739 - FERNANDO PESSOA, UM LIBERAL À DIREITA.
FERNANDO PESSOA - reflexões
sobre estética e ética da sua obra
“PAGINAS DE ESTÉTICA E DE TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA”
Nesta obra
que por milagre me veio parar às mãos num alfarrabista, de Fernando Pessoa estão
reunidos alguns fragmentos dispersos do seu pensamento, por vezes escassos mas
contudo autênticos e geralmente condensados de modo brilhante.
Pelas suas
características e necessidade há muito procurava este livro, naturalmente esgotadíssimo
pois é raro que sejam reeditadas obras que garantam pouca saída e ainda um
menor lucro comercial. Uma pérola a cujo estudo me dediquei de imediato.
Trata-se
de fragmentos esparsos do pensamento de Fernando Pessoa (F.P.), um pensamento que
todavia parece nunca ter fim. Folhas soltas, agendas, cadernos, em tudo que
tinha à mão o mestre F.P. escrevinhava e anotava o que lhe ia na alma. São
esses fragmentos dispersos do seu pensamento, que agora, bem aglomerados ou
condensados, que diria mais parecendo nunca terminarem.
Ainda que
soltos, o trabalho dos feitores do
livro foi precisamente juntarem-nos por temas, estão como disse brilhantemente
interligados, constituindo uma torrente de pensamento, ou se quiserem uma
corrente, quer dedutiva quer intuitiva, mas sempre tecendo uma tal rede de
relações entre si que nos permitem sem qualquer margem de erro formular ou
formatar a partir deles a sua concepção ética.
Ética por
ser sobretudo de estética e crítica que a obra trata, e onde vimos críticas
estéticas vimos análise, quantificação já que, quer a crítica quer a avaliação
estética implicam uma escala de valores, uma apreciação, uma comparação com,
uma medição a partir ou baseada em, sendo esse “em” o conjunto de valores ou
regras, entre eles os éticos, os da moral, que enformam a apreciação crítica e
acabam por sobressair numa obra não especificamente a eles dedicada.
Fragmentos
sim, mas que porém nos permitem formular acerca de si, dele, uma unidade, uma
coerência, aliás consentida pela repetição obsessiva dos temas, de citações ou
fórmulas que, inda que fragmentadas e tão esparsas quão escassas, nos desvendam
contudo a unicidade, o rumo, a raiz do seu pensamento. São de tal ordem que
poderei dizer estar F.P. a mostrar-nos a raiz escondida do seu pensamento mais
íntimo que, ainda que abstracto, não se desvia do raciocínio puro, especulativo,
abrindo-nos a alma, coisa a que parece anuir.
Foi o
facto de parecer desejar que possamos observar o seu pensamento, ético e
estético, mostrando-nos ou permitindo-nos reconhecer nele Fernando Pessoa a
existência consciente que tem da importância do seu papel, dessa sua missão
espiritual pois conhecia-se a si mesmo, sabia o seu próprio valor, sabendo como
influenciar, tendo consciência de que influenciaria as gerações futuras, e como
tal entendia que devia doar à humanidade o produto do seu génio, que me levou,
primeiro inconscientemente, depois com acutilância a dar atenção a ele,
pensamento, tanto quanto às expressões por ele tidas ou demonstradas, e que me
levaram a compará-lo com uma outra personalidade ultimamente muito em voga,
ultimamente muito reconhecida, diria que finalmente reconhecida e respeitada,
tanto quanto o foi e é Fernando Pessoa.
Passaram
quarenta e sete anos sobre o 25 de Abril, o qual não só se limitou a derrubar
um regime e uma elite aos quais a maioria dos portugueses não dedicava apreço,
para não dizer pior, quarenta e sete anos durante o qual se malhou nesse regime
a despeito de tudo e de nada sem contudo o tentar perceber, estudar ou
perceber. Os portugueses apercebem-se agora, lentamente é certo, que o dito
regime tem as costas largas e tudo que é culpa lhe é atirada acima, em especial
do elemento ou personagem que mais personifica (desculpem a redundância) esse
regime e à frente do qual se manteve durante mais tempo, António de Oliveira
Salazar.
