A
minha Mimi é de hábitos fixos, taras e manias, pelo que só parou com a
brincadeira quando me levantei, como se tivesse obrigação de acordar com o
acordar dela ou tendo acordado ela eu estivesse proibido de continuar dormindo.
Às sete da matina em ponto é forçoso, acordada ela, que eu largue também a preguiça,
mas as preocupações dela são outras, já a conheço como a palma da minha mão, quer
dizer, de ginjeira.
Também
tenho as minhas rotinas, uma delas enfiar os chinelos, enfiar-me na casa de
banho, enfiar a escova no cabelo duas, três ou quatro vezes, enfiar o excesso
da bexiga no buraco da sanita sem salpicar nem entornar, para o que me sento.
Tudo é preferível a ouvir gritar, ralhar, mijar os sapatos novos ou ter que ajoelhar-me e lavar o chão da dita casa de banho. Seguidamente corro a casa toda levantando
todos os estores e abrindo a última janela afim de entrar com o ar fresco da
manhã a malvasia das rosas e das malvas do jardim, do quintal frente à casa
ou melhor dos canteiros no jardim que ladeia a casa. E foi quando abri as ventas e
inspirei, como se em contemplação e fruição desse nirvana matinal que dei com os olhos nela,
lá estava ela como vai sendo habitual, na varanda do prédio fronteiro ao meu, estendida
na toalha apanhando banhos de sol ou praticando yoga, ou pilates, reiki ou qualquer
dessas merdas orientais agora muito em voga, as quais nunca me preocupei muito
em entender, embora assuma que me prendem, que me chamam a atenção, que
cativam, pelo que de imediato puxei a cortina, não fosse a nova vizinha julgar
estar eu armado em mirone ou feito voyeur, espreitando-a, eu que coraria de
vergonha se ela o pensasse, quanto mais se me visse.
Pelo
sim pelo não repuxei as duas partes do cortinado, que se não fechou totalmente
deixando uma nesga por onde se infiltravam os raios de sol da manhã e me obrigaram
a ir à gaveta buscar os óculos espelhados ou jamais destrinçaria se ela estava
fumando ou pintando as unhas, o que também se vai tornando habitual. Contudo
tive o cuidado de não me encostar ao cortinado, recordo ter sido apanhado
desprevenido, aquilo foi o acaso, eu a começar a lida diária da casa e ela ali
em preparos, já se vai tornando vulgar, ela aflorar à varanda para fumar ou
pintar as unhas ou tratá-las, umas vezes dos pés outras das mãos, ou ler, ou
simplesmente telefonar, ali deve ter mais rede, a varanda tem uma grade e uma
rede onde ela de vez em quando estende os fatos de treino, ou de banho ou uma
colecção de roupa interior, a malha da rede é pequena, miúda, ideal para aquele
fim, mais a mais sem estendedores onde enxugaria ela aquelas miudezas ?
Não
estou sempre em casa mas dada a situação é impossível que não veja a varanda
dela, ou a ela, comedido como sou evito olhar, ela havia de me julgar um
parvónio, gosto de fazer jogo limpo e boa vizinhança, preocupo-me com os
vizinhos, invariavelmente entro, fecho a cancela do quintal, curvo-me um
nadinha para abrir a caixa do correio e é aqui, confesso, que inadvertida e involuntáriamente o canto do olho me foge para a varanda em frente, para o estendal, o
cadeirão, a mesinha redonda, hoje não deve cá estar, nem vejo o carro estacionado
por aqui, parece novinho, tem já meia dúzia de anos mas parece comprado ontem,
de vez em quando lava-o com um balde de água e uma luva felpuda, frente ao
vinte e nove que é onde ela mora e nem uma gota no chão, nem uma cagadela de
pássaro na pintura, por vezes tenho vontade de brincando a desafiar a lavar o
meu de seguida, a brincar claro não vá ela julgar-me um alarve, ou pensar que a
estou observando, mirando, não havia de gostar, eu não gostaria, por isso evito
qualquer aleivosia, é melhor assim, com esta história do assédio, do me too,
dos piropos etc é preciso cuidado, quem sabe se foi por isso que a vizinha da
rua de baixo, a professora de ginástica, a Vivi, deixou de passar aqui.
Residia a meu lado um bancário, um desatino o homem, até binóculos tinha, trouxera-os do ultramar em 75 quando fora desmobilizado dizia ele, aldrabice pura, comprei há dias uns iguaizinhos na loja do chinês, belíssimos, anti-reflexo e tudo, não por acaso esta nova vizinha tem mais parecenças com a Vivi que possamos imaginar, a predilecção pelas mesmas cores, p’las mesmas marcas e números de sutiãs, p’la roupa interior igualmente de reduzíssimas dimensões, p’las rendinhas, a mesma estatura, já para não falar na pancada pelos ténis de marca ou pelos penteados, enfim, a gente sem querer nota e a Vivi fazia-se bem notada, era impossível não dar por ela, quem sabe quanto essa sua faceta teve a ver com o divórcio, a verdade é que depois disso nunca mais foi vista aqui no bairro, no Público duma destas manhãs vinha relatado um caso em Edimburgo, em que passados mais de dez anos as ossadas duma divorciada foram encontradas casualmente enterradas no quintal quando os bombeiros procediam ao desentupimento de uma fossa asséptica, mas que eu saiba a Vivi não tinha quintal e o passeio frente à casa onde vivia era empedrado, nem por aqui foram encontradas quaisquer ossadas.
Residia a meu lado um bancário, um desatino o homem, até binóculos tinha, trouxera-os do ultramar em 75 quando fora desmobilizado dizia ele, aldrabice pura, comprei há dias uns iguaizinhos na loja do chinês, belíssimos, anti-reflexo e tudo, não por acaso esta nova vizinha tem mais parecenças com a Vivi que possamos imaginar, a predilecção pelas mesmas cores, p’las mesmas marcas e números de sutiãs, p’la roupa interior igualmente de reduzíssimas dimensões, p’las rendinhas, a mesma estatura, já para não falar na pancada pelos ténis de marca ou pelos penteados, enfim, a gente sem querer nota e a Vivi fazia-se bem notada, era impossível não dar por ela, quem sabe quanto essa sua faceta teve a ver com o divórcio, a verdade é que depois disso nunca mais foi vista aqui no bairro, no Público duma destas manhãs vinha relatado um caso em Edimburgo, em que passados mais de dez anos as ossadas duma divorciada foram encontradas casualmente enterradas no quintal quando os bombeiros procediam ao desentupimento de uma fossa asséptica, mas que eu saiba a Vivi não tinha quintal e o passeio frente à casa onde vivia era empedrado, nem por aqui foram encontradas quaisquer ossadas.
Esta
nova vizinha não tem que se preocupar com isso, ou é divorciada ou mãe solteira,
tem dois miúdos mas hoje com essas coisas do género e dos casamentos
transsexuais e bissexuais ou homogéneros quem liga a isso, ninguém
E
agora desculpem-me, depois acabo este apontamento, a minha Mimi já me arranhou,
tem fome e quer a gamela cheia de granulado, entretanto ela chegou com uma
caneca numa mão e um livro na outra e assim à vista desarmada não consigo ver o
que está lendo, é que não gosto nada de confusões e detesto induzir alguém em
erro percebem ?
Foto roubada da net