quinta-feira, 3 de outubro de 2019

616 - A AVÓ QUE ME ENCONTROU, By Luísa Baião


Perdi minha Mãe muito cedo, foi uma dor que ainda é, e julgo me acompanhará durante toda a vida. Não só por isso mas também, estreitei os laços que então existiam com meus avós, todos muito queridos, e também já para mim, infelizmente, saudosas recordações.

Talvez por isso a Terceira Idade me sensibilize de forma marcante, ou talvez porque diariamente lido com essa classe etária, tão fragilizada quanto abandonada, por vezes, mas sempre tão carente de atenções, quanto devedoras somos todas das suas memórias.

Não esquecerei jamais minha avó Narcisa, com quem aprendi a enfrentar o mundo e a não adiar problemas. Dormir descansada significava para ela não deixar para amanhã o que devia ser feito hoje. Era alegre como poucas pessoas nessa idade o eram, dela herdei certamente esta disposição que me anima mesmo nos momentos mais difíceis.



De minha avó Joaquina herdei os genes da perseverança e capacidade de trabalho, ainda hoje relembro o seu exemplo, já velhinha mas sempre trabucando, o que lhe permitia ir manducando e estar em paz com Deus e consigo própria. Disputavam as duas a minha presença, pelo que os sábados eram alternadamente vividos com uma e com outra, que para o almoço me preparavam os melhores manjares.

Recentemente casada, órfã e mãe, nunca elas se aperceberam, e por isso ainda me culpo, não lhes ter dito em vida quanto as amava e lhes devia. Julgo que o sabiam, já que vivendo próximas, e ainda que almoçasse com uma delas, nunca olvidava a outra, que, ciumenta, me cobria de beijos e logo ali prodigalizava a ementa para o sábado seguinte.

Os meus avós não me eram menos dedicados, nem eu a eles, esqueci já os seus sermões, mas não esqueci o espírito que em mim incutiram, espírito de devoção, de honestidade da solidariedade, da honra pelo trabalho. Eram homens, muito me mimaram, mas era sobretudo com o meu jovem marido, homem como eles, que gostavam de conversar. E claro brincar com o nétinho, que os fazia babar e pouco maior era, à data, que um chorão.

 Rezar-lhes na campa não redime a minha culpa, por isso todos os idosos são para mim avós, os avós que já não tenho, os avós que queria ter, ainda. Por isso um destes dias, quando na rua João de Deus fui surpreendida por uma velhinha muito querida, não pude deixar de ver nela essas avós que recordo com amor e com saudade, por isso a sua presença me foi agradável, por isso me agradou que sem pudor se tivesse dirigido a mim, que com a pressa com que sempre ando a não via.

Somos vizinhas, embora eu não o soubesse, está internada num lar ali ao Alto dos Cucos, Fontanas, e espera como quem desespera, que os dias se sucedam. O nosso encontro parece ter-lhe sido grato, parece ter-lhe insuflado vida, mal sabe ela quanta gratidão senti em mim por me ter procurado, por me ter tocado, e na verdade tocou-me de perto o coração. Sei ser para ela uma amiga por quem espera à sexta feira, eu não espero, procuro, procuro a amizade e gratidão dessa e de tantas avós que há entre nós, e a quem não devemos esquecer dizer quanto amamos, antes que seja tarde, porque o tempo é uma roda, uma roda que não pára.



Mãe é Mãe, e ninguém substituirá na minha mente e na minha dor a sua memória, minhas avós sabiam-no decerto, já que nunca a procuraram substituir, muito pelo contrário, todas as suas atitudes, sem que o assumissem, foram no sentido de atenuar a minha dor, não fazer-ma esquecer, o que hoje reconheço acertado. Ainda recordo com saudade os seus mimos, as suas carícias, as suas palavras de consolo, amparo e encorajamento. As minhas avós souberam sabiamente deixar intacto um espaço que jamais alguém ocupará no meu coração, o amor por minha Mãe que ainda venero com mágoa, saudade, e sobretudo uma ternura que nem o tempo apagará em mim.

Se alguém me amou incondicionalmente foi sem dúvida essa Mãe que todos os dias lembro e ainda me dá forças, para lutar pela vida, por seguir-lhe o exemplo, que tão bem recordo.

Como é grande a pena que sinto por não a ter comigo, tão grande como o esforço que diariamente faço para que se orgulhasse de mim se entre nós estivesse. 

A saudade não tem fim.




***** By Maria Luísa Baião. Texto talvez inédito.