terça-feira, 15 de setembro de 2020

659 - ESTAR OU NÃO ESTAR, SER OU NÃO SER…



ESTAR, NÃO ESTAR, SER, NÃO SER …


Passei por ali, por onde andavas

Comummente

Ou costumavas andar
ou quando não estavas
por lá costumavas passar
passavas
mas não estavas

Não, não te vi
mas por momentos vi-te
ou antevi-te, como eras
como sempre estavas
e eras, sorridente
dentes brancos
teclas de piano
olhos ridentes, vivos

Fresca

Boca pequena, lábios finos
magra, cintura estreita
boneca articulada
atravessada de ginasta
e lá estavas
saia de pregas, curta
ténis Sanjo
blusa preta
não era violeta a que usavas ?

Habitualmente

Pois, usavas
usavas, mas já não usas
prestaste provas
passaste o testemunho
cumpriste a maratona
a tua olimpíada
deixaste-nos as medalhas
no fim só elas ficam

Restam perdidas por aí
aos milhares
em antiquários
algumas no prego
provas de vida
provas devidas

Vidas que se foram
nos deixaram
desampararam
tramaram
abandonaram

Saem de nós os mortos, e em nós ficam
saem de nós, nunca nós deles
a quem continuamos cutucando
ora culpando ora perdoando
ou interrogando
e calando, abafando
censurando
afogando em mágoas
afogando-nos

Respirei fundo
sacudi a água e
estendido na relva fresca do jardim
dos Colegiais
ou do Paraíso
                                               recordei-te
lembrei-te
                                 como se estivesses
e estavas
                                                    em mim
e não estavas
                                         mas amei-te ali



Em tempos



                      Habito recordações 



                      Alimento-me de mágoas

lembranças
                                                  memórias
orações
                                                      ilusões
saudades


Saudades que nem lágrimas mitigam
ou escondem
caudal dando-te vida
iludindo-me
embalando-me
enganando-me
na beatitude mórbida com que me suplicio

Silício
Sísifo
Tântalo

Esperança vã ...



by Humberto Ventura Palma Baião
 Porto / Valongo / Ermesinde, 15 de Agosto de 2020