Foto recolhida de página do Diário Rural.
Faziam-lhes
o ninho como quem lhes fazia a cama mas elas não se deitavam. Orgulhosas e
desdenhosas passavam ao largo, ou ao alto, deixando intactos os lençóis que
lhes haviam estendido com tanto amor, paciência e carinho. Nunca neles se
deitaram.
A instituição
e sociedade que dá pelo nome de National Geographic já passou por duas ou três
vezes este mês, no seu canal por cabo, uma história, reportagem verídica filmada no continente australiano, ou seja na Oceânia. Grosso modo mostra-nos como
eram os céus dessa parte do planeta antes da segunda guerra mundial e como
passaram a ser durante e depois dela. Mostra esses céus, não vistos por nós
mas pelos aborígenes, pelos indígenas australianos, gente que nunca na vida
vira uma carrada de coisas que nós damos por comezinhas, no caso coisas no céu,
aviões nos céus.
A dita
reportagem, bem documentada, mostrou-nos ou demonstrou-nos como facilmente se
geram os equívocos, em especial se alicerçados na ignorância, e no fundo mostra
como todo o esforço dos nativos se resumia a fazer com que aquelas aves enormes
poisassem na cama por eles preparada para o efeito, no ninho, uma vasta língua de
floresta totalmente desbravada, excepcionalmente limpa de árvores e vegetação,
uma torre de controlo erguida e construída com troncos das árvores derribadas,
enfim, uma pista e um aeroporto que na sua visão, deles nativos, indígenas, aborígenes,
pouco haveria de divergir daquele que hoje sabemos existir no Dubai, o moderno
hub do médio oriente, nunca tendo eles compreendido porque não poisaram ali as
tão cobiçadas quão admiradas e gigantescas avioas, as quais ostensivamente lhes
sobrevoavam os céus e, a julgar pelo seu tamanho, imaginem só o ovos que poriam…
Assim
estão os de Beja, olhando esperançadamente os céus na mira de conseguirem que
alguma avioa mais afoita, mais curiosa ou mais distraída lhes pouse no
chamariz, digo na cama, digo no seu moderno aeroporto. O aeroporto de Beja,
esse enorme equívoco, não tenho dúvidas ter servido bem os alemães. O nosso
céu, que ao contrário do deles não se encontrava saturado, permitiu-lhes
treinar livremente pilotos de aeronaves super rápidas sem o mínimo de risco de
colisões no ar. As mudanças geopolíticas ditaram o fim da base de Beja, a queda
do muro de Berlin e o colapso da ex URSS impuseram um outro equívoco, o fim da
história e com o fim da história viria o fim da base alemã de Beja.
O
actual problema desse aeroporto nem terá sido o seu custo, 33 milhões, o
aproveitamento das infra-estruturas já construídas foi lógico, o país tem
desperdiçado de modo bem pior muito mais dinheiros, quando não são sorvidos pela
voragem da corrupção, da irresponsabilidade e da incompetência. O mal de Beja é
o mesmo mal que assola o resto do país e tem a idade desta disfuncional
democracia, pois logo a seguir ao 25 de Abril deviam ter-se traçado os eixos
prioritários que definiriam a sustentação estrutural do país, o seu esqueleto
digamos, ou exo-esqueleto, mas tal não se fez, e nunca mais foi feito.
Não
o foi no aspecto concernente a aeroportos e portos, nem nos aspectos
rodoviário, ferroviário, ou marítimo, nem no sistema de ensino ainda aos trambolhões,
tal qual o sistema de saúde e segurança social se encontram actualmente. Não
tivesse o SNS sido erguido nessa altura e não o seria de certeza. Outros aspectos
desta estrutura foram igualmente esquecidos, ou torpedeados, como aconteceu com
a agricultura e as pescas. A economia e a indústria nunca mereceram qualquer atenção
especial, e quanto à banca, seguros e energia pensou-se nelas sim mas apenas
para apurar por quanto as alienar.
Tudo
foi deixado nas mãos do destino, nas mãos do acaso, o que se fez muito ficou a
dever-se ao improviso, o país não tem ainda hoje quaisquer desígnios, não tem
rumo há quarenta anos.
Tiveram
os bejenses uma oportunidade de oiro que desperdiçaram por vaidade, por
orgulho, por ignorância, por desconhecimento, o negócio da sucata de aviões.
Lembro-me que na altura pesquisei o negócio, comentei-o acompanhado de fotos
numa das páginas do aeroporto de Beja na net, portanto o meu testemunho ainda
por aí estará algures. De modo vago recordo-me que as pesquisas efectuadas me
tinham levado a concluir que, só na califórnia o desmantelamento e a reciclagem
de aeronaves atingia um volume de negócios equivalente ou superior em dez vezes
o PIB do nosso país, portanto nada de desprezar, tivesse Beja agarrado essa oportunidade
e hoje poderia ser a cidade e a região com o mais alto contributo para o PIB de
entre todas as regiões de Portugal.
Vaidade,
orgulho, falta de visão e de cosmopolitismo, teimosia e cegueira deitaram ao desprezo
um negócio que poderia ter sido uma galinha dos ovos de oiro, porque quanto ao
resto, nem Beja tem dimensão nem pontos de interesse capazes de sustentar um
fluxo positivo de turistas, ou de viajantes, a quem faltam como disse as
restantes infra-estruturas que lhes possibilitassem sair dali depressa, sem
incómodos nem atrasos. Digo isto por não acreditar que quer o castelo de Beja quer
a biblioteca José Saramago sejam suficientemente apelativos e capazes de
segurar alguém mais que umas horinhas. Forçar os operadores ou a ANA a engolir
o dito cujo será pior que meter a gaiatagem a beber de novo o celebérrimo óleo
de fígado de bacalhau e imposições desse teor serão sempre decretos contra natura cuja aberração a
primeira oportunidade demonstrará.
Sem
o desenvolvimento, crescimento e enriquecimento do país e dos portugueses o
Aeroporto de Beja nunca passará dum emplastro, um grande emplastro sem dúvida,
mas um emplastro.
Foto recolhida de página do Diário Rural.