terça-feira, 30 de novembro de 2021

FERNANDO PESSOA, UM LIBERAL À DIREITA.

 


739 - FERNANDO PESSOA, UM LIBERAL À DIREITA
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FERNANDO PESSOA - reflexões sobre estética e ética da sua obra  “PAGINAS DE ESTÉTICA E DE TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA”

 

Nesta obra que por milagre me veio parar às mãos num alfarrabista, de Fernando Pessoa estão reunidos alguns fragmentos dispersos do seu pensamento, por vezes escassos mas contudo autênticos e geralmente condensados de modo brilhante.

 

Pelas suas características e necessidade há muito procurava este livro, naturalmente esgotadíssimo pois é raro que sejam reeditadas obras que garantam pouca saída e ainda um menor lucro comercial. Uma pérola a cujo estudo me dediquei de imediato.

 

Trata-se de fragmentos esparsos do pensamento de Fernando Pessoa (F.P.), um pensamento que todavia parece nunca ter fim. Folhas soltas, agendas, cadernos, em tudo que tinha à mão o mestre F.P. escrevinhava e anotava o que lhe ia na alma. São esses fragmentos dispersos do seu pensamento, que agora, bem aglomerados ou condensados, que diria mais parecendo nunca terminarem.

 

Ainda que soltos, o trabalho dos feitores do livro foi precisamente juntarem-nos por temas, estão como disse brilhantemente interligados, constituindo uma torrente de pensamento, ou se quiserem uma corrente, quer dedutiva quer intuitiva, mas sempre tecendo uma tal rede de relações entre si que nos permitem sem qualquer margem de erro formular ou formatar a partir deles a sua concepção ética.

 

Ética por ser sobretudo de estética e crítica que a obra trata, e onde vimos críticas estéticas vimos análise, quantificação já que, quer a crítica quer a avaliação estética implicam uma escala de valores, uma apreciação, uma comparação com, uma medição a partir ou baseada em, sendo esse “em” o conjunto de valores ou regras, entre eles os éticos, os da moral, que enformam a apreciação crítica e acabam por sobressair numa obra não especificamente a eles dedicada.   

 

Fragmentos sim, mas que porém nos permitem formular acerca de si, dele, uma unidade, uma coerência, aliás consentida pela repetição obsessiva dos temas, de citações ou fórmulas que, inda que fragmentadas e tão esparsas quão escassas, nos desvendam contudo a unicidade, o rumo, a raiz do seu pensamento. São de tal ordem que poderei dizer estar F.P. a mostrar-nos a raiz escondida do seu pensamento mais íntimo que, ainda que abstracto, não se desvia do raciocínio puro, especulativo, abrindo-nos a alma, coisa a que parece anuir.

 

Foi o facto de parecer desejar que possamos observar o seu pensamento, ético e estético, mostrando-nos ou permitindo-nos reconhecer nele Fernando Pessoa a existência consciente que tem da importância do seu papel, dessa sua missão espiritual pois conhecia-se a si mesmo, sabia o seu próprio valor, sabendo como influenciar, tendo consciência de que influenciaria as gerações futuras, e como tal entendia que devia doar à humanidade o produto do seu génio, que me levou, primeiro inconscientemente, depois com acutilância a dar atenção a ele, pensamento, tanto quanto às expressões por ele tidas ou demonstradas, e que me levaram a compará-lo com uma outra personalidade ultimamente muito em voga, ultimamente muito reconhecida, diria que finalmente reconhecida e respeitada, tanto quanto o foi e é Fernando Pessoa.

 

Passaram quarenta e sete anos sobre o 25 de Abril, o qual não só se limitou a derrubar um regime e uma elite aos quais a maioria dos portugueses não dedicava apreço, para não dizer pior, quarenta e sete anos durante o qual se malhou nesse regime a despeito de tudo e de nada sem contudo o tentar perceber, estudar ou perceber. Os portugueses apercebem-se agora, lentamente é certo, que o dito regime tem as costas largas e tudo que é culpa lhe é atirada acima, em especial do elemento ou personagem que mais personifica (desculpem a redundância) esse regime e à frente do qual se manteve durante mais tempo, António de Oliveira Salazar.

