Quanto vale a vida, me interrogo às
vezes, se tantas só cuida de nos ocupar com sofrimento, por isso me vedes raros
dias coberta de tristeza. Não temo da fortuna a roda, logro os anos, o duro
fado que não desejo ao mais desesperado ser.
Tudo nesta cidade me enfada,
contrariedades, confusão, mágoas, o tempo adiado. Para aqui fico esmorecida,
por vezes em segredo, de tal modo muda e queda que nem de mim dou sentido. Quem
me atenua mágoas destas, quem me lima as arestas do meu ser que eu já não posso
mais, cheia que estou de tanta coisa que calo agora.
Quando confronto a idade avançando,
penso no horror do tempo incerto a que a vida me convida. O bem se acaba, o mal
piora, ou raízes lança e eu anseio pela mudança que retardo, enquanto aguardo,
a ver se a esta sorte mudo o norte. Deus está comigo, Ele tem dons soberanos,
arrasta-me, lançando sobre mim sua virtude de modo que eu a viver venha, afortunada.
Se um divino raio o peito me rompesse e
dentro dele visse o meu tormento, decerto de mim se condoeria, decerto
contentamento me daria. Tem-me crescido no peito tal angústia que pouca coisa
no mundo me alivia, excelsos momentos de harmonia não chegam para esquecer o
sofrimento. Resta-me a esperança e é tal a minha sorte, que encontro a vida e
engano a morte.
Estimo a natureza, a vida, embora receie
perdê-la, mas não pertenço aqueles que só crêem feliz um descontente quando se
parte deste mundo. Não aceito quanto infeliz sou e me parece às vezes, que até
o Céu me escuta sem agrado.
No meu semblante a gentileza, nos modos
e no falar a destreza, no espírito a infalível (?) medicina que as vidas dilata
e contra a qual tantas nos revoltamos em atitude ingrata.
Suja, velha, negra, arvorando a foice,
faiscando, tu que tudo destruis, tudo arruínas, vai-te ! Não chegou ainda a
minha hora ! Vai-te, não és tu quem está inscrita em minha sina ! Do alto do
monte Santo contemplo com piedade um esplendor de fé cobrindo a cidade. Tudo aquilo
me inquieta e uma vez mais parte, que não volte, que não tente, ao sofrimento
tornar-me indiferente. Tudo que neste mundo me inquiete, adeus. A vossa melodia
não me interessa, passou já o tempo de sofrer, agora é tempo de ventura, de
alento, de aliviar esta carga, a vós me mostrar ingrata pois não sereis vós na
certa quem me mata.
Verão, se é que o não viram já com
espanto, que do meu e só meu tormento e sentimento não dou já qualquer
testemunho público. Nem íntimo pranto. Que cante, me sussurra o espírito em
surdina, que dance, cicia a meus ouvidos, que toque me dizem os braços sonhando
cingir um violão. Sinto comigo o génio como companhia. Um raio de sol poisa a
meus pés, me assedia, terno, qual mensageiro celeste, parecendo perguntar-me;
- Como pudeste ?
Sim, como pude perder a esperança ? A fé
? Como pude olvidar a consciência ? Como pude fazer-lhe frente, resistência ? À
vida que brota efervescente ?
Quando contemplo o pulsar da vida no
bulício desta aldeia global a céu aberto, afortunada e gentil me fico em paz. Navegasse
eu o mar e a tudo sem temor resistiria, assim, se se acabasse o meu tormento,
de todos os outros males zombaria.
E então agora, sinto-me por cima das
estrelas, olho a Terra em baixo e logo penso que muito daquilo a que
atendemos não passa de triste minudência. Respiro fundo, dou força a esta
chama acesa no meu peito. Cedo à Divina Glória, ao amor, à vida !
Vou dançar, ao café, ao teatro, ao
musical, vou, vou, vou... Fazer da vida um jogo de paciência.
* Publicado no Diário do Sul
por Maria Luísa Baião em 18-05-2001, rubrica "KOTA DE MULHER".