Certamente
de forma não inocente nem negligenciável A. O. Salazar ganhou há poucos anos um
concurso da RTP destinado a premiar o português mais ilustre e competente da
nossa história. Para surpresa de muita gente e apesar de tanto malharem nele António
de Oliveira Salazar ganhou folgada e exuberantemente a contenda. Parece ter
sido a partir daí que as consciências se abriram e procuraram analisá-lo de
modo coerente, e em especial comparar a sua acção com os feitos da nossa
recente democracia, pleito que uma vez mais António de Oliveira Salazar parece
estar a vencer sem concorrência. Com efeito, se comparadas as realizações de
trinta e seis anos de governo Salazarista com os quarenta e sete que esta
democracia já leva ninguém poderá duvidar que fomos enganados. Esta democracia
não presta, nem merece chamar-se democracia.
Fernando
Pessoa conhecia o seu próprio valor, tinha consciência dele, pois sobre tudo
reflectia conscientemente estando cônscio da sua superioridade intelectual e
cultural, podendo com justiça aferir-se a partir desses “fragmentos” existir
nele uma sede de imortalidade que aliás se encontra plasmada também nas páginas
de “Erostratus” e de “Impermanence”.
E pergunto
eu, não se tornou ele e imortal ? Ele e os seus heterónimos ? Ele e o seu
pensamento ?
Prendeu-me
a ele em especial um pensamento alusivo ao génio e ao talento citado na página
oitava (XIII) da introdução, muito p’lo modo como ele admirava o génio, em
especial os grandes génios da humanidade, ora vejamos;
A essência do génio é ficar incompreendido na própria época e ser
descoberto pela época seguinte, prevendo assim o seu próprio destino.
Cada época reage, diz-nos Fernando Pessoa, contra as fórmulas mortas da época precedente e venera os génios que,
nessa altura viveram em oposição ao seu tempo.
O que o génio pode esperar dos seus contemporâneos, é o desprezo: e quanto
mais nobre o génio, menos nobre o destino.
E não foi assim com Salazar ? Não
o ignorámos primeiro pra o desprezar depois ? Não foi ele, mais que incompreendido,
escondido dos portugueses por outros portugueses ?
Fernando
Pessoa era extraordinariamente dedutivo e perspicaz, e a sua exposição, a sua
expressão escrita, o seu legado, é quanto a isso mais que suficientemente
esclarecedor.
Segundo
Fernando Pessoa o homem génio é aquele que supera a sua época por estar em
oposição a ela, dividindo os homens em superiores e inferiores, com os génios
acima da espécie enquanto os restantes são os ignotos, “meros componentes da massa
ignara”, havendo que colocar entre os génios e o povo uma barreira que ele
nunca possa transpor…
Não esteve
Salazar sempre acima de tudo e todos ? Não estabeleceu ele uma barreira entra a
massa ignara e o poder que representava, que exercia ?
Certamente
F. P. nos deu neste testemunho uma concepção mítica mas desumanizada do génio,
porém outros escritos nos ajudam a conjugar esta sua concepção antidemocrática com
a pouca fé por ele tida na democracia.
Todavia
nunca existiu a mínima dúvida de que Fernando Pessoa era um patriota, definindo
Portugal como criador de um elemento básico da civilização moderna, o
universalismo, ou a universalidade, pois demos mundos ao mundo, mas de igual
forma é capaz ou foi capaz de certeiramente acentuar a nossa pobreza cultural
caracterizando exemplarmente o provincianismo mental português, mal de que
infelizmente ainda padecemos.
