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quinta-feira, 5 de julho de 2018

515 - AEROPORTO DE BEJA, ESSE EQUÍVOCO ...


 Foto recolhida de página do Diário Rural.

Faziam-lhes o ninho como quem lhes fazia a cama mas elas não se deitavam. Orgulhosas e desdenhosas passavam ao largo, ou ao alto, deixando intactos os lençóis que lhes haviam estendido com tanto amor, paciência e carinho. Nunca neles se deitaram.

A instituição e sociedade que dá pelo nome de National Geographic já passou por duas ou três vezes este mês, no seu canal por cabo, uma história, reportagem verídica filmada no continente australiano, ou seja na Oceânia. Grosso modo mostra-nos como eram os céus dessa parte do planeta antes da segunda guerra mundial e como passaram a ser durante e depois dela. Mostra esses céus, não vistos por nós mas pelos aborígenes, pelos indígenas australianos, gente que nunca na vida vira uma carrada de coisas que nós damos por comezinhas, no caso coisas no céu, aviões nos céus.   

A dita reportagem, bem documentada, mostrou-nos ou demonstrou-nos como facilmente se geram os equívocos, em especial se alicerçados na ignorância, e no fundo mostra como todo o esforço dos nativos se resumia a fazer com que aquelas aves enormes poisassem na cama por eles preparada para o efeito, no ninho, uma vasta língua de floresta totalmente desbravada, excepcionalmente limpa de árvores e vegetação, uma torre de controlo erguida e construída com troncos das árvores derribadas, enfim, uma pista e um aeroporto que na sua visão, deles nativos, indígenas, aborígenes, pouco haveria de divergir daquele que hoje sabemos existir no Dubai, o moderno hub do médio oriente, nunca tendo eles compreendido porque não poisaram ali as tão cobiçadas quão admiradas e gigantescas avioas, as quais ostensivamente lhes sobrevoavam os céus e, a julgar pelo seu tamanho, imaginem só o ovos que poriam…

Assim estão os de Beja, olhando esperançadamente os céus na mira de conseguirem que alguma avioa mais afoita, mais curiosa ou mais distraída lhes pouse no chamariz, digo na cama, digo no seu moderno aeroporto. O aeroporto de Beja, esse enorme equívoco, não tenho dúvidas ter servido bem os alemães. O nosso céu, que ao contrário do deles não se encontrava saturado, permitiu-lhes treinar livremente pilotos de aeronaves super rápidas sem o mínimo de risco de colisões no ar. As mudanças geopolíticas ditaram o fim da base de Beja, a queda do muro de Berlin e o colapso da ex URSS impuseram um outro equívoco, o fim da história e com o fim da história viria o fim da base alemã de Beja.

O actual problema desse aeroporto nem terá sido o seu custo, 33 milhões, o aproveitamento das infra-estruturas já construídas foi lógico, o país tem desperdiçado de modo bem pior muito mais dinheiros, quando não são sorvidos pela voragem da corrupção, da irresponsabilidade e da incompetência. O mal de Beja é o mesmo mal que assola o resto do país e tem a idade desta disfuncional democracia, pois logo a seguir ao 25 de Abril deviam ter-se traçado os eixos prioritários que definiriam a sustentação estrutural do país, o seu esqueleto digamos, ou exo-esqueleto, mas tal não se fez, e nunca mais foi feito.

Não o foi no aspecto concernente a aeroportos e portos, nem nos aspectos rodoviário, ferroviário, ou marítimo, nem no sistema de ensino ainda aos trambolhões, tal qual o sistema de saúde e segurança social se encontram actualmente. Não tivesse o SNS sido erguido nessa altura e não o seria de certeza. Outros aspectos desta estrutura foram igualmente esquecidos, ou torpedeados, como aconteceu com a agricultura e as pescas. A economia e a indústria nunca mereceram qualquer atenção especial, e quanto à banca, seguros e energia pensou-se nelas sim mas apenas para apurar por quanto as alienar.

Tudo foi deixado nas mãos do destino, nas mãos do acaso, o que se fez muito ficou a dever-se ao improviso, o país não tem ainda hoje quaisquer desígnios, não tem rumo há quarenta anos.

Tiveram os bejenses uma oportunidade de oiro que desperdiçaram por vaidade, por orgulho, por ignorância, por desconhecimento, o negócio da sucata de aviões. Lembro-me que na altura pesquisei o negócio, comentei-o acompanhado de fotos numa das páginas do aeroporto de Beja na net, portanto o meu testemunho ainda por aí estará algures. De modo vago recordo-me que as pesquisas efectuadas me tinham levado a concluir que, só na califórnia o desmantelamento e a reciclagem de aeronaves atingia um volume de negócios equivalente ou superior em dez vezes o PIB do nosso país, portanto nada de desprezar, tivesse Beja agarrado essa oportunidade e hoje poderia ser a cidade e a região com o mais alto contributo para o PIB de entre todas as regiões de Portugal.

Vaidade, orgulho, falta de visão e de cosmopolitismo, teimosia e cegueira deitaram ao desprezo um negócio que poderia ter sido uma galinha dos ovos de oiro, porque quanto ao resto, nem Beja tem dimensão nem pontos de interesse capazes de sustentar um fluxo positivo de turistas, ou de viajantes, a quem faltam como disse as restantes infra-estruturas que lhes possibilitassem sair dali depressa, sem incómodos nem atrasos. Digo isto por não acreditar que quer o castelo de Beja quer a biblioteca José Saramago sejam suficientemente apelativos e capazes de segurar alguém mais que umas horinhas. Forçar os operadores ou a ANA a engolir o dito cujo será pior que meter a gaiatagem a beber de novo o celebérrimo óleo de fígado de bacalhau e imposições desse teor serão sempre decretos contra natura cuja aberração a primeira oportunidade demonstrará.

Sem o desenvolvimento, crescimento e enriquecimento do país e dos portugueses o Aeroporto de Beja nunca passará dum emplastro, um grande emplastro sem dúvida, mas um emplastro.

Foto recolhida de página do Diário Rural.