Não que eu andasse distraído, nunca andei, porém fui apanhado de surpresa. Não era costume, nunca fora teu hábito apanhares aquele autocarro por isso foi como se num momento ali estivesses e no minuto seguinte te tivesses esfumado, evaporado, desaparecido.
Foi
isso, esfumado, escoado entre os meus dedos como a água, a areia, uma miragem e
hoje, somente uma lembrança que cuido com carinho para que se não torne vaga,
para que também ela se não evapore, não se suma entre estes dedos
engalfinhando-me a memória, incapazes de suster a cor do autocarro, o número da
carreira, a hora e a paragem em que foi como se tivesse sido apanhado a dormir
na forma e… Ops !!!!
Num
minuto estavas ali, mas no momento seguinte desapareceras para todo o sempre eu
aqui, de bola de cristal numa mão e um baralho de cartas na outra tentando
adivinhar-te os passos, o rumo, o destino, procurando-te denodada e
desesperadamente como no filme «Procurando Susana», mas, debalde, os meus
esforços nem conseguem o mínimo dos mínimos e nem um GPS á mão para te seguir
as últimas voltas e voltinhas e, eventual e surpreendentemente encontrar-te.
Já
não sei em que paragem disseras não sei o quê, nem lembro sequer onde estávamos
que, nem passados alguns dias tais recordações lograram tomar forma apesar de
me martelarem constantemente a cabeça, abri-la à evidência mau grado a
constância e para além dela, a persistência com que a tua ausência,
teimosamente primando pela clareza me obstruía a mente, o pensamento, toldando-me
a visão.
A
tua vida tornara-se um corrupio de expectativas goradas, de chegadas e partidas
adiadas, por isso te perdi, distraído por esse remoinho de inconstâncias, de fés
consumidas, de esperanças destroçadas e, …
Por
isso agora entro intempestivamente em cada autocarro que passa, em cada
eléctrico, em cada comboio, perscrutando todos os lugares vagos onde te possa
encontrar como se me tivesse imbuído duma missão compulsivamente abraçada, como
se de devoção celestialmente assumida se tratasse mas que todavia não consigo
cumprir e, à qual, contudo não imagino furtar-me.
E só
já penso e desejo preencher este vazio, preencher cada lugar vago em cada
autocarro, eléctrico ou comboio, tudo menos este vazio que me consome, esta
procura inútil, esta esperança traída, despedaçada, e esta devoção sem fé que a
alimenta, por isso teimosamente persigo cada paragem, cada horário, cada
carreira, cada autocarro, metro ou comboio numa vã esperança de ver ocupado um,
ao menos um desses lugares vagos em cada um deles e na minha memória, na minha
vida.
Eras
o verbo, eras a luz, eras a vida, eras o rumo e transparência do meu caminho, eras
azimute, eras cor, eras o azul do céu, o voo das aves, a liberdade, eras a
linha do horizonte sem fim, o ritmo da minha marcha, a leveza do meu passo, o
caminho de Santiago, uma rota, uma pauta, o giz do meu trapézio, a vara cujo
equilíbrio me estabilizava o presente, o futuro, eras a certeza, a verdade.
E
sempre este vazio desfazendo-me, e sempre esta esperança vã de conseguir
encontrar ocupado o tal lugar vago em cada carruagem, eléctrico ou autocarro e
nada, ninguém se senta, ninguém se atreve, ninguém se aventura a tomar esse
lugar vago, vazio, um lugar por preencher e sempre atormentando-me, negando-me
o descanso, impedindo-me de dormir, de viver, de sonhar.
Quem
? Quem se atreve ?