Maré
Cheia, maré vazia, baixa-mar e preia-mar e, enquanto buscava no areal e nas
rochas os níveis atingidos e as respectivas marcas milenares, ela interromperia a conversa lógica que vinha sendo trilhada, conversa desfiada cujo rasto se
poderia ver no areal húmido, pé direito, pé esquerdo, um pé atrás de outro pé,
ou pés.
À direita passinhos miudinhos que mal imprimiam a sua marca na areia, por vezes certamente dando pressurosos saltinhos, provavelmente para acompanharem as minhas pegadas, passos largos e bem calcados à esquerda do trilho, passos bem espaçados, ritmados até à paragem agora visível ante nós e onde a areia toda calcada e espezinhada, covas, traços e riscos de pés arrastados, um calcanhar espetado na areia mole, adiante uma patada, a areia parecendo afundar-se quando ela, subvertendo toda a lógica, a da matemática e a da batata:
- Fala-me de empatia, que dirias da empatia, dizes-me ?
E eu com uma vontade vera e irritada de a mandar consultar um dicionário, uma enciclopédia, o Google, encolerizado com a pequenez da proposta, a timidez da proposta, eu mirando as rochas, os rochedos cobertos de mexilhão e lapas, cada um tendo no cocuruto uma gaivota, e eu vendo o que por trás deles se escondia, a confissão, uma confissão,
gosto de ti, de ver como apesar do tempo te aventuras, de como apesar das circunstâncias te confessas, gosto de ti,
de te ver planar sobre as ondas, mergulhar no mar e sair airosa, olhando em redor procurando poleiro nesta praia, neste rochedo onde pousas tal qual uma sentinela toma conta de um lugar, primeiro com algum receio ou timidamente, até a medo, depois o domínio dos passos, da situação.
Então a confiança instala-se, o posto passa a ser teu, outras gaivotas que façam o mesmo, o que não faltam por aí são rochedos, rochas, falésias, praias, mares, oceanos, mas é este mar este oceano que te enche de curiosidade, como ao Gama, ao Magalhães, ao Cabral, ao Colombo e a tantos outros que por eles se aventuraram, os desafiaram e venceram, que os temeram e abraçaram.
Primeiro a curiosidade, depois a simpatia, a empatia de seguida, os limões, as limas, as toranjas, as laranjas, o escorbuto vencido, aumentada a resistência, desafiada a resiliência, é isso a resiliência, quem aguenta mais, quem suporta mais, quem resiste mais ?
A empatia é um passo, um degrau, um momento, uma pegada na areia, e a caminhada ? Toda a caminhada por maior que seja começa com um pequeno passo, seja ela grande ou pequena e, passo a passo cumpre-se a jornada, a viagem, dobra-se o Cabo das Tormentas, volve Boa Esperança, dá-se a volta ao mundo, depois reparte-se, metade para mim metade para ti, Tordesilhas 370, joga nesse número que te sairá a lotaria, aposta, só sai a quem joga, a quem aposta, compra a cautela.
Cautela