sábado, 4 de abril de 2020

640 - ALMAS ESTILHAÇADAS ...



                                ALMAS ESTILHAÇADAS


Lembro-te demasiado ainda e,
choro-te já contra vontade
num choro sofrido e babado
impossível de suster,
um choro  gemido, chorado.

Penso nos mistérios desbravados,
tudo que nos ensinámos,
e juntos descobrimos
nos passeios dados e trilhados,
mão na mão, cojito em ebulição,
sempre enovelados.

Em vez de passos incertos um fio
estendido, 
da partida à chegada e,
cada novelo um mistério desvendado.

E tanto passo dado,
tanto caminho trilhado,
pensar desenrolado, 
nastro estendido, 
desatado,
descobertas maravilhas, 
tantas,
tantas quantos os dias partilhados e,
agora lembrados,
agora chorados,
agora gemidos,
agora sofridos.

Por vezes interrogo-me,
ter-te-ei respondido a todas as perguntas ?
a todos os desejos, todos os anseios ?
correspondido ao que de mim esperavas ?
mesmo aos devaneios ?
terei cumprido as expectativas ?

Centenas de vezes me pergunto se,
se não poderia ter feito mais,
ter ido mais longe,
ter feito melhor,
ter-te amado mais.

Lembro-te milhares de vezes e
ao aprendido contigo  ou,
ao partilhado comigo,
no pouco que viveste.

Outras vezes quão pouco viveste,
desse tanto sendo tudo,
agora nada.

Imensas vezes me interrogo e
outras tantas me pergunto,
sim, todas as vezes que te lembro,
e são muitas,                     
demasiadas as recordações,
esboroando-se.

Sinto perder-te com o tempo,
perder o pé,  o fio da meada,
o fio de Ariadne porque
esboroadas, toldadas,
essas recordações se enleiam
e confundem no meu espirito
numa alquimia que,
aos poucos as altera,
as modifica a meu desejo e,
assim as falseia, ou remenda,
remedeia, Medeia, reconstrói e,
transforma num ideal vero,
verdadeiro,
de esteios colados a desejo.

Verdades coladas a esmo para
colmatar mágoas, 
calar prantos, sarar chagas,
te endeusar a estes olhos cegos para ti
pois não mais te viram,
nem verão.

Idealizo-te, esqueço-te e,
assim traindo-te, te mitifico,
te torno tabu e totem,
madeiro, trave,
porto seguro onde me abrigar,
tábua a que me agarrar,
madeiro alimentando sonhos.

E agora que te endeusei
e tudo e todos contigo comparo,
não há comparação,
tudo, todos batidos aos pontos e,
mais bates ainda neste coração.

Sei quão injusto é,
seres agora invencível,
porque te guindaste ao altar erguido e
se tempos houve em que me enfeitiçaste
percebi agora quanto te endeusei,
para mal de todos,
para mal de mim e dos meus pecados,
incapaz agora de me dar aos outros,
obcecado,
incapaz de viver e conviver,
pois me matas aos bocados,
nos tornaste pedaços,
de mim e de ti,
já não sou o mesmo, já não sou eu,
nem tu és tu.


Foste galáxia que me estilhaçou …