ESTAR, NÃO ESTAR,
SER, NÃO SER …
Passei por ali, por
onde andavas
Comummente
Ou costumavas andar
ou quando não estavas
por lá costumavas
passar
passavas
mas não estavas
Não, não te vi
mas por momentos
vi-te
ou antevi-te, como
eras
como sempre estavas
e eras, sorridente
dentes brancos
teclas de piano
olhos ridentes, vivos
Fresca
Boca pequena, lábios finos
magra, cintura
estreita
boneca articulada
atravessada de
ginasta
e lá estavas
saia de pregas, curta
ténis Sanjo
blusa preta
não era violeta a que
usavas ?
Habitualmente
Pois, usavas
usavas, mas já não
usas
prestaste provas
passaste o testemunho
cumpriste a maratona
a tua olimpíada
deixaste-nos as
medalhas
no fim só elas ficam
Restam perdidas por
aí
aos milhares
em antiquários
algumas no prego
provas de vida
provas devidas
Vidas que se foram
nos deixaram
desampararam
tramaram
abandonaram
Saem de nós os mortos,
e em nós ficam
saem de nós, nunca nós
deles
a quem continuamos
cutucando
ora culpando ora
perdoando
ou interrogando
e calando, abafando
censurando
afogando em mágoas
afogando-nos
Respirei fundo
sacudi a água e
estendido na relva
fresca do jardim
dos Colegiais
ou do Paraíso
recordei-te
lembrei-te
como se
estivesses
e estavas
em mim
e não estavas
mas
amei-te ali
Em tempos
Habito recordações
Alimento-me de mágoas
Habito recordações
Alimento-me de mágoas
lembranças
memórias
orações
ilusões
saudades
Saudades que nem
lágrimas mitigam
ou escondem
caudal dando-te vida
iludindo-me
embalando-me
enganando-me
na beatitude mórbida
com que me suplicio
Silício
Sísifo
Tântalo
Esperança vã ...
by Humberto Ventura
Palma Baião
Porto / Valongo / Ermesinde, 15 de Agosto de 2020