É
domingo. A solenidade do dia e o frio quebram-me as rotinas. Uma procissão não
saiu ao adro. Eu teimo mas, o sol retraiu-se e tive por momentos de aconchegar
luvas e cachecol. Enganou-nos a todas este astro tímido, brilha mas não aquece
e o povinho, que nada parece esquecer, afirma há muitos anos tal coisa não se
ver. Verdadinha que se não vê, pior, sente-se na pele e de tal modo que,
tiritando mas gozando os luminosos raios em que me enleio, não evito, por ser
domingo, o meu passeio habitual.
O
tempo anda cambalhotando o planeta, qualquer dia rotações transladam-se,
cortam-nos as vazas numa mão para que não tenhamos naipe. Emissões e poluições
irão traçar-nos ao arrepio os hábitos futuros. Por enquanto nada parece
acontecer neste cantinho para além do frio sofrido. Enrolo-me em mim e continuo
este passeio de passos perdidos. Rumo além onde, iludida pelas cambalhotas que
damos, uma linda amendoeira como pavão que há muito não vimos por estas terras
exuberante mostra o seu leque de ramos floridos.
Há
cores que acalmam, a amendoeira sabe-o pois nos suga com seu hálito. Não estou
só, muitas outras debaixo dela se acolhem sorvendo um odor idílico que nos
aquece a alma e gela o nariz. Batemos os pés, esfregamos as mãos e, de luvas,
todas, tentamos apanhar o ar expirado, nuvem dissipada no gesto que enreda as
conversas e une os propósitos. Ao abrigo desse halo celeste trocamos conversas
como se nos conhecêssemos há muito. A amendoeira, de ramagens de malha larga a
todas envolve e enquadra, ninguém perde o astro-rei, nem o aroma desse turíbulo
natural, qual incenso de rosa pintado que todas, enlevadas gabamos.
O
ar, aromatizado mas frio não cresta contudo o diálogo. Todas escusam admitir
porquê mas sentem-se agora menos frustradas, oprimidas, expectantes, como se do
abraço destas amendoeiras fluíssem apaziguadores esteios que, nos dias que hão-de
vir sosseguem ânsias e crispações urdidas, assimiladas por um Inverno em turbilhão
e que como ele nos trocara as voltas.
* By Maria
Luísa Baião, escrito quinta-feira, 3 de Março de 2005, pelas 11:57 h