Vincent van Gogh, The Caravans Gypsy, Camp near Arles |
Gosto de nómadas, de ciganos, não que lhes inveje a riqueza, que não possuem, mas a fortuna que dizem
sobrar-lhes e jamais alguém lhes poderá tirar.
Gosto do
seu ar jovial, desprendido, matreiro e bem-disposto, do pensamento positivo que
carregam e arrastam, da solidariedade que os une, da coesão que os cimenta, da
faceta tribal que partilham, da honra muito própria que mantêm, da ética gitana
do clã, do existencialismo que sofrem e gozam, do materialismo a que não se prendem,
da liberdade que com suor e lágrimas defendem.
Roubam tudo
quanto podem dizem, água nas torneiras, umas calças ou camisas deixadas nos arames.
Tudo quanto no nosso descuido deixamos à mão de semear lhes interessará, lhes
dará algum jeito.
São ciganos, dar um jeito às coisas faz aliás
parte da sua filosofia de vida e de subsistência, mais a mais como adquirirão
algo se ninguém lhes dará emprego se o pedirem, supondo que o pedem. Sim supondo,
e não mais que uma suposição seria lícito atribuir-lhes, trabalhar é para quem
não sabe fazer mais nada, e eles sabem.
Um roubozinho
aqui, outro ali, beliscam mais a nossa sensibilidade vulgar que a nossa
carteira. Afinal os Salgados, os Bavas, os Césares, os Varas, os Sócrates, os Vieiras
da Silva, os Oliveira e Costa e tantos outros, roubam-nos bem mais. Roubaram-nos milhares
de milhões, e sem que nos revoltemos.
Gritamos
aqui d’el-rei se um cigano nos leva os ténis que secavam no quintal, mas quanto
aos outros, aos que verdadeiramente nos roubam somos mais contemporizadores,
mais tolerantes, e até votamos neles uma e outra vez.
Adoro as
suas músicas e ritmos tanto quanto seu estatuto libertário, cigano não é ovelha
ranhosa, não é carneiro que faça parte da carneirada, cigano é ser tudo que nós
invejamos e p’lo que não temos a honra de pugnar. Ser cigano é ter cara para tudo
e não corar, enquanto nós calamos a vergonha de cumprir e de obedecer, de comer
e calar. Não é o cigano que está errado, somos nós carneiros que não balimos e
ainda aplaudimos e votamos no verdugo.
Enquanto
nos fodemos das nove às cinco, enquanto trepamos pelas costas uns dos outros
para ganhar o favor do chefe, outro merdoso como nós mas a quem o oportunismo
guindou mais alto, eles deambulam pelas estradas e percorrem sem pressas
paisagens e países. Nas calmas, gozando o sol sem tempo contado, sem corridas,
enquanto nós sofremos um ano inteiro para passar correndo por um mês de férias
que nos custou os olhos da cara e saiu do coro, que foi suado.
Nós
acumulamos selfies e fotografias, eles recordações de lugares, nós no telemóvel
eles na memória. Vivem à nossa beira sem preocupações de horários ou de carreiras,
de pontualidade ou assiduidade, morrem de velhos quando tem que ser, nós
morremos de AVC’s e de enfartes, fruto do muito que comemos, do stress que
acumulamos, da avidez que abraçámos.
Não vivem
à nossa custa não, sofrem a vida deles e, atentos, espertos, matreiros, tudo
que nós deveríamos ser, sempre que podem cavalgam as nossas costas, por breves
momentos somente e jamais nos deixarão dores para cem anos ou nos levarão
0,0001 do PIB que seja. Ladrões mesmo são os sérios que caminharam e caminham
ao nosso lado… Ciganos são apátridas, sofrem as guerras que não declaram apenas
por serem diferentes, na Segunda Guerra mundial foram assassinados mais de
quinhentos mil. Hoje, passados setenta e cinco anos parece ainda e por absurdo haver
dentro de cada um de nós um pequeno Hitler.
A CEE
reconhece o seu estatuto apátrida e respeita-o. Atendendo a esse facto
envia-nos anualmente milhões para os integrar, os socializar caso eles aceitem
submeter-se. Esse bolo, esse montante de milhões que lhes é destinado e por
eles deveria ser distribuído como subsídios alimenta contudo centenas de
académicos cuja vida tem sido dedicada ao estudo da pobreza e os tem
enriquecido. Tão admirável bolo alimenta ONG’s diversas, uma miríade de
organizações governamentais ou não, departamentos universitários, instituições insuspeitas,
associações que grassam como cogumelos, milhares de técnicos das mais diversas
naturezas etc etc etc …
São
músicos, são alegres, são foliões, são vadios, são sem lei que não a sua, são
uma esperança à margem desta sociedade alienada e alienadora que construímos e gerimos,
que aguentamos e sofremos. É bem possível que dentro de cem, duzentos, trezentos
anos a nossa sociedade já não exista, já não pontifique neste mundo. Sobrarão
ou restarão os esquimós, os aborígenes australianos, os indígenas africanos, os
índios da amazónia e, podem crer os ciganos. Não há mal que entre com eles, nem
os vírus. Somente a nossa inveja e baixeza os molesta.
Talvez dez
por cento do bolo chegue às mãos dos ciganos, às mãos daqueles a quem se
destinam, e mesmo esses dez por cento desejamos para nós e se pudéssemos… Haja
calma bom senso e um travão à estupidez, é provável que se tanta narda lhes
chegasse às mãos nos deixassem os ténis em paz, e as calças e camisas deixadas
esquecidas corando no arame…
É caso
para meditarmos e nos darmos ao cuidado duma introspecção regularmente, há-de valer
a pena, talvez até aprendamos algo com aqueles que tanto vituperamos. Ganharemos
no mínimo uma oportunidade para olhar para nós mesmos. coisa que deveríamos
fazer mais vezes.
Capice ? Como
diz o Camilo ?
https://funchalnoticias.net/2020/04/06/papa-denuncia-organizacoes-humanitarias-que-se-servem-dos-pobres-para-garantirem-os-seus-salarios/?fbclid=IwAR0YND5NoALzJKuVXIrbEoizaHYlEJ2rVslhxR85exIF6W1mIveyFtGTuh4