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sábado, 14 de março de 2020

639 - FLORES, SÓ FLORES... ‎ by Maria Luísa Baião *



Sempre gostei de flores e certamente não serei uma excepção à regra. Aproxima-se a Páscoa, período do ano em que começo a pensar dar um pulinho ao Algarve. Não vou a banhos, há muito que o Algarve me perdeu para férias, excesso de calor, excesso de gente e de carros, excesso de restaurantes sempre excessivos na falta de modos e profissionalismo com que nos recebem, excessivos até nos preços se comparados com os nossos vizinhos espanhóis.

O que o Algarve tem que ainda me seduz é todo um mar de impressionantes amendoeiras em flor, por vezes a perder de vista e que para mim são uma delícia p’ra espraiar o olhar.

Durante muitos anos fui campista, depois caravanista e só deixei o contacto íntimo com a natureza quando o meu filho cresceu deixando de nos acompanhar. Conheço quase todos os parques do país, conhecia até aqui há uns dez anos atrás, mas não foram eles que me afastaram do campismo. Incapazes de arrumar os campistas em socalcos sobrepostos, tudo dos parques foi retirado para ganhar espaço e claro, as flores foram as primeiras vítimas.

Conheço parques no estrangeiro, bastantes, em que os campistas eram sacrificados ao espaço, não o havia, não entravam, mas eram realmente uma maravilha de parques. Temos, segundo parece uma enorme capacidade para dar cabo de tudo que seja para nós algum prazer. Conheci Quarteira em 75, uma linda aldeia típica, vão vê-la hoje, agora, e digam-me se aquilo é em alguma coisa diferente de tudo que por aí há aos pontapés.

Não sabemos preservar, não sabemos desenvolver harmoniosamente, desconhecemos o significado de crescimento integrado, sustentado (se ao menos crescessemos), por isso não se admirem que goste de ver aquele mar florido, antes que seja queimado para construir torres e mais torres daquelas em que mesmo dum décimo andar só nos deixam ver mais torres.


Passei hoje o dia com a minha vizinha tratando do jardim fronteiro à casa. Arrancámos ervas, alguns arbustos em excesso, para quê ? Arranjar espaço para as flores trazidas daquele viveiro/estufa ali à estrada dos Canaviais as quais irão alegrar solenemente as nossas chegadas a casa.

Que flores ? Flores alentejanas com certeza, daquelas que vimos alegrando os nossos campos agora que a Primavera chegou, amarelas, violetas, rosadas, lilases e roxas, vermelhas, brancas e azuis, porque foi assim, com essas cores que pintámos quando meninas o Arco-Íris.

Um aroma salutar e alegre inebriará quem se chegar, fará com que o carteiro se demore um pouco descansando da labuta, a minha amiga Francisca falará a toda a gente nas suas flores, o Saias quando aparecer demorarar-se-á tratando cada uma delas pelo nome próprio e de família, terei que lhe ouvir de novo a história das roseiras de todo o mundo que não conseguiu trazer para Évora por causa da “Guerra Fria” e lamentar-se outra vez que já nem os crisântemos nos enfeitam a Praça maior.


Talvez traga do Algarve uma amendoeira, talvez venha a contribuir para preservar a espécie, talvez à sua volta falemos do que não devíamos fazer, talvez...

Mas vocês são capazes de imaginar só que seja a beleza do Algarve na Primavera ? Nada de excessos, excessivo só mesmo aquele mar de pétalas branco-rosa tornando exuberante a mesma paisagem que no verão se nos mostra árida, seca, agreste.

Os primeiros dias quentes concitam-me a caminhar para sul, como ave de arribação a quem os equinócios traçam os rumos. Contristada voltarei na certa, mas com a alma preenchida e desperta. O meu marido costuma contar uma história de um seu velho amigo que tudo fez para não ir ao ultramar no tempo em que dele se fugia. Parece que uma vez deram ao dito mancebo uma pistola (de pintar), cheia de tinta vermelha para que pintasse as cadeiras e as mesas de uma messe, arrecadadas para o efeito num armazém militar que servia de garagem às viaturas. Até aí tudo bem, não fosse ao fim do dia terem descoberto que tudo pintara, carros, camions, paredes, nada escapara, só ele escapou à tropa dado por maluco.

Se me deixassem iria mais longe no que o Eng.º Saias tentou, encheria toda a cidade de flores, flores e mais flores, de todas as cores e espécies, até que alguém notasse que aqui se teima pela vida e que não, não estamos malucas (os). 


‎  *  by Maria Luísa Baião, criado a 26 - 3 – 2002 e publicado no Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER provavelmente num dos dias seguintes.