Gente
bem-intencionada dissera-me tanta coisa, dera-me tantos conselhos que acabei
ouvindo somente o zunzum de todos eles, coragem, força, a vida continua, a vida
não pára, e as atitudes de conforto e reconfortantes eram tantas que fugi, fugi
daqui, fugi deles e delas, de tanta boa intenção e tanta ajuda desinteressada
que começava a sufocar-me. Meti-me no inter-cidades e caminhei meio dia até parar e
ficar três ou quatro dias, para me meter de novo no dito mas em sentido
contrário e só voltar a parar novamente em Lisboa. Ver família, ver amigos de longe, matar
saudades para saudades esquecer e esquecer quanto me lembras, esquecer o roçar
carinhoso da tua face na minha, o teu pé sempre sobre o meu, a tua perna
insinuando-se entre as minhas, o teu abraço aconchegador e quente.
Por que
me mentiram todos, mentiram, porque esta saudade não passa, sem ti tudo mudou
de lugar e de aparência, a casa mudou, é outra, é maior, é outra a luz que se
coa pelas janelas, é outra a luz que emana destes candeeiros. Mudo a altura aos
estores, baixo-os, levanto-os, mas as sombras continuam mais sombrias e mais
tristes, mudei as lâmpadas de todos os candeeiros mas teimam numa luminosidade
que muda as penumbras, dantes acolhedoras, diferentes, e agora frias.
Até
a gatinha mudou, não me acorda já matemática e diáriamente às sete horas,
simplesmente não me acorda, a mim que nem durmo, anda por aqui de rabo
encolhido e olhos esbugalhados até parar olhando-me, como se eu tivesse a
culpa, ou a resposta, ou fosse a resposta, não Mimi já não há dona querida, a
dona não volta amor, também eu me sinto confuso querida, mas dizem que é a
vida, a vida não, a morte, não o compreendes nem aceitas, nem eu, o dono vai
dar-te uma postinha de pescada e espero que fiques distraída porque eu não
consigo.
Já me embarrilei de bacalhau assado e não consigo, e com cherne
grelhado, nem com robalos consegui, nem recorrendo ao branco do melhor por
melhor que seja e bem fresquinho esteja, hei-de experimentar a pescada querida,
juro-te que irei guardar para mim umas postas de pescada para fritar, tanto que
eu e tu gostávamos, acompanhada com arroz de tomate e branco fresco de
Redondo, azeitonas e um niquinho de pão alentejano, juro que irei experimentar
a pescada querida, e talvez acerte na altura dos estores, na luz dos
candeeiros, talvez consiga acertar as sombras desta casa que agora me parece
embruxada, enfeitiçada, talvez depois os fantasmas me deixem em paz e então
ganhe a certeza de que o fantasma desta casa não sou eu mesmo nem és tu minha
Luisinha querida, meu amor mais lindo …