quinta-feira, 1 de julho de 2021

717 - ORADA, NA PLANÍCIE DOURADA * ..........



ORADA, NA PLANÍCIE DOURADA *

 

No penúltimo Domingo quilometrei até Orada, pacata freguesia, esquecida e escondida na prestes dourada planície alentejana. Palmilhei mais do que queria, má sinalética, não lembrando nem fazendo jus àquela poética freguesia de cheiros, paladares, manjares e, me deixou ir embalada, até me ver perdida, quase em Messejana.

 Um amigo e um marido me arrastaram, mau grado o tempo, que os Deuses nesse dia escureceram e molharam. Perderam, pois não dei nem o dia nem o passeio por malfadado. Lamentei não ter podido molhar a provadeira num azeite que cismava, contemplado em duas enormes taças, por ele douradas, por ele abençoadas, fazendo crescer em nós água na boca, quedei, sem meio de molhar a sopa e degustar, tão rico paladar que só no Alentejo nos é dado apreciar.

 Mas vinguei-me e tive apesar disso e para isso esquecer, querer, vontade e poder para me empanturrar. Foram glórias, foram bolos, foram doces, queijos, vinhos, foram enchidos, foram vitórias, foram pastéis, foram rissóis, foram sóis. Fartei-me, deliciei-me, até quase arrebentar. Nem botei quantia astronómica para ensacar recordações que, verdadinha verdadinha, nem duraram quinze dias, mas me doiraram a cozinha, com cheiros e néctares de dar a volta à cabecinha.

 Gastronómica foi a lição, pois assim a queria um Guarda Verdades que, sabedor dos segredos que quer ver guardados por todas, nas nossas mãos pôs o pão, também esse, como os doces, velhas receitas de abadias e conventos que, novas técnicas e novos hábitos em advento, queriam, teimam, atirar ao esquecimento.

 O Guarda Verdades sabe o que muita gente ignora, que a gastronomia alentejana nos põe a andar à nora, somente porque, e não mente, as ervas alimentares e aromáticas, são coisa emblemática, que não só enriquecem os pratos, como fazem bem aos asmáticos.

 As ervas são pois coisa prática, enriquecem a merenda, curam a ciática, a úlcera hepática, a gripe asiática e, coisa enigmática, curam sorumbáticas, fleumáticas e, não sei se não farão igualmente bem a gente fanática.

 A história do Alentejo está pejada de misérias e pilhérias e, o alentejano, rei do improviso, do definitivo provisório ou do provisório definitivo, há muito aprendeu a dourar a pílula, misturando aos catacuzes e outras ervas tais, sabores e cheiros que, se numa primeira fase o ajudavam a comer o pão que o diabo amassava sem ter que fazer cruzes, acabaram tornando a nossa gastronomia digna de manjares reais.

 Cardos, beldroegas, espargos, foram mágica e eficazmente salpicados com orégãos, poejo, louro, qb de hortelã da ribeira, miscelânea de sabores, cheiros ou odores e amores.

 Numa coisa o Guarda Verdades se enganou, ele não promoveu só uma terra esquecida, promoveu em simultâneo, e espero que continue a promover, uma ciência olvidada, uma terrina pejada de tradição e prazer, que no fundo será o mesmo que dizer, não ao fast food, enquanto houver para comer qualquer gamela d'Orada.

 Que o Alentejo é terra rica, todas há muito o sabemos, quem queira beber da bica limpando ao lenço o suor, é mais difícil achar, porque os tesouros desta terra dão mais trabalho a desmatar que ir ao fundo das minas p’ró mero ouro arrancar.

 Actividades, emprego, crescimento sustentado, desenvolvimento integrado, investimento, finanças, coisas fáceis de dizer, mas, perguntem ao Guarda Verdades, que anda metido nestas danças em que andanças se meteu. Por certo mais trabalhosas que no campo arrancar mato. Descobrir um património, fazer de um gentio campónio ou guardador de rebanhos, que são coisas para antanhos, nem que lhe acenem com panos, com riquezas, com proventos, porque escolherá atalhos que o conduzam à cidade mesmo que o levem ao chão.

  Já não há moralidade e, nem Garcia da Horta e sua imortalidade o convencem da verdade. Para o ano lá estarei, com comitiva a preceito e sabedora que os "serviços" vão estar muito mais a jeito.

 

By Maria Luísa Baião, escrito terça-feira, ‎11‎ de ‎Maio‎ de ‎2004, ‏‎pelas 22:10 h e provavelmente publicado nos dias seguintes no Diário do Sul, coluna Kota de mulher.