Quando entrei entrou comigo uma alegre disposição, primeiro porque nada de lacados, de Pladur, de aglomerados, de fórmica, de parece que é mas não é. Ali tudo é real, tudo evola qualidade, classe, distinção e diferença. Depois fui surpreendido pois se me meteu na cabeça aquela cantilena do
- Alecrim,
alecrim aos molhos …. blá, blá , blá
https://www.youtube.com/watch?v=BKxUxyQxBog
nem podia ser de outro modo e
ainda nem tinha franqueado a entrada já um olor me acicatava os neurónios como
um físico excita os átomos. Era uma vera curiosidade o que ali nos levava, já que por
uma questão de meia dúzia de dias falháramos a inauguração. Mas vera dizia eu e confirmo,
a vera verdade, e não a minha prima Vera, nada de confusões, não me metam em trabalhos
já agora e por favor…
Ia
eu dizendo que além de para lá irmos correndo, ainda parecia pairar por ali uma
espécie de génio da lâmpada que nos pegava pelos narizes e nos atirava portas
dentro,
maravilha, foi quase como entrar na caverna de Ali Babá, não que fôssemos para roubar o amigo Alexandre Barahona, aliás um perigo, o melhor mesmo é tê-lo do nosso lado, na mesa, digo na cozinha, e já agora numa qualquer contenda pois o homem sabe o que faz e melhor ainda por onde há-de pegar-nos.
A
caverna é realmente convidativa, tão convidativa que fiquei ali com eles e com
a Fátima até muito depois do almoço, discutindo aquela questão do Platão, se
viria se não viria, se veria se não veria. O problema metafisico das sombras e
da realidade durou e durou, muito mais que as (e)tapas que o Alex nos propõe em
doses, de 3, de 5, não sei se de mais porque cada uma é melhor que a outra e
ninguém tem tanta barriga assim, embora a coisa nos regale os olhos, e muito
mais ainda o palato. Mas o culpado de tanta oratória terão sido os vinhos, alentejanos
quantos estavam na mesa e foram muitos aqueles com os quais honrámos os deuses.
O
espaço não é grande, mas é ideal, é intimista, barrado numa cor quente que nos agasalha,
e está extraordinariamente decorado com requintadíssimo bom gosto. Olhei para
cima, para baixo, para os lados, e nada me chocou, tudo se conjugava
harmoniosamente. As mesas, as cadeiras, ali não há imitações, tudo é genuíno,
fixem esta palavra, genuíno. Todos os pormenores vincam a sacralidade do lugar
e efemeridade da vida, a necessidade de travar, de parar, de pensarmos em nós.
Não
vou massacrar-vos com o inventário extenso, lato e aborrecido do mobiliário ou da
decoração, basta que se fixem nos pormenores, a iluminação, os bibelôs de que
vos falarei, das paredes ao chão que pisamos tudo se conjuga, tudo emparelha,
não havendo contrastes que nos choquem, antes uma aura de paz e harmonia que
nos convida a entrar, a ficar e a voltar.
Foto da entrada do ETAPAS, situado nas traseiras do antigo Rest. Taco.
Sim porque ali tudo é diferente, da comezaina ao mais pequeno pormenor. Nem vos conto como fiquei deslumbrado com os sabores que me assaltaram o palato, sabores e odores que me trouxeram recordações de quando eu gaiato e não só, dos meus “passeios” por África e pelo Médio Oriente, salsa, tomilho, pimentão, coentros, gengibre, erva-doce, ou não estivesse ali subtilmente todo o Alentejo, o mundo, a história trágico marítima, pimenta, funcho, pimenta rosa, canela, noz moscada, pimenta branca, as hortas do meu pai em Monsaraz, a meio da Guadiana uma, agraço, alecrim, rosmaninho, e em S. Miguel de Machede outra, há mais de cinquenta anos, e num repente todas essas lembranças ali no prato, poejos, açafrão, orégãos, hortelã, sálvia cebolinho, tudo ali nos excitando olhar e paladar.
Farto
de enfardar procurei a casa de banho, pequena mas asseada, e, surpresa ! Um
pormenor a dar-lhe aquele toque pessoal que o Alexandre, tal qual Midas, deixa
em tudo que toca. Fiz, sacudi, voltei para a mesa e sussurrei-lhe:
Verdade
verdadinha !! Ele são as folhas de palma frente aos teus olhos enquanto te
alivias, os caracóis de loiça subindo pelas paredes enquanto almoças ou as
borboletas de porcelana esvoaçando por aquela banda se calhou escolheres a mesa
do canto, em boa verdade nem só a comidinha te alegra o dia, tudo foi pensado
ao pormenor e tudo foi tido em conta.
Isto
as conversas são como as cerejas ou as cerejas como as conversas, e eu escrevo
como quem está de novo almoçando naquele Palais
Du Plasir pois à memória me chegam as sensações então sentidas e hoje
concluo que aquilo não foi um almoço porque ali não vamos empanturrar-nos como
bons alentejanos que somos, mas sim viver uma experiência sensorial única que
através do palato estimula umas células que eu nem sabia ter. Mas o Chef sabia,
sabia e sabe, vai daí andou brincando com as minhas células de Langher, umas
células que mexem com a sensibilidade e que alguns animais têm muito mais desenvolvidas
que nós, são umas células gustativas que eles e nós humanos temos, que explicam
a sensibilidade na boca e que o Chef, com a sua matreirice, as ervas aromáticas,
condimentos e especiarias nos troca as voltas.
As
células de Langher estão comprometidas com a sensibilidade táctil e térmica, o
que na boca faz toda a diferença, aliás eu já disse que o que distingue o
“Etapas” dos outros restaurantes é precisamente a diferença, o pormenor, a
experiência sensorial, o ambiente anormal, inusual, no sentido em que é
acolhedor, mais que acolhedor amoroso, tivesse eu menos cinquenta anos e tinha
saído dali p’ra ir fazer filhos creiam.
Até
a sobremesa tinha que ser diferente ! Doce caseiro, feito em casa, fait à la main. Já não se via nada assim
desde o rapaz do cubo mágico. Toques, malabarismos do Chef, pormenores que nos tocam o coração e nos deixam
com a lágrima ao canto do olho por tanto amor à cozinha, à restauração, à profissão,
aos clientes, ao trabalho, que não é vergonha, antes liberta como todos bem
sabemos.
Sublime
foi a sobremesa. Não sei bem o que era mas era bom, tão bom que até estalava na
boca, soube-me muito bem, confesso que soube, e sorri, foi então que os
malandros, ao ver-me sorrir, trouxeram uma bolsinha de veludo preto como aquela
onde normalmente guardo as jóias e, naturalmente fiquei estupefacto ! Claro que
agradeci ! Não esperava a surpresa, mas como estamos no Natal e em maré de
ofertas…
Mas
não, não era p’ra meter ao bolso, era para abrir os cordões à bolsa, porém, ao
contrário do que temi foi uma agradável surpresa, vivi uma experiência do
caneco, num ambiente requintado, diferente, atento ao pormenor, cuidado, verão
depois o esmero com que cada prato vos é apresentado, um milagre em pleno
centro histórico, uma ilha paradisíaca rodeada por todo um continente de
restaurantes onde se cozinha mais do mesmo de sempre, e acreditem, não paguei
mais por isso.
Só
fiquei com pena de não ter trazido a bolsinha de veludo, tão macia tão macia
quase tão macia como as caricias que tinham acabado de me mimar o palato.
https://www.youtube.com/watch?v=Da_K59BeHWw
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