Quanto a ele seríamos e somos uma espécie de adjacência civilizada da Europa, e que somos não um país de poetas como dizem os idiotas (palavras dele), mas um país de mandriões. Neste item daremos igualmente razão a António Sérgio que de idêntico modo nos classificou, item que é corroborado pelos estudos que Hernâni Cidade nos deixou sobre nós enquanto povo.
O prefácio
de Georg Rudolf Lind e a participação de Jacinto Prado Coelho e outros
valoraram imenso esta obra, já de si muito hermética, como são muitos dos
pensamentos de Fernando Pessoa, digamos que as suas colaborações são
valiosíssimas no contexto e conteúdo que o livro aborda.
Despertou
sobremaneira a minha curiosidade uma carta de Fernando Pessoa a Marinetti* (o
futurista) em que afirma categoricamente;
“Se houvesse que sacrificar um povo, isso significaria a perda para
sempre de um aspecto multitudinário da existência e, por este motivo procuro o
nacionalismo com um propósito puramente ultranacionalista” … (in a History Of a Dictatorship, Cap. VII nº 12)
Do que deduzi ser Fernando Pessoa
um ultranacionalista nacionalista, classificação que sobre Salazar assenta
maravilhosamente e metodicamente tem sido nas últimas décadas malhada sobre a
sua memória.
A dado
passo interroga-se Fernando Pessoa acerca das qualidades do homem competente enumerando-as;
Conhecimento
Espírito imparcial
Objectividade
Isenção
Competência
Responsabilidade
Ora basta
compararmos estas qualidades com o perfil de Salazar e o de qualquer um dos
nossos ilustres e democráticos políticos para formularmos um juízo de valor em
que, sem qualquer dúvida Salazar sairá a ganhar
Definindo a
injustiça como a justiça dos fortes e caracterizando o homem de hoje como diminuto,
e que gradualmente cada vez mais governar é administrar, guiar, Fernando Pessoa
reconhece contudo colocar-se-nos desde o século XX um problema fundamental,
conciliar a ordem, de âmbito intelectual e impessoal, com emoção imaginativa
dos tempos recentes, o que considerava de todo muito difícil, se não impossível.
Todavia, numa época em que o mundo esteve conturbado como nunca aconteceu nos
tempos recentes, o génio de Salazar soube conciliar esse problema, talvez não
de forma magistral mas no mínimo satisfatória. Ao invés, em quarenta e sete
anos de paz e bonança temos feito da vida do e no país uma tormenta…
Hoje, digo
eu, o sonho de governar, administrar, guiar, está reservado a bem poucos
eleitos, e como razão e emoção tendem a contrariar-se, a combater-se, arrogo-me
nesse capítulo o direito de encaminhar os meus amigos e leitores para os livros
do casal Damásio, António e Hanna Damásio, especialistas no item, certamente
gostarão de saber a opinião deles. Fica o link **
Que preciosismos
e ensinamentos extraí do livrinho ? Que a nossa direita andou cega e perdida
durante quase cinquenta anos, tendo sido incapaz de alinhar entre as suas
figuras históricas uma personalidade impar como foi Fernando Pessoa.
Não tenho
a menor dúvida ter-se tratado de um nacionalista, liberal e politicamente
alinhado à direita. Folgo com isso, tanto quanto me entristece confirmar que a inteligência
e a cultura nunca foram preocupação dos nossos dirigentes ou figuras politicas
alinhadas à direita.
Do pequeno
CDS poderia até dizer-se nem saberem quantos por lá andam o que seja a práxis
da democracia cristã. Certamente andarão, há quase meio século, com a
preocupação centrada nas herdades que perderam durante o Prec, decerto não no futuro
e muito menos nos outros como compete a qualquer bom cristão.
Razão
tinha Fernando Pessoa que dividia os homens em superiores e inferiores … Massa
ignara dizia ele…
* https://pt.wikipedia.org/wiki/Filippo_Tommaso_Marinetti