segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

563 - ALVO, VÉRTICE, BISECTRIZ, TANGENTE ...



ALVO VÉRTICE PONTO ...


Tu em pé, altiva e hirta,
eu de joelhos, abraçado a ti,
mirando-te,
olhando-te de baixo para cima,
admirando-te as colunas de Hércules,
o olho de Ciclope,
o olhar trespassando-te,
o desejo latente,
ante ti eu, um lactente sedento,
olhando o Paraíso, a maçã,
o fruto apetecido e eu,
de novo eu, sempre eu.


Homem amadurecido,
sucumbindo à tentação,
ao fruto proibido, trepando,
 p’las marmóreas colunas acima,
agora abertas,
agora convidativas,
dando passagem a minha nau,
acolhendo o meu rumo,
e eu sedento,
e tu o sumo.

E além,
o Farol de Alexandria
assinalando a noite,
marcando o ritmo, o dia,
policiando as águas agitadas
como dois lençóis em desalinho,
e entre sedas e linho,
o cálice ! o cálice !
quero-o !
a cicuta, a cicuta,
a mim !
anseio matar esta sede,
este desejo, fantasia, ambição,
sonho, melodia, delírio.

Tremem as colunas de Hércules
ante meu gatinhar sôfrego e,
de tão fortes oscilam sob tensão,
tangem, vibram como cordas,
viola, violina, violão,
fado, destino,
vibrando hesitantes,
dissonantes,
cunha cravada entre querer e não querer,
entre o dar e o haver,
saldo, preço, conta, sacrifício,
razão e emoção, quem vence ?

O coração,
que tacteias com a mão e
abres como pétalas em flor c’os dedos teus,
e o néctar, o néctar, agora meu,
e tu, e eu, e nós,
e em minhas faces o mármore gelado
das colunas quentes,
ardentes,
a cicuta bebida num trago,
avidamente,
o Farol no máximo.

A luz omnipotente,
as estrelas, só estrelas,
tudo estrelas,
as colunas fechando-se e
o meu abraço cingindo-as,
enlaçando-te,
e tu, qual Ciclope,
tacteando-me os cabelos,
puxando-me, empurrando-me
contra ti.

O olho do Ciclope dado,
dando-se, 
abrindo-se, extasiado,
surpreendido, estupefacto, e
finalmente fechando-se,
sossegando, dormindo,
e eu
num abraço arrebanho contra mim o mar,
Mediterrâneo, Atlântico,
velando as tuas águas,
o teu descanso até
ver em meu redor mar chão,
ouvir o canto das sereias,
divisar ao longe o galeão.

Onde
dessedentados partiremos
rumando um novo rumo,
construindo um novo mundo,
redescobrindo arquipélagos,
enseadas, portos, abrigos,
e de novo o amor,
o mesmo outrora tão temido,
ora perdido, ora encontrado,
agora o passadiço,
passado é passado,
subimos ambos,
devagar,
tu à direita eu à esquerda,
a espada balançando na cintura,
o galeão ondulando na maré,
o espartilho,
corpete dando-te forma,
um camarote real,
baldaquino,
dossel,
o amor, o amor,
o galeão avançando,
navegando,
balançando como um carrossel…



Nota: O corpo humano, no todo ou em parte, pode ser visto sob vários prismas, desde os mais objectivos até àqueles altamente subjectivos. 

A verdade é que eles existem, os prismas, desde o mais baixo, o alarve, popular ou pornográfico, no geral ofensivo, existindo a contrabalançar o prisma estético, ligada ao belo, à beleza, à pintura, à escultura, ao desenho ou à fotografia.  

Já o nobre prisma ou a nobre perspectiva ética defendem que o corpo humano é para respeitar e não é para vender, violentar ou violar por exemplo. Na perspectiva artística defende-se desde há milhares de anos que (em especial o corpo feminino) o corpo seja alvo de admiração se estimado, trabalhado, mente sã em corpo são, admiração que está na origem dos cânones clássicos inda hoje mui considerados. 

Naturalmente não esqueçemos a perspectiva médica, o corpo é um sistema de órgãos muitíssimo complexo. Mais complexo que um automóvel, um avião ou um computador, e deveras muitissímo mais sensível e melindroso.  

Isto para não falar das perspectivas ou abordagens mais subjectivas que a literatura lhe dedica, em prosa ou poesia, geralmente duma beleza ímpar, e que infelizmente não estão ao alcance de toda a gente por razões compreensíveis.