 

Certamente de forma não inocente nem negligenciável A. O. Salazar ganhou há poucos anos um concurso da RTP destinado a premiar o português mais ilustre e competente da nossa história. Para surpresa de muita gente e apesar de tanto malharem nele António de Oliveira Salazar ganhou folgada e exuberantemente a contenda. Parece ter sido a partir daí que as consciências se abriram e procuraram analisá-lo de modo coerente, e em especial comparar a sua acção com os feitos da nossa recente democracia, pleito que uma vez mais António de Oliveira Salazar parece estar a vencer sem concorrência. Com efeito, se comparadas as realizações de trinta e seis anos de governo Salazarista com os quarenta e sete que esta democracia já leva ninguém poderá duvidar que fomos enganados. Esta democracia não presta, nem merece chamar-se democracia.

 

Fernando Pessoa conhecia o seu próprio valor, tinha consciência dele, pois sobre tudo reflectia conscientemente estando cônscio da sua superioridade intelectual e cultural, podendo com justiça aferir-se a partir desses “fragmentos” existir nele uma sede de imortalidade que aliás se encontra plasmada também nas páginas de “Erostratus” e de “Impermanence”.

 

E pergunto eu, não se tornou ele e imortal ? Ele e os seus heterónimos ? Ele e o seu pensamento ?

 

Prendeu-me a ele em especial um pensamento alusivo ao génio e ao talento citado na página oitava (XIII) da introdução, muito p’lo modo como ele admirava o génio, em especial os grandes génios da humanidade, ora vejamos;

 

A essência do génio é ficar incompreendido na própria época e ser descoberto pela época seguinte, prevendo assim o seu próprio destino.

Cada época reage, diz-nos Fernando Pessoa, contra as fórmulas mortas da época precedente e venera os génios que, nessa altura viveram em oposição ao seu tempo.

O que o génio pode esperar dos seus contemporâneos, é o desprezo: e quanto mais nobre o génio, menos nobre o destino.

 

E não foi assim com Salazar ? Não o ignorámos primeiro pra o desprezar depois ? Não foi ele, mais que incompreendido, escondido dos portugueses por outros portugueses ?

 

Fernando Pessoa era extraordinariamente dedutivo e perspicaz, e a sua exposição, a sua expressão escrita, o seu legado, é quanto a isso mais que suficientemente esclarecedor.

 

Segundo Fernando Pessoa o homem génio é aquele que supera a sua época por estar em oposição a ela, dividindo os homens em superiores e inferiores, com os génios acima da espécie enquanto os restantes são os ignotos, “meros componentes da massa ignara”, havendo que colocar entre os génios e o povo uma barreira que ele nunca possa transpor…

 

Não esteve Salazar sempre acima de tudo e todos ? Não estabeleceu ele uma barreira entra a massa ignara e o poder que representava, que exercia  ?

 

Certamente F. P. nos deu neste testemunho uma concepção mítica mas desumanizada do génio, porém outros escritos nos ajudam a conjugar esta sua concepção antidemocrática com a pouca fé por ele tida na democracia.

 

Todavia nunca existiu a mínima dúvida de que Fernando Pessoa era um patriota, definindo Portugal como criador de um elemento básico da civilização moderna, o universalismo, ou a universalidade, pois demos mundos ao mundo, mas de igual forma é capaz ou foi capaz de certeiramente acentuar a nossa pobreza cultural caracterizando exemplarmente o provincianismo mental português, mal de que infelizmente ainda padecemos.

