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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

406 - O QUE É O CAPITAL ? * ....................................


Diariamente zumbem-me aos ouvidos as novas, novas de novidades, sejam elas boas ou más, sobre o populismo e o avanço da extrema-direita, o avanço do capitalismo, do capital como diz o Honório, ou dizem quaisquer outros e, mor das vezes olho os meus interlocutores e interrogo-me sobre quanto entenderão eles de capital, do capital, e se saberão mesmo o que seja isso do Das Kapital, a sua génese, a sua etimologia, a sua história. A origem da palavra remonta ao latim caput (cabeça). Nos primórdios o adjetivo capitalis designava "o que está acima dos outros, o principal, o dominante" Como ainda hoje observamos ao afirmarmos ser algo de capital importância, ou quando falamos nos sete pecados capitais, e quando chamamos capital à cidade em que fica a sede do governo. Do Classicismo ao Feudalismo passando pelo Renascimento e até aos nossos dias a palavra nunca perdeu o seu significado semântico, antes o ganhou ou enriqueceu  sendo por isso importante sabermos o que significa capital e capitalismo.

Porque esta coisa do capital, do capitalismo e do capitalista não provoca unicamente turbulência na minha mesa do café, desde o homem das cavernas, do homem pré-histórico aos nossos nebulosos dias o conceito tem navegado de modo truculento, turbulento, e a sua evolução tem-se processado de modo assaz complexo, contudo em contrapartida é hoje um conceito claro para toda a gente muito embora nada pacifico e de síntese pouco consensual por pouco conhecida e demasiado recusada ou ignorada.

Digamos que a palavra ou concepção andou de boca em boca sempre conotativamente ligada a situações de poder, de capacidade, de privilégio, permitindo ascensão ou elevada posição e inerentes benefícios. Deste modo a função exercida assentava sobre situação de capital importância no meio, ou na sociedade em que se movimentasse, conferindo a quem dela fruísse dividendos, benefícios, ascendência, vantagens ou favores tal qual hoje uma pessoa ou empresa se detiver capital ou a maioria do capital ou mesmo somente um capital considerável, uma posição, uma quota em determinado património, financeiro, imobiliário, ou qualquer outro meramente físico. (hoje tb é reconhecido e atribuído valor à propriedade intelectual).
O sortudo de posse duma cota destas poderá capitalizar um capital de esperança considerável, pôr e dispor, dar ordens, fazer-se obedecer, investir, empreender, ordenar, fazer. Assim ascenderam a posições elevadas D. Afonso Henriques por exemplo, que teve um papel capital na fundação do reino de Portugal cuja primeira capital como sabemos foi a cidade de Guimarães, por ser dali que emanavam as ordens, por ali estar sedeado o poder, o passado, o presente e o futuro. Devido a isso muito antes de haver dinheiro muitas cidades adquiriram um estatuto de capital importância histórica, acontecendo que mais tarde se tornaram capitais de reinos ou de nações, tendo-se algumas transformado em capitais de zonas económicas como por exemplo a City de Londres, cumulativamente capital do Reino Unido, da Grande Bretanha e de Inglaterra.

Interessa sobretudo relevar o facto de a palavra capital ter igualmente percorrido ao longo dos séculos um caminho ligado ao poder, religioso, politico, militar e económico, o que acontece desde os tempos remotos da caça e recolecção, das trocas directas e da rota da seda, do nomadismo, tendo ganho força com o sedentarismo e o aparecimento da escrita, a evolução do conhecimento, o desenvolvimento da cultura, o aparecimento da moeda, de tal modo que antes dela, moeda, já existia todavia quem beneficiasse de um capital de crédito, isto é alguém em cuja palavra se podia acreditar. Esta confiança ou crédito eram honras obtidas em redes de organizações civis pela confiança compartilhada entre as pessoas, era fruto de sua própria interacção social, do seu comportamento e atitudes. Assim por exemplo nasceu na história a história de D. Egas Moniz (de Riba Douro), de cognome o Aio (1080-1146) ** Atitude nobre a deste Egas Moniz, por ser a verdade uma particularidade hoje em dia muito depreciada, dado que os nossos políticos como sabeis dizem uma coisa num dia outra no outro, afirmando uma coisa e simultaneamente o seu contrário, desbaratando irremediavelmente algum capital de crédito de que porventura alguma vez tivessem beneficiado, ponto de honra capital a que não dão o menor valor mas que D. Egas defendeu e garantiu, como deveis saber, com o pescoço. Continua porém cousa de importância capital nos nossos dias.

É portanto capital que honra, virtude, verdade, mérito, responsabilidade e competência voltem à nossa ideia e práxis políticas ou estaremos mais condenados que réu forçado a submeter-se à pena capital. Temos portanto que lançar mão do capital de honra e do sonante, do cabedal, da narda, sendo primordial e de capital importância para o nosso desempenho e vivência, sobretudo se se pretende ou sendo-se líder, ou empreendedor, já que paulatinamente e ao longo de séculos, senão milénios, quem passou a liderar pessoas e moeda, investimentos, foi a vanguarda que dispusesse destes meios e que concomitantemente passou a ser designada por capitalista pois reunia massa crítica e fazia uso e aplicação quer do capital pessoal quer do capital possuído e desta forma se foi forjando o método que, sobretudo a globalização iniciada com as descobertas portuguesas no séc. XV tornou modo, regime, sistema, sistema que especialmente nos últimos séculos se disseminou ou espraiou global e generalizadamente por todo o mundo.

Podemos perguntar-nos sobre ou acerca desta difusão generalizada e quase monopolista que a história nos responderá; não aconteceu por milagre, aliás aconteceu ao serem espalhados p’lo mundo os vícios e os defeitos, e já agora para sermos coerentes e sinceros também as qualidades do próprio ser humano que o tinha gizado a ele, sistema capitalista, capital global, assente no capital, sonante, de poder, de pressão, de repressão, de medo, de violência, de vantagens e desvantagens, por elites, por vanguardas, quantas vezes bem-apessoadas de “cabedais” mas mal preparadas cultural e formalmente. No fundo o sistema limitou-se a acompanhar e reflectir o próprio homem, daí também a universalidade da sua aceitação, da preferência que lhe foi concedida e a facilidade de difusão verificada.

O homem é egoísta, o sistema também, o homem é avaro, o sistema também, o homem é ambicioso, sonhador, dominador, o sistema permite-lhe sonhar, o homem é um carrasco, o sistema pode sê-lo, o homem é um predador ? o sistema bem no-lo mostra e demonstra, o homem é perdulário, samaritano, ambicioso, caridoso, filantropo, o sistema também, no fundo o “homem” carrega uma série de peculiaridades que a mole humana assimilou como caracter, como personalidade, e entre os exemplos dessas peculiaridades encontramos a bondade e a nobreza mas também a cobiça, a soberba, a preguiça, o altruísmo, a cegueira, a estupidez, a perfídia, a prepotência e a avidez. No cristianismo, os pecados capitais são aqueles que são o princípio (a cabeça) de outros, sendo eles a luxúria, a gula, a preguiça, a avareza, a ira, a inveja e a vaidade. Aceitarão que se puxasse pela cabeça certamente arranjaria mais uma ou duas dúzias de adjectivos deste jaez.
        E não há nem houve outros sistemas ? Claro que houve, há e haverá sistemas diferentes, opostos, antagónicos, contudo o capitalismo foi-se sobrepondo naturalmente a uns e tem conseguido sobreviver a outros. O próprio capitalismo não é todo ele igual, tem nuances, vertentes, pode ser social democrata, social cristão, apelidar-se de socialismo democrático, soluções que vingaram sobretudo no norte e centro da Europa e na américa do norte e algumas delas muito invejadas, ou ser um regime democrático musculado, autoritário eficiente e rico como em Singapura, ou disfuncional, pobre e desigual como em Portugal. Como oposição pudémos observar a URSS, uma experiência de comunismo ou socialismo duro falhada e que degenerou no capitalismo selvagem que agora grassa, temos ainda o exemplo de Cuba e de outra economia centralizada, da Coreia do Norte, do Vietnam, de mais dois ou três sem grande significado como poderá ser a Argélia, Angola, a Venezuela, sistemas que não parecem vir a perpetuar-se ou a agradar a uma maioria. Propositadamente deixei para o fim a China comunista a qual para não soçobrar como a sua congénere URSS, abraçou o capitalismo dando origem à expressão “um país dois sistemas”, direcção centralizada de cariz comunista, beneficiando simultãneamente das vantagens do centralismo na planificação e das inerentes ao funcionamento duma economia nitidamente capitalista.
     Basta que nos lembremos nem tão pouco a democracia clássica grega ter considerado cidadãos os escravos para imaginarmos a elasticidade ou plasticidade do conceito de democracia… Karl Marx na sua teoria, a chamada doutrina marxista, explica como o investimento capitalista na força de trabalho resulta na apropriação da mais-valia desse trabalho. “O Capital” (“Das Kapital”, em alemão) o livro de Karl Marx, pormenoriza todo o modo de apropriação usado no sistema capitalista. Infelizmente Marx é pouco lido entre nós, mesmo entre as pessoas ditas de esquerda que aliás na sua grande maioria desconhecem ser esta obra, dedicada à crítica da economia política, a primeira de uma trilogia do marxismo de que Marx só conseguiu acabar o primeiro volume enquanto vivo. Os dois outros volumes foram posteriormente editados pelo colaborador e amigo Friedrich Engels.

Significa tudo isto ser o capitalismo o melhor sistema ? Não foi isso que disse ou pretendi. Deixarei para vossa apreciação, ao sabor do vosso desejo. Essa escolha ficará à vontade de cada um dos leitores. Limitei-me a aflorar coloquial e historicamente alguns factos que a história regista e são verdadeiros. A expansão generalizada e global do capitalismo é uma realidade, como a escravatura o foi, como a exploração do homem pelo homem o é e foi desde os tempos mais remotos e pré-históricos aos nossos dias quaisquer que sejam os regimes que vigorem ou vigorassem. A avidez é inerente ao homem, os excessos por ela e por ele provocados que a história regista são igual e lamentavelmente uma triste realidade. 


* O Capital - Tomo I - Karl Marx, 364 páginas, Edições  Avante, Lisboa 1990.

* O capital no século XXI, Thomas Piketty, 912 Páginas Edição Temas e Debates, Lisboa 2014.