ORADA, NA PLANÍCIE DOURADA *
No
penúltimo Domingo quilometrei até Orada, pacata freguesia, esquecida e
escondida na prestes dourada planície alentejana. Palmilhei mais do que queria,
má sinalética, não lembrando nem fazendo jus àquela poética freguesia de cheiros,
paladares, manjares e, me deixou ir embalada, até me ver perdida, quase em
Messejana.
Um
amigo e um marido me arrastaram, mau grado o tempo, que os Deuses nesse dia
escureceram e molharam. Perderam, pois não dei nem o dia nem o passeio por
malfadado. Lamentei não ter podido molhar a provadeira num azeite que cismava, contemplado
em duas enormes taças, por ele douradas, por ele abençoadas, fazendo crescer em
nós água na boca, quedei, sem meio de molhar a sopa e degustar, tão rico
paladar que só no Alentejo nos é dado apreciar.
Mas
vinguei-me e tive apesar disso e para isso esquecer, querer, vontade e poder
para me empanturrar. Foram glórias, foram bolos, foram doces, queijos, vinhos,
foram enchidos, foram vitórias, foram pastéis, foram rissóis, foram sóis.
Fartei-me, deliciei-me, até quase arrebentar. Nem botei quantia astronómica
para ensacar recordações que, verdadinha verdadinha, nem duraram quinze dias,
mas me doiraram a cozinha, com cheiros e néctares de dar a volta à cabecinha.
Gastronómica
foi a lição, pois assim a queria um Guarda Verdades que, sabedor dos segredos
que quer ver guardados por todas, nas nossas mãos pôs o pão, também esse, como
os doces, velhas receitas de abadias e conventos que, novas técnicas e novos
hábitos em advento, queriam, teimam, atirar ao esquecimento.
O
Guarda Verdades sabe o que muita gente ignora, que a gastronomia alentejana nos
põe a andar à nora, somente porque, e não mente, as ervas alimentares e
aromáticas, são coisa emblemática, que não só enriquecem os pratos, como fazem
bem aos asmáticos.
As
ervas são pois coisa prática, enriquecem a merenda, curam a ciática, a úlcera
hepática, a gripe asiática e, coisa enigmática, curam sorumbáticas, fleumáticas
e, não sei se não farão igualmente bem a gente fanática.
A
história do Alentejo está pejada de misérias e pilhérias e, o alentejano, rei
do improviso, do definitivo provisório ou do provisório definitivo, há muito
aprendeu a dourar a pílula, misturando aos catacuzes e outras ervas tais,
sabores e cheiros que, se numa primeira fase o ajudavam a comer o pão que o
diabo amassava sem ter que fazer cruzes, acabaram tornando a nossa gastronomia
digna de manjares reais.
Cardos,
beldroegas, espargos, foram mágica e eficazmente salpicados com orégãos, poejo,
louro, qb de hortelã da ribeira, miscelânea de sabores, cheiros ou odores e
amores.
Numa
coisa o Guarda Verdades se enganou, ele não promoveu só uma terra esquecida,
promoveu em simultâneo, e espero que continue a promover, uma ciência olvidada,
uma terrina pejada de tradição e prazer, que no fundo será o mesmo que dizer,
não ao fast food, enquanto houver para comer qualquer gamela d'Orada.
Que o
Alentejo é terra rica, todas há muito o sabemos, quem queira beber da bica
limpando ao lenço o suor, é mais difícil achar, porque os tesouros desta terra
dão mais trabalho a desmatar que ir ao fundo das minas p’ró mero ouro arrancar.
Actividades,
emprego, crescimento sustentado, desenvolvimento integrado, investimento, finanças,
coisas fáceis de dizer, mas, perguntem ao Guarda Verdades, que anda metido
nestas danças em que andanças se meteu. Por certo mais trabalhosas que no campo
arrancar mato. Descobrir um património, fazer de um gentio campónio ou
guardador de rebanhos, que são coisas para antanhos, nem que lhe acenem com
panos, com riquezas, com proventos, porque escolherá atalhos que o conduzam à
cidade mesmo que o levem ao chão.
Já não
há moralidade e, nem Garcia da Horta e sua imortalidade o convencem da verdade.
Para o ano lá estarei, com comitiva a preceito e sabedora que os
"serviços" vão estar muito mais a jeito.
* By Maria Luísa Baião,
escrito terça-feira, 11 de Maio de 2004, pelas 22:10 h e provavelmente publicado
nos dias seguintes no Diário do Sul, coluna Kota de mulher.