 

 Quanto a ele seríamos e somos uma espécie de adjacência civilizada da Europa, e que somos não um país de poetas como dizem os idiotas (palavras dele), mas um país de mandriões. Neste item daremos igualmente razão a António Sérgio que de idêntico modo nos classificou, item que é corroborado pelos estudos que Hernâni Cidade nos deixou sobre nós enquanto povo.

 


O prefácio de Georg Rudolf Lind e a participação de Jacinto Prado Coelho e outros valoraram imenso esta obra, já de si muito hermética, como são muitos dos pensamentos de Fernando Pessoa, digamos que as suas colaborações são valiosíssimas no contexto e conteúdo que o livro aborda.

 

Despertou sobremaneira a minha curiosidade uma carta de Fernando Pessoa a Marinetti* (o futurista) em que afirma categoricamente;

Se houvesse que sacrificar um povo, isso significaria a perda para sempre de um aspecto multitudinário da existência e, por este motivo procuro o nacionalismo com um propósito puramente ultranacionalista” … (in a History Of a Dictatorship, Cap. VII nº 12)

 

Do que deduzi ser Fernando Pessoa um ultranacionalista nacionalista, classificação que sobre Salazar assenta maravilhosamente e metodicamente tem sido nas últimas décadas malhada sobre a sua memória.

 

A dado passo interroga-se Fernando Pessoa acerca das qualidades do homem competente enumerando-as;

Conhecimento

Espírito imparcial

Objectividade

Isenção

Competência

Responsabilidade

 

Ora basta compararmos estas qualidades com o perfil de Salazar e o de qualquer um dos nossos ilustres e democráticos políticos para formularmos um juízo de valor em que, sem qualquer dúvida Salazar sairá a ganhar

 

Definindo a injustiça como a justiça dos fortes e caracterizando o homem de hoje como diminuto, e que gradualmente cada vez mais governar é administrar, guiar, Fernando Pessoa reconhece contudo colocar-se-nos desde o século XX um problema fundamental, conciliar a ordem, de âmbito intelectual e impessoal, com emoção imaginativa dos tempos recentes, o que considerava de todo muito difícil, se não impossível. Todavia, numa época em que o mundo esteve conturbado como nunca aconteceu nos tempos recentes, o génio de Salazar soube conciliar esse problema, talvez não de forma magistral mas no mínimo satisfatória. Ao invés, em quarenta e sete anos de paz e bonança temos feito da vida do e no país uma tormenta…

 

Hoje, digo eu, o sonho de governar, administrar, guiar, está reservado a bem poucos eleitos, e como razão e emoção tendem a contrariar-se, a combater-se, arrogo-me nesse capítulo o direito de encaminhar os meus amigos e leitores para os livros do casal Damásio, António e Hanna Damásio, especialistas no item, certamente gostarão de saber a opinião deles. Fica o link **

 

Que preciosismos e ensinamentos extraí do livrinho ? Que a nossa direita andou cega e perdida durante quase cinquenta anos, tendo sido incapaz de alinhar entre as suas figuras históricas uma personalidade impar como foi Fernando Pessoa.

 

Não tenho a menor dúvida ter-se tratado de um nacionalista, liberal e politicamente alinhado à direita. Folgo com isso, tanto quanto me entristece confirmar que a inteligência e a cultura nunca foram preocupação dos nossos dirigentes ou figuras politicas alinhadas à direita.

 

Do pequeno CDS poderia até dizer-se nem saberem quantos por lá andam o que seja a práxis da democracia cristã. Certamente andarão, há quase meio século, com a preocupação centrada nas herdades que perderam durante o Prec, decerto não no futuro e muito menos nos outros como compete a qualquer bom cristão.

 

Razão tinha Fernando Pessoa que dividia os homens em superiores e inferiores … Massa ignara dizia ele… 


* https://pt.wikipedia.org/wiki/Filippo_Tommaso_Marinetti

 

** https://expresso.pt/premio-pessoa/laureados/2010-10-31-Laureado-Premio-Pessoa-1992---Antonio-e-Hanna-Damasio


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