ALMAS ESTILHAÇADAS
Lembro-te demasiado ainda e,
choro-te já contra vontade
num choro sofrido e babado
impossível de suster,
um choro gemido, chorado.
Penso nos mistérios
desbravados,
tudo que nos ensinámos,
e juntos descobrimos
nos passeios dados e
trilhados,
mão na mão, cojito em
ebulição,
sempre enovelados.
Em vez de passos incertos um
fio
estendido,
da partida à
chegada e,
cada novelo um mistério
desvendado.
E tanto passo dado,
tanto caminho trilhado,
pensar desenrolado,
nastro estendido,
desatado,
descobertas maravilhas,
tantas,
tantas quantos os dias
partilhados e,
agora lembrados,
agora chorados,
agora gemidos,
agora sofridos.
Por vezes interrogo-me,
ter-te-ei respondido a todas as
perguntas ?
a todos os desejos, todos
os anseios ?
correspondido ao que
de mim esperavas ?
mesmo aos devaneios ?
terei cumprido as
expectativas ?
Centenas de vezes me
pergunto se,
se não poderia ter feito
mais,
ter ido mais longe,
ter feito melhor,
ter-te amado mais.
Lembro-te milhares de vezes
e
ao aprendido contigo ou,
ao partilhado comigo,
no pouco que viveste.
Outras vezes quão pouco viveste,
desse tanto sendo tudo,
agora nada.
Imensas vezes me interrogo e
outras tantas me pergunto,
sim, todas as vezes que te
lembro,
e são muitas,
demasiadas as
recordações,
esboroando-se.
Sinto perder-te com o tempo,
perder o pé, o fio da meada,
o fio de Ariadne porque
esboroadas, toldadas,
essas recordações se enleiam
e confundem no meu espirito
numa alquimia que,
aos poucos as altera,
as modifica a meu desejo e,
assim as falseia, ou
remenda,
remedeia, Medeia, reconstrói
e,
transforma num ideal vero,
verdadeiro,
de esteios colados a desejo.
Verdades coladas a esmo para
colmatar mágoas,
calar
prantos, sarar chagas,
te endeusar a estes olhos
cegos para ti
pois não mais te viram,
nem verão.
Idealizo-te, esqueço-te e,
assim traindo-te, te mitifico,
te torno tabu e totem,
madeiro, trave,
porto seguro onde me
abrigar,
tábua a que me agarrar,
madeiro alimentando sonhos.
E agora que te endeusei
e tudo e todos contigo
comparo,
não há comparação,
tudo, todos batidos aos
pontos e,
mais bates ainda neste
coração.
Sei quão injusto é,
seres agora
invencível,
porque te guindaste ao altar
erguido e
se tempos houve em que me
enfeitiçaste
percebi agora quanto te
endeusei,
para mal de todos,
para mal de mim e dos meus
pecados,
incapaz agora de me dar aos
outros,
obcecado,
incapaz de viver e conviver,
pois me matas aos bocados,
nos tornaste pedaços,
de mim e de ti,
já não sou o mesmo, já não
sou eu,
nem tu és tu.
Foste galáxia que me
estilhaçou …