Diariamente zumbem-me aos ouvidos as novas, novas de
novidades, sejam elas boas ou más, sobre o populismo e o avanço da extrema-direita, o
avanço do capitalismo, do capital como diz o Honório, ou dizem quaisquer outros
e, mor das vezes olho os meus interlocutores e interrogo-me sobre quanto
entenderão eles de capital, do capital, e se saberão mesmo o que seja isso do
Das Kapital, a sua génese, a sua etimologia, a sua história. A origem da
palavra remonta ao latim caput (cabeça). Nos primórdios o adjetivo capitalis designava "o que está acima dos outros, o principal, o dominante" Como
ainda hoje observamos ao afirmarmos ser algo de capital importância, ou quando
falamos nos sete pecados capitais, e quando chamamos capital à cidade em que
fica a sede do governo. Do Classicismo ao Feudalismo passando pelo Renascimento
e até aos nossos dias a palavra nunca perdeu o seu significado semântico, antes
o ganhou ou enriqueceu sendo por isso
importante sabermos o que significa capital e capitalismo.
Porque esta coisa do capital, do capitalismo e do capitalista
não provoca unicamente turbulência na minha mesa do café, desde o homem das
cavernas, do homem pré-histórico aos nossos nebulosos dias o conceito tem
navegado de modo truculento, turbulento, e a sua evolução tem-se processado de
modo assaz complexo, contudo em contrapartida é hoje um conceito claro para
toda a gente muito embora nada pacifico e de síntese pouco consensual por pouco
conhecida e demasiado recusada ou ignorada.
Digamos que a palavra ou concepção andou de boca em boca
sempre conotativamente ligada a situações de poder, de capacidade, de privilégio,
permitindo ascensão ou elevada posição e inerentes benefícios. Deste modo a
função exercida assentava sobre situação de capital importância no meio, ou na
sociedade em que se movimentasse, conferindo a quem dela fruísse dividendos,
benefícios, ascendência, vantagens ou favores tal qual hoje uma pessoa ou
empresa se detiver capital ou a maioria do capital ou mesmo somente um capital
considerável, uma posição, uma quota em determinado património, financeiro,
imobiliário, ou qualquer outro meramente físico. (hoje tb é reconhecido e
atribuído valor à propriedade intelectual).
O sortudo de posse duma cota destas poderá capitalizar um
capital de esperança considerável, pôr e dispor, dar ordens, fazer-se obedecer,
investir, empreender, ordenar, fazer. Assim ascenderam a posições elevadas D.
Afonso Henriques por exemplo, que teve um papel capital na fundação do reino de
Portugal cuja primeira capital como sabemos foi a cidade de Guimarães, por ser
dali que emanavam as ordens, por ali estar sedeado o poder, o passado, o
presente e o futuro. Devido a isso muito antes de haver dinheiro muitas cidades
adquiriram um estatuto de capital importância histórica, acontecendo que mais
tarde se tornaram capitais de reinos ou de nações, tendo-se algumas transformado
em capitais de zonas económicas como por exemplo a City de Londres,
cumulativamente capital do Reino Unido, da Grande Bretanha e de Inglaterra.
Interessa sobretudo relevar o facto de a palavra capital ter
igualmente percorrido ao longo dos séculos um caminho ligado ao poder,
religioso, politico, militar e económico, o que acontece desde os tempos
remotos da caça e recolecção, das trocas directas e da rota da seda, do
nomadismo, tendo ganho força com o sedentarismo e o aparecimento da escrita, a
evolução do conhecimento, o desenvolvimento da cultura, o aparecimento da
moeda, de tal modo que antes dela, moeda, já existia todavia quem beneficiasse
de um capital de crédito, isto é alguém em cuja palavra se podia acreditar. Esta
confiança ou crédito eram honras obtidas em redes de organizações civis pela
confiança compartilhada entre as pessoas, era fruto de sua própria interacção
social, do seu comportamento e atitudes. Assim por exemplo nasceu na história a
história de D. Egas Moniz (de Riba Douro), de cognome o Aio (1080-1146) **
Atitude nobre a deste Egas Moniz, por ser a verdade uma particularidade
hoje em dia muito depreciada, dado que os nossos políticos como sabeis dizem
uma coisa num dia outra no outro, afirmando uma coisa e simultaneamente o seu
contrário, desbaratando irremediavelmente algum capital de crédito de que
porventura alguma vez tivessem beneficiado, ponto de honra capital a que não
dão o menor valor mas que D. Egas defendeu e garantiu, como deveis saber, com o pescoço. Continua porém cousa de importância capital nos nossos dias.
É portanto capital que honra, virtude, verdade, mérito,
responsabilidade e competência voltem à nossa ideia e práxis políticas ou estaremos
mais condenados que réu forçado a submeter-se à pena capital. Temos portanto
que lançar mão do capital de honra e do sonante, do cabedal, da narda, sendo primordial
e de capital importância para o nosso desempenho e vivência, sobretudo se se
pretende ou sendo-se líder, ou empreendedor, já que paulatinamente e ao longo
de séculos, senão milénios, quem passou a liderar pessoas e moeda, investimentos,
foi a vanguarda que dispusesse destes meios e que concomitantemente passou a
ser designada por capitalista pois reunia massa crítica e fazia uso e aplicação
quer do capital pessoal quer do capital possuído e desta forma se foi forjando
o método que, sobretudo a globalização iniciada com as descobertas portuguesas
no séc. XV tornou modo, regime, sistema, sistema que especialmente nos últimos séculos se disseminou ou espraiou global e generalizadamente por todo o mundo.
Podemos perguntar-nos sobre ou acerca desta difusão
generalizada e quase monopolista que a história nos responderá; não aconteceu
por milagre, aliás aconteceu ao serem espalhados p’lo mundo os vícios e os
defeitos, e já agora para sermos coerentes e sinceros também as qualidades do
próprio ser humano que o tinha gizado a ele, sistema capitalista, capital global,
assente no capital, sonante, de poder, de pressão, de repressão, de medo, de
violência, de vantagens e desvantagens, por elites, por vanguardas, quantas vezes
bem-apessoadas de “cabedais” mas mal preparadas cultural e formalmente. No
fundo o sistema limitou-se a acompanhar e reflectir o próprio homem, daí também
a universalidade da sua aceitação, da preferência que lhe foi concedida e a facilidade
de difusão verificada.
O homem é egoísta, o sistema também, o homem é avaro, o
sistema também, o homem é ambicioso, sonhador, dominador, o sistema permite-lhe sonhar, o
homem é um carrasco, o sistema pode sê-lo, o homem é um predador ? o sistema
bem no-lo mostra e demonstra, o homem é perdulário, samaritano, ambicioso,
caridoso, filantropo, o sistema também, no fundo o “homem” carrega uma série de
peculiaridades que a mole humana assimilou como caracter, como personalidade, e
entre os exemplos dessas peculiaridades encontramos a bondade e a nobreza mas também a cobiça, a soberba, a
preguiça, o altruísmo, a cegueira, a estupidez, a perfídia, a prepotência e a avidez.
No cristianismo, os pecados capitais são aqueles que são o princípio (a cabeça)
de outros, sendo eles a luxúria, a gula, a preguiça, a avareza, a ira, a inveja
e a vaidade. Aceitarão que se puxasse pela cabeça certamente arranjaria mais
uma ou duas dúzias de adjectivos deste jaez.
E não há nem houve outros sistemas ? Claro que houve, há e
haverá sistemas diferentes, opostos, antagónicos, contudo o capitalismo foi-se sobrepondo
naturalmente a uns e tem conseguido sobreviver a outros. O próprio capitalismo
não é todo ele igual, tem nuances, vertentes, pode ser social democrata, social
cristão, apelidar-se de socialismo democrático, soluções que vingaram sobretudo
no norte e centro da Europa e na américa do norte e algumas delas muito
invejadas, ou ser um regime democrático musculado, autoritário eficiente e rico como em Singapura, ou disfuncional, pobre e desigual como em Portugal. Como oposição pudémos
observar a URSS, uma experiência de comunismo ou socialismo duro falhada e que
degenerou no capitalismo selvagem que agora grassa, temos ainda o exemplo de
Cuba e de outra economia centralizada, da Coreia do Norte, do Vietnam, de mais
dois ou três sem grande significado como poderá ser a Argélia, Angola, a
Venezuela, sistemas que não parecem vir a perpetuar-se ou a agradar a uma
maioria. Propositadamente deixei para o fim a China comunista a qual para não
soçobrar como a sua congénere URSS, abraçou o capitalismo dando origem à
expressão “um país dois sistemas”, direcção centralizada de cariz comunista, beneficiando simultãneamente das vantagens do centralismo na planificação e das inerentes ao funcionamento duma economia nitidamente capitalista.
Significa tudo isto ser o capitalismo o melhor sistema ? Não
foi isso que disse ou pretendi. Deixarei para vossa apreciação, ao sabor do
vosso desejo. Essa escolha ficará à vontade de cada um dos leitores. Limitei-me a
aflorar coloquial e historicamente alguns factos que a história regista e são
verdadeiros. A expansão generalizada e global do capitalismo é uma realidade,
como a escravatura o foi, como a exploração do homem pelo homem o é e foi desde
os tempos mais remotos e pré-históricos aos nossos dias quaisquer que sejam os
regimes que vigorem ou vigorassem. A avidez é inerente ao homem, os excessos
por ela e por ele provocados que a história regista são igual e lamentavelmente uma triste
realidade.
* O Capital - Tomo I - Karl Marx, 364
páginas, Edições Avante, Lisboa 1990.
* O capital no século XXI, Thomas
Piketty, 912 Páginas Edição Temas e
Debates, Lisboa 2014.
* * https://pt.wikipedia.org/wiki/Egas_Moniz,_o_Aio
O Grande Capital - Sérgio Godinho https://youtu.be/hBuNrlM5N8w?list=RDhBuNrlM5N8w
O Grande Capital - Sérgio Godinho https://youtu.be/hBuNrlM5N8w?list=RDhBuNrlM5N8w