Ricas
férias passei, mas em abono da verdade vos digo que, se do Carnaval de Évora
tivesse sabido, teria sido aqui por mim vivido, e não noutras paragens com
tamanha antecedência marcado.
Não
vale a pena chorar no molhado, até porque molhados estiveram quase todos os
galegos dias que em férias andei. Mas valeu a pena, descomprimi, descansei e
ri, remédios essenciais a um bom arbítrio dos humores, já que de amores me quer
parecer, nunca padecerei.
Ginguei
e passeei p’las bandas de Finisterra, lá onde o mar começa e se acaba a terra,
palmilhei os “caminhos de Santiago”, o tal que volveu santo, de apelido Compostela,
por alcunha o “Mata Mouros”, e que, decerto não por milagre, me poupou a
aziagos dias, apesar do tenebroso frio que por todas aquelas cidades se sentia.
Muitos
tesouros vi nem todos brilhando de fulgor, alguns, bem poucos com pena o digo,
tendo mais a ver com honor e perigo, audácia, coragem, visão, castigo e
recompensa, cuja riqueza está mais no que exemplificam e se pensa, que na
falácia de quem muito e em vão grita.
Vim
contrita, contrita e meditabunda, revendo planos, projectos e, de forma rotunda
revendo e reinventado, reinventando e revendo o que nos separa dessas gentes,
tão formigas, tão contentes, tão amigas, alegres, nunca displicentes. Hereges
não são por certo, visto existir sempre por perto lugar de recolhimento,
meditação ou oração, seja monumento ou não que lhes permita sentir, pensar e
melhor agir.
Foi em
Vigo que espantada,vi uma estrutura criada, melhor, uma escultura moldada por
quem dessas coisas sabe. Vigo, cidade entalada entre o mar e a serra, cujas
gentes, num truísmo, renegaram o determinismo que esse fado lhes traçava,
roubando ao céu o espaço que a terra lhes negava. Testemunha-o essa escultura,
que apontando para a altura, dá conta do querer e saber de quem procura a fortuna
com seus braços e mister.
Quatro
garanhões pujantes, trepando impantes por base que a escultura ergue às alturas
em espiral mais do que instável, subindo com virtual ímpeto e quase se
atropelando, num equilíbrio precário, parecendo quererem ultrapassar-se na
estreita faixa que pisam. Tal milagre termina com o primeiro, o que conduz essa
tão destemida quão desabrida corrida, sem chão debaixo dos pés, empinado no
precipício que lhe serve de edifício, só lhe faltando ganhar nessa corrida
imparável, céu e espaço adjacentes. Que imponentes, que lindos, que vivos, que
impressionantes os traços desse artista que a tal beleza deu vista.
Claro,
logo ali quis saber o querer de tão nobre gesto em ferro e aço tornado. Pois há
pouco que dizer, simboliza tal delícia a vontade de um autarca, de um povo que
em terras da Galícia ousou pensar e fazer, ousou trabalhar e querer.
Simboliza
essa expressão, que fado algum parará quem em si mesmo acredite. Que mesmo
faltando o chão, nada, nada fará parar quem recuse ouvir um não. Vigo recuperou
numa década o atraso que a separava do desenvolvimento de muitíssimos anos que a
afastava do resto de Espanha e da Europa. Por cá, muita gente se prepara já
para apostar ou penhorar o capital de crédito, o muito ou pouco que lhe resta
e quase em cima de eleições.
A
ninguém parecemos querer dar nem o beneplácito da dúvida, nem tempo para galgar
o precipício, parecemos mesmo mais seduzidas (os) por nos atirarmos dele abaixo
que em saltá-lo. Não nos precipitemos, saibamos aguardar………….….………
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* Por María Luisa
Baião, escrito el jueves 26 de Febrero de 2004, a las 17:50 horas y publicado en el Diario del Sur, rúbrica "KOTA DE MUJER"
en los días siguientes.