PÁSSAROS, PASSARINHAS,
PASSAROLAS ...
Dia ou noite, noite ou dia,
nebulosa e constante essa
imagem espectral,
estava presente como um murmúrio,
avançando insidiosa
na
escuridão do tugúrio onde me encerro,
aquecendo o óleo numa
frigideira ferrugenta,
sombra, caverna, refúgio,
eu fechado sobre mim,
bicho de contas enrolado,
agachado, dormente, doído,
perdido e não achado,
fugido,
como bandido ameaçado procurado
e não encontrado,
por não querer, por me
esconder,
entre ninguém, entre
escombros,
depenando passarinhos e magicando,
que fazer agora,
enlouquecido,
o mundo não eu.
Crepita óleo na frigideira,
e eu recordo cada
passarinho
ou passarinha depenada,
respeitemos os géneros,
mais a mais como saber,
como saber o que tenho
entre mãos,
galo e galinha ainda
distingo,
mas passarinhos e
passarinhas,
é exigir demasiado de mim
que,
apenas lembro tê -las entre
mãos,
ou tê-los.
Não, tê-los não,
porque alguém mais afoito
dirá que confundo os géneros,
que confundirei géneros, alhos e bugalhos,
e não, nunca confundi,
não tive dúvidas,
lembro-me bem onde mexi,
no que mexi.
E não,
não são iguais,
não há duas iguais,
parecidas sim,
algumas irreais,
pela beleza,
ou pelos aventais,
ou capotes.
Bem lembro os Potes,
ou antes as Potes,
as filhas, as primas,
que guardavam em gaiolas
passarinhos,
ou passarinhas,
voltamos ao mesmo,
como sabê-lo,
lembro-as bem, verão, praia,
Cabedelo,
as passarinhas aos saltos,
fugidias,
esvoaçando p'la cozinha e
pela galeria,
e não, dessas ou desses nunca
acabaram na frigideira,
não havia ferrugem ainda,
era tudo novo nessa época,
nós, o trem de cozinha,
as passarinhas
e os passarinhos.
Bem lembro os primos, os
Potes, Potezinhos,
a Maria chamava-lhes chávenas,
chávenas, não potes,
nem passarinhas,
era engraçada a Mariazinha,
uma querida, uma paixão de
amiga,
sempre divertida,
sempre aos saltinhos de
contente,
não de fingida,
sempre de taça na mão,
ou seria uma chávena ?
Era chávena transbordando de alegria,
e de satisfação,
até que um dia,
esvoaçou, fugiu a
passarinha,
só tinha uma coitadinha,
numa gaiola doirada, uma cotovia,
Deus queira Não Matem a Cotovia,
devolvam-na à Maria,
se a acharem claro,
a passarinha, a cotovia.
E fico-me por aqui,
pelas perdizes, pelas
codornizes,
passarinhas maiores,
passarinhas a sério,
fritas em óleo e
crepitantes,
em frigideira ferrugenta,
antiga,
preta e delirante se aquecida,
preta ou branca que
diferença faz,
agora faz,
agora revestidas de Teflon,
essa película antiaderente,
mágica,
e eu magicando,
magicando e desesperando,
passarinhos ou passarinhas,
o mundo endoidando,
mascarado,
eu próprio de máscara,
o que me valeu dos salpicos
do óleo,
ela me protegeu, a máscara,
um milagre,
mas tive que a tirar na
hora de comer,
que outra coisa poderia
fazer,
como haveria eu de comer as
passarinhas,
os passarinhos.
Faltavam-me cá estes,
os passarões,
há sempre uns cabrões a
estragar a festa,
ou a fresta,
espreitando pela fresta,
não comem nem deixam comer,
Não esquecer de apagar o
fogão,
não esquecer.
by Humberto Baião em 02 de
Setembro de 2020