,
lembro-me de ao ler a peça quase me ter sentido lá no meio das cerimónias, vertendo
uma lágrima de comoção.
A
cerimónia, onde não estive, não me fez chorar, o que me comoveu foi ao ver no
jornal as fotos do ministro da economia, do presidente da Shell Portugal,
do vice-presidente da ShellI Internacional e claro o ilustre eborense,
Senhor LOBO, (com letra grande). Membro de família conhecida no burgo e sobre
quem se comentam percursos de trabalho e sucesso, com mais de trinta anos.
Família
oriunda da Somefe, então uma escola de trabalho, família a quem o tempo, a
força e capacidade premiaram com mérito. Já há pouca gente assim que, ao invés
de estratagemas e ganhos fáceis e rápidos, trilhe caminhos tão difíceis de
escalar, que só não assustam a quem o trabalho não tema nem envergonhe.
Mas
como ia dizendo, o que me comoveu não me fez chorar. O que me dá pena é que,
hoje mesmo, quarta-feira, 28 de Janeiro, pessoa insuspeita, Presidente da
Agência Portuguesa de Investimento, ex-ministro e economista de gabarito, me
tenha forçado a procurar outros recortes, que não achei e nem admira, pois o
que eu precisava era tempo para os classificar e ordenar.
Procurava
notícias recentes sobre uma figura marcante da economia portuguesa, José Manuel
de Melo, a quem no passado fim-de-semana, de 24/25, os meios de comunicação
dedicaram imenso espaço, e tempo. Tudo porque quer um quer outro, finalmente se
não contiveram e afirmaram também eles ter visto o óbvio. Que o rei vai nu, já
toda a gente sabe, deixemos passar mais algumas semanas e a dúzia e meia de
compatriotas que ainda não deram por isso acabarão igualmente dando-se por
achados.
Primeiro
veio um gritar, preto no branco, que deveríamos vender isto aos espanhóis, não
fosse dar-se o caso deles nem precisarem nem quererem isto para nada, clamando
alto e bom som, já não acreditar em ninguém nem isto ter futuro. Depois veio o
outro, que se escalfa para conseguir uns investimentozitos exteriores,
questionar opções, como o mirífico Euro 2004, contrapondo que se deveriam ter
utilizado essas arroubas de dinheiro para criar infra-estruturas viárias e
outras, que se deveria ter apostado na saúde, na ciência, na educação, no emprego,
na segurança social... Como se nós não soubéssemos que o fado é que induca,
e o futebol é que instrói. Deviam ter bramado há mais tempo, agora
assustam-me, tão só porque de tão insuspeitos como são, se assim falam é porque
a coisa está mesmo preeeta...
Quando
optámos pelos futebóis em vez de um futuro, toda a gente atirou bonés ao ar,
agora, bem, agora é aguentar, porque isto ainda nem começou, e vai ser duro.
NOTA: * By Maria Luísa Baião escrito quarta-feira, 12 de
maio de 2004, 18:30h e publicado num dos dias ou na semana seguinte em
Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, em homenagem à eborense Família Lobo.
Esta crónica foi posteriormente alvo de um gentilíssimo agradecimento por parte
da dita família, agradecimento que muito honrou e comoveu a minha saudosa
Luisinha e deverá encontrar-se arquivado no portfólio do Diário do Sul.