715 - CHEGA, A DÉCADA PERDIDA E O VOO CEGO DA FÊNIX
Primeiro
foi o júbilo, genuíno mas descontrolado, nada era demasiado bom para ser
verdade e aquele momento tinha sido esperado, ansiosa e pacientemente, por isso
ali não havia exagero. O exagero viria depois, depois de consolidado o júbilo,
depois de consolidado o poder. 2021 será um ano para festejar.
Agora
era hora de festa, a meditação viria aos tropeções, como quem acorda de um
sonho e demora algum tempo a processar a realidade. Até porque com tantas guerras que travaram já nem sabem fazer as pazes.
E a
meditação, na pastelaria ou não, viria coberta não de chantilly mas de uma
ânsia revanchista, inata e animalesca, quase simiesca e, um a um a turba foi
engrossando, as mensagens passando-as de mão em mão ou em surdina, sendo então que me ocorreu o déjà vú, as montras
pintadas ou partidas, a impunidade medrando, o medo instalando-se. Os mais
argutos fizeram as malas e cavaram, os que acreditaram foram honrados com uma
estrela amarela no peito e não partiram, nem ficaram, simplesmente
desapareceram.
Um
arrastão tomou conta do jubilo, não um tsunami, nem um tornado ou furacão, mas
um arrastão espontâneo, explosivo, e montada nele a raiva e a inveja de muitos
anos e, sob ele, como um tapete rolante, ajudando-o na deslocação, no movimento
de progressão, um resquício velho e fermentado de chauvinismo e vingança, um
desejo irracional abafado há décadas, surdamente alimentado por reformas que
não tiveram lugar mas lhe mercaram o destino como se marca de véspera um
bilhete na ópera, ou no cinema, uma reserva, que nunca foi gasta, nem consumida,
mas alimentada e agora explode neste arrastão espontâneo mas que esperava mudo,
há anos, há décadas, e agora tomou o freio nos dentes e ninguém sabe como o parar,
como o suster, como o enfrentar, como o resolver, como solucionar.
Depois
não foi Mao quem pontificou, foi antes um mau momento, digamos que uma
sequência de maus momentos, sequência tão longa quão durou a Revolução Cultural,
essa sim de Mao, essa sim muito má, muito mazinha, não um tufão, nem um tornando,
nem tsunami, nem arrastão, antes caos, catástrofe, cataclismo, como se alguém
tivesse puxado o autoclismo e toda a China tivesse borbulhado num turbilhão redentor
cujo sacrifício e sangue mártir a tivesse lavado e preparado para a festa que
se seguiria, por isso hoje ela de fato e gravata, varrendo para debaixo do
tapete pesadelos como Tiananmen, surgindo impoluta na frente do G15, na
frente do mundo, vanguarda vermelha liderando rumo ao Big Brother total e incontornável,
marcando agenda e tapando a merda, e por falar em merda lembrei-me quantos
merdosos irão ter ainda veras saudades de Salazar, um menino de coro, Homem com
H como canta Ney Matogrosso, quantos o recordarão com saudade, se tiverem
tempo, se tiverem oportunidade, se viverem para isso, se viverem para tal e
ponto final.
A
euforia deu então lugar à confusão, como quem acorda de um bebedão e não
acredita, não crê no que vê depois da festa, da euforia, da alegria, de uma década
de confusão e atropelos, tropeções e desmazelos, será preciso que lhe
digam;
- é
o fim da festa pá.
Como
disseram ao outro,
- os
russos estão em Berlim.
e só então ruiu o castelo de
cartas pois tudo tinha sido armado no ar como as barracas e ele, A.V. o “Pé Leve”,
afinal tinha pés de barro e ficara siderado olhando os estragos e não crendo,
não acreditando que tão poucos tivessem provocado tantos danos, os malvados, os
danados, esquecendo a velocidade furiosa a que correra, as orelhas moucas que
fizera, as peças de dominó que levantara aprumadas, agora caindo uma a uma numa
sequência inexorável e aprimorada deixando atrás um rasto indizível de
surpreendente e inexplicável destruição que nenhum oráculo quis antever
primeiro, muito menos comentar depois. 2031 será a cúspide de uma década que ninguém esquecerá.
Sabemos
apenas de ciência certa que este povo tão mortificado quão estupidificado teria
feito e fará como sempre, limitar-se-á a encolher os ombros, a olhar para o
lado esperando resignado o próximo passo, o próximo fado, ignorando propositada
e galhardamente a inexistência do homem da guitarra, do sábio da viola e, assim
como até ali de tudo se alheara numa indiferença secular, assim fará doravante
pois não está, nunca esteve e jamais estará para se maçar.
Assim
como assim alguma coisa há-de aparecer, alguma coisa estará para acontecer, qualquer coisa que devia perceber, o
melhor que há a fazer é o que sempre fez, o melhor será virar- -se para o outro
lado e adormecer…
https://www.youtube.com/watch?v=bL9VLWae1